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segunda-feira, 21 de maio de 2012

É na Terra, não é na Lua

É na Terra, não é na Lua:


Ilha do Corvo, Arquipélago dos Açores, Portugal. Uma única vila, fundada há 490 anos. População actual: 430 habitantes. O verdadeiro ponto mais Ocidental da Europa, quase tão longe de Lisboa como Berlim. O Município mais masculino do país, com 126 homens para cada 100 mulheres.

É esta a base de trabalho para o mais recente documentário de Gonçalo Tocha, que tem vindo a receber prémios e mais prémios desde que se estreou (como filme vencedor) no DocLisboa 2011. É um filme longo e lento, mas por isso funciona tão bem...adapta-se ao ritmo da ilha que se propôs a documentar e, como bom documentário, não impõe o seu ritmo àqueles que filma.

Sim, porque este filme é muito mais sobre os corvinos (gentílico dos habitantes deste paraíso perdido) que sobre a ilha que os acolhe. Ao longo das suas três horas é-nos dada a conhecer a estrutura da Vila do Corvo, o caldeirão que tão bem define a natureza vulcanica da ilha ou algumas das suas enseadas, mas não haja dúvidas que as verdadeiras estrelas são a Sra. Inês Inêz e os restantes habitantes da ilha.

As suas profissões, o seu artesanato, as suas lendas, o seu passado e as suas esperanças para o futuro são alguns dos temas que o realizador resolveu documentar. A tradição da Nossa Sra. dos Milagres passar 24h em casa de cada um dos habitantes, o facto das eleições terem 1/3 da população como candidatos elegíveis ou a história do veleiro que ali chegou sem ninguém ao comando são pedaços de história que merecem ser preservados e, felizmente, assim o foram através da câmara de Gonçalo Tocha.

Invejo-o por ter tido essa ideia, eu que há anos que nutro uma paixão pouco saudável por ilhas remotas nunca tinha colocado a hipótese de explorar o mais remoto que há no meu país. É na Terra, não é na Lua fez-me despertar o interesse por essa ilha e não foram poucas as vezes que referi "tenho de lá ir antes de morrer" enquanto via o filme.

"OK, mas eu não tenho propriamente interesse em ilhas remotas do Atlântico Norte, será que este filme é para mim?" perguntarão vocês. Sim, é a minha resposta...partindo do pressuposto que se lêem este blog é porque têm alguns interesses em comum com este vosso escriba, acredito que por muito pouco interesse que tenham em pequenos pedaços de terra no meio do imenso mar terão curiosidade em conhecer um pequeno ponto de Portugal - do mundo - que não conhecerão melhor a menos que visitem a ilha em primeira mão.

Este trabalho de Gonçalo Tocha tem - acima de tudo o resto - esse grande mérito. Mais que um trabalho artístico É na Terra, não é na Lua é um testemunho sociológico de uma ilha cuja memória escrita é praticamente inexistente. Não acharia muito estranho que daqui a umas gerações o Corvo seja uma ilha desabitada (já teve 900 habitantes - mas, em abono da verdade, também já teve 300) e este filme será provavelmente o testemunho definitivo dos homens e mulheres que no século XXI, falando a mesma língua, cantando o mesmo hino e sofrendo o mesmo que eu pela selecção nacional, têm uma vida incrivelmente diferente da minha. E é tão bom agora conhecê-la melhor!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Rafa

Rafa:


A 18 de Fevereiro de 2012 João Salaviza entrou no restrito grupo de cineastas que já ganharam os grandes prémios dos dois maiores festivais de cinema da Europa. Depois de com Arena ter ganho a Palma de Ouro de Cannes (em 2009) para melhor curta-metragem, venceu agora em o Urso de Ouro da Berlinale, novamente para melhor curta-metragem.

O realizador considera Rafa a terceira parte de uma trilogia iniciada com Arena e continuada por Cerro Negro, de 2011. Devo começar por confessar que não vi a segunda destas três curtas, mas no que toca a Rafa e Arena não posso deixar de concordar que existem pontos em comum. Apesar de não terem uma história em comum e não se encontrarem na mesma realidade geográfica, sem dúvida que Rafa poderia ser um vizinho do protagonista de Arena, tal como este poderia ser o desconhecido pai do sobrinho de Rafa.

Interpretado por Rodrigo Perdigão (um não-actor cuja escolha é tão acertada que nem deve ter tido de representar), Rafa é um miúdo de 13 anos que vive na Margem Sul com a mãe, a irmã (Joana de Verona, que tinha visto antes em Como desenhar um círculo perfeito) e o sobrinho. Um dia a mãe é detida por conduzir sem carta e Rafa põe-se a caminho da esquadra para a trazer de volta a casa.

Sendo eu nativo de Lisboa é natural que consiga aprofundar-me mais sobre o filme do que se este tivesse outra origem qualquer. O que mais me agradou em Rafa é precisamente o oposto do que me fez dizer mal de Tabu ou de tantos outros filmes portugueses: nesta curta os personagens falam como portugueses normais (em. vez. de. falar. assim.), comportam-se como portugueses normais e reagem como portugueses normais. Ao contrário do típico realizador português, que parece viver numa redoma de vidro em que só os intelectuais podem entrar, nota-se que João Salaviza vive no mesmo país que eu conheço e de que tanto gosto. Ao mostrar as nossas falhas mostra também o nosso charme.

Dito isto, tenho de fazer uma menção à forma como Rafa acaba. É um final abrupto e aberto, mas que - dadas as incógnitas que deixa - acaba por não ser o mais adequado. Ao contrário de outras curtas premiadas que vi na mesma sessão (e que vou analisar daqui a uns minutos) Rafa peca por ter 3 ou 4 minutos a menos. Fora isso, 5 estrelas e prémio bem atribuído. Sou só eu que estou ansioso por ver uma longa deste realizador?

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Tabu

Tabu:


A noite de 14 de Fevereiro de 2012 ficará na memória de Miguel Gomes, realizador de Tabu, como a da estreia com mais pompa e circunstância que algum dos seus filmes já teve. Aliás, a estreia de Tabu na Berlinale 2012 deve ter sido a estreia mais pomposa que um filme português jamais teve: passadeira vermelha, emissão em directo na televisão, segurança reforçada e fãs à espera (se bem que os fãs estavam à espera da Meryl Streep para outra sessão, mas isso não interessa nada). É uma pena, portanto, que o filme exibido não estivesse à altura do espetáculo montado para ela.

Honestamente já não sei o que dizer mais sobre o prototípico cinema português. Já por várias vezes referi o quanto me custa ver que, filme atrás de filme, a nossa escola de cinema continua a repetir a mesma fórmula, caracterizada pelo formalismo excessivo (a roçar o grotesco), o pedantismo e um desinteresse em cativar o público. Em Tabu Miguel Gomes cai nos mesmos erros, logo ele cujo anterior filme teve bastante sucesso precisamente por se afastar desse molde.

Partilhando o título com um filme dos anos 30, Tabu começa com um prólogo que parece ter sido filmado nessa década. Neste se conta a história de um intrépido explorador que, de coração desfeito, se deixa morrer em plena África e a, partir dessa lenda, partimos para a história propriamente dita. 

Dividido em duas partes (Paraíso Perdido e Paraíso, tal como o seu homónimo) Tabu começa por nos apresentar a Aurora (Laura Soveral/Ana Moreira) enquanto idosa já meio senil, tal como a sua empregada Santa (Isabel Cardoso, o melhor que o filme tem para oferecer) e a sua vizinha Pilar (Teresa Madruga). No leito de morte Aurora pede a Pilar para contactar um homem, Gian Luca Ventura (Henrique Espírito Santo/Carloto Cotta). Ventura e Aurora conhecem-se dos tempos em que ambos tinham fazendas em na África colonial portuguesa e por lá tiveram uma relação intensa que entretanto se diluiu até à inexistência. Ventura, já velho e solitário, acaba por nos contar o porquê recordando os dias tórridos que viveu com aquela mulher.

Começa aqui os dos meus grandes pontos de discórdia com este filme. A segunda parte do filme é integralmente narrada por Ventura, em prejuízo dos diálogos entre os personagens. Não, não é um filme mudo porque se ouvem efeitos sonoros - tanto o som de fundo como a respiração dos actores marcam presença e eles conversam entre si, nós é que não lhes ouvimos a voz.
 
Juntem a isso uma rigidez formal excessiva, que transforma as interpretações em marionetas (e que já vinha da primeira metade do filme) e uma fotografia a preto e branco que não me pareceu ter grande qualidade e ainda menos interesse narrativo e começam a perceber o que quero dizer: Tabu é um exercício de estilo feito por um autor para si mesmo e que - com muita pena minha - acaba por ser um desperdício de tempo, dinheiro e talento.

Bem sei que não represento a crítica cinematográfica mais típica e não é por acaso que resumo o meu blog como "crítica de cinema para quem não paciência para críticos de cinema". Admito até que talvez seja eu a estar errado, já que aparentemente a recepção a este filme noutras publicações tem sido positiva, mas enquanto espectador de cinema não posso recomendar este filme a ninguém. 

Durante a primeira parte do filme Aurora diz algo do género: "Por vezes dão-nos presentes de que não gostamos. Não é por mal, apenas não nos conhecem o gosto". Tabu é o mais recente presente de Miguel Gomes aos espectadores. É provável que a maioria não goste mas não é por mal, apenas não lhes conhece o gosto.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Golden Dawn

Golden Dawn:


Que grande filme! A sério, que grande grande filme! Dura só 16 minutos mas esses 16 minutos foram suficientes para me encher de vontade de fazer o meu próprio documentário. Haverá melhor elogio que se possa dar?

Golden Dawn apresenta-nos o quotidiano de um grupo de pescadores holandeses algures no Mar do Norte, enquanto tentam ganhar a sua vida naquela que é uma das mais antigas profissões do mundo. O tema em si não difere muito de alguns programas que passam no Discovery Channel, agora que a pesca de alto mar virou moda, mas aqui - ao contrário do que costumo fazer - vou dar mais valor à forma que ao conteúdo.

É que este filme é de uma beleza imensa. Ao mesmo que é frio e maquinal (a pesca e os pescadores não são os temas mais charmosos de sempre) consegue ser, palavras do resumo do Doc, poético na forma como retrata esta actividade. Vê-se que não foi uma obra de realização complexa (diria que foi filmado com uma câmara daquelas que se podem comprar nas lojas) mas a atenção dada à composição de todas as cenas/todos os frames é tanta e a banda sonora, de Filipe Felizardo, é tão boa que conseguem transformar o despejar de duas redes de arrasto numa dança. Repito, o filme acabou e eu só pensava em que temas poderia mostrar num documentário de estilo semelhante.

Maaaaaaaaaaaaaaaas, apesar de todos os elogios que já lhe dei tenho de dar um valente puxão de orelhas à realizadora (Salomé Lamas) por ter deixado que os quadros explicativos finais (não sei que outro nome lhes dar) viessem público com tantos erros de inglês: "Mi" em vez de "My" ou "To" em vez de "Too" e, ainda pior, "No mi son" em vez de sei lá o quê são falhas imperdoáveis para alguém que submete um filme a uma competição.


Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e volta a passar no dia 29, às 18h30, no Pequeno Auditório da Culturgest.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Gesto

Gesto:


Esta SMR não é uma crítica ao filme, é uma carta ao seu protagonista  (António Coelho), que conheço de outros tempos e outras andanças.

"Caro António,

Talvez não te lembres de mim à primeira e por isso devo apresentar-me. Chamo-me João e fui teu formador no projecto MOVA, no CED Jacob Rodrigues Pereira. Talvez de lembres de mim pelo meu nome gestual, relacionado com a minha poupa de cabelo.

Durante esse projecto tive o prazer de te mostrar a ti e aos teus colegas que não são algumas limitações físicas ou sociais que nos impedem de sermos pessoas completas, com projectos de vida bem estruturados e capazes de conviver com o mundo exterior. Infelizmente tive de sair antes do final do projecto mas soube, pelos colegas que me sucederam, que foi um sucesso. Fiquei feliz por sabê-lo, pois desde a altura em que primeiro entrei em contacto convosco que acho o CED Jacob Rodrigues Pereira uma grande escola e os seus alunos grandes exemplos de inteligência, cultura e vontade de aprender.

Escrevo-te pois ontem à noite voltei a ver-te. Desta vez vi-te num filme mas reconheci-te de imediato. Foi bom ver que continuas a sonhar alto, como já na altura demonstravas fazer e que não desistes do teu sonho de cinema. Houve um dia em que vos mostrei um filme do Charlie Chaplin e já na altura demonstraste um interesse especial na análise daquelas imagens.

Mas ontem, ao ver-te como a "estrela" do teu próprio filme lembrei-me sobretudo de outra coisa. No final da minha colaboração no projecto passámos um fim de semana juntos na Colónia d'O Século, lembras-te? Pois eu nunca mais me esqueci da conversa que tivemos os dois numa das noites. Não tinhas o intérprete por perto por isso usámos o telemóvel para falar por escrito e no final disseste-me que gostavas de mim e da minha colega por sermos ouvintes mas estarmos a dar formação a jovens surdos como tu e (alguns d)os teus colegas. Pois hoje, passados uns dois anos e tal digo-te que ao ver o filme Gesto sou eu que te agradeço, pela inspiração que foste na tua crença de que todas as barreiras são ultrapassáveis.

Espero, muito honestamente, que o teu sonho continue vivo e que um dia nos encontremos por aí, tu realizador e eu ainda aqui a escrever as minhas críticas de cinema. Boa sorte!"


P.S.: Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou ontem, dia 23 e infelizmente já não volta a passar, mas se o mundo for justo voltarão a ouvir falar dele e terão oportunidade de o ver noutra ocasião. É um filme que, tendo algumas falhas, serve como uma ponte para o outro mundo que é a comunidade surda portuguesa.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Fantasia Lusitana



Se tivesse de reter apenas uma só frase deste filme essa frase seria de Antoine Saint-Exupéry (sim, o do Principezinho), que descreve o Portugal que visitou nos anos 40 como "um paraíso triste".

Saint-Exupéry é um dos três autores estrangeiros cujas descrições do Portugal dos anos 40 são usadas como voz off a este interessantissimo documentário de João Canijo. As imagens que as acompanham são de fantasia, a tal fantasia lusitana que o Estado Novo promovia incessantemente e que - como ouvimos nas palavras dos nossos interlocutores estrangeiros - estavam longe da realidade.

O contraste é chocante. Usando imagens de arquivo da RTP e da Cinemateca vamos acompanhando alguns eventos importantes dessa altura, como a Exposição do Mundo Português (a Expo dos nossos pais ou avós), as visitas das grandes estrelas internacionais ao Casino do Estoril ou, mais tarde, a inauguração do Cristo-Rei. Em todas estas reportagens passa a mensagem de que Portugal é uma pátria milenar, salva dos horrores da Segunda Guerra Mundial pela política de neutralidade (i.e., apoiar ambos os lados, consoante pendesse balança) do "salvador da pátria" Salazar, e que voltará aos seus dias de glória num futuro próximo, se Deus quiser.

As descrições feitas por Saint-Exupéry (bem com Alfred Döblin, autor de Berlin Alexanderplatz, e Erika Mann, filha de Thomas Mann) acerca da sua passagem por este cantinho à beira mar plantado são, contrariamente às reportagens de que falei acima, isentas da censura do Estado e - como tal - infelizmente mais realistas. Portugal é descrito como um paraíso, realmente, um porto de abrigo para todos aqueles que tiveram a sorte de chegar cá, fugindo da insana perseguição nazi. É no entanto, como já referi, um paraíso triste, um porto de abrigo onde só se fica enquanto não se apanha outro barco, para terras mais fecundas, onde os sonhos se podiam tornar realidade.

Sempre me interessei muito por história e, por causa disso, sempre falei muito com o meu avô (nascido em 1916) sobre a vida que tinha nesses tempos. Ele infelizmente já faleceu e nunca viu este filme, mas tivesse-o visto e decerto diria que as descrições sonoras são mais realistas que o que se via na televisão do Estado. O famoso mito urbano de uma sardinha por família não é tão mito assim e sempre soube que o meu avô, filho de agricultores da região de Paredes, teve o seu primeiro par de sapatos aos 14 ou 15 anos de idade...

Porque é que somos assim? Não duvidem, o Portugal de 2011 continua a ser o paraíso triste que era em 1940, um país que poderia ser perfeito para viver mas que cada vez mais vejo como um excelente destino temporário, nada mais. Como alguns de vocês saberão, a minha namorada é uma alemã apaixonada por Portugal. Foi ela que me disse - com o distanciamento que nos permite fazer melhores observações - que achava que o problema deste país não são as pessoas, nem os governantes, o problema é a nossa mentalidade colectiva: somos um povo altamente desmotivado e isso reflecte-se no todo.

Tenho de concordar com ela, sabem? Talvez tenha sido o Estado Novo a tirar-nos a fibra que outrora tivemos e que nos levou a descobrir o mundo, ou talvez fosse um mal que já vinha de outros tempos, mas enquanto não levarmos uma desfibrilação colectiva não deixaremos de estar na cauda da Europa, contentes por sermos os mais pobres dos ricos. Não será Deus que mudará o nosso destino, temos de ser nós.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

José e Pilar



José Saramago, o famoso escritor português, não escrevia histórias de amor. José Saramago, o homem, teve a partir dos 63 anos uma grande história de amor, e este filme mostra o seu epílogo.

O grande amor de José Saramago é Pilar del Río, jornalista espanhola que muitos criticam por ter "roubado" o nosso escritor para Lanzarote mas que, segundo o autor, o fez rejuvenescer. Diz Saramago a Pilar, no início do filme, que se tivesse morrido antes de a ter conhecido, aos 63 anos, morreria mais velho do que será quando chegar a sua hora. Melhor que uma frase-feita tirada de um cartão, não?

Pilar del Rio é mais do que a mulher de Saramago, é a sua melhor amiga, a sua secretária, sua tradutora e presidenta da sua fundação. São, aliás, essas funções que a vemos assumir primordialmente durante o filme, mas o amor está lá sempre, em pequenos gestos como aquele em que vemos um Saramago já idoso, meio perdido, à procura da mão de Pilar enquanto uma multidão anónima lhe canta os parabéns. Pilar é, também, a luz no meio daquela multidão.

Sabem quando alguns filmes usam um artifício em que tudo aparece em fast forward excepto o que se quer destacar, que permanece imóvel ou move-se com muito mais elegância? Foi essa imagem que mais me surgiu mentalmente neste filme de Miguel Gonçalves Mendes, mesmo que não tenha surgido uma única vez no ecrã. Ao longo das mais de duas horas do documentário acompanhamos Saramago no rebuliço que era a sua vida antes de adoecer seriamente, em 2008. Vemo-lo em Espanha, Brasil, Portugal, Estados Unidos, com pessoas como Gabriel García Márquez, Gael García Bernal ou Tarja Halonen, Presidenta da Finlândia. A vida de Saramago era como a sua escrita, imparável.

Segundo me parece, Saramago usava os seus livros para explorar pormenores extraordinários (ainda que fictícios) de histórias ditas normais, este filme - por ter tido a ousadia de se focar no que à partida poderia ser menos relevante - faz o mesmo, pega num dos escritores mais famosos do seu tempo e quase não fala da sua obra, falando antes da sua vida. José e Pilar não trata de Saramago o escritor, trata dos últimos dias de José, um homem apaixonado por uma mulher apaixonada por si. E por assim ser é um grande filme.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Subtitle Girl


(não é o poster do filme, claro, mas também não é um anúncio à Gilette...não há poster, arranja-se um frame)

Vamos ponto por ponto.

O título: Este filme tem um problema em comum com o blog que estão a ter o prazer de ler, porquê um título em inglês quando o filme é português e maioritariamente falado em francês? Eu confesso que a única justificação que tenho para o meu blog em português ter um título em inglês deve-se ao acaso...o meu LJ, onde as SMR foram criadas, chamava-se tales.from.the.outside.world:. e achei que este era um bom título para a secção de cinema. E tu, Gonçalo Soares, qual é a tua razão?

A história: Louis (assim mesmo à francesa, apesar do protagonista ser português) é um aspirante a artista e está aborrecido, como muitos os aspirantes a artistas costumam estar. Ao longo do filme acompanhamos as suas idas ao cinema (3 vezes num dia, se bem me lembro, é tipo eu durante o Indie), as suas tentativas falhadas de criar arte através de uma "inspiração" (para não lhe chamar outra coisa) noutros artistas e, finalmente, sabemos que se decidiu a apaixonar-se (interessante decisão). Por quem se apaixona? Pela rapariga das legendas que dá o nome a esta curta, a responsável pela legendagem do terceiro dos filmes que vê. É uma vida interessante? Nem por isso, mas muitas vidas aborrecidas já deram filmes muito bons.

A realização: A meu ver o ponto mais alto desta curta é a ideia de ter um dia tão banal narrado como se fosse digno de épicos históricos. O encanto da voz-off contrasta com o desencanto do protagonista e esse entusiasmo feminino é provavelmente a única coisa que faz o filme sobressair...se estivéssemos perante o mesmo filme sem a narração penso que não teria metade do valor e não nos ficaria na cabeça. Pena é o ser em francês! Não quero entrar naquela polémica que surgiu quando o Sam the Kid lançou o Poetas de Karaoke, mas tenho alguma pena que haja no cinema português uma tão forçada colagem à estética cinemática francesa...deviamos orgulhar-nos de ter a nossa própria escola, e usar a nossa língua deveria ser uma das bandeiras desse orgulho. Neste caso só se safam porque seria parvo um filme chamado Subtitle Girl que não tivesse legendas!

Tirando isso só queria deixar mais duas notas, uma positiva (mais ou menos) e outra negativa, e como quando me dizem "tenho uma boa notícia e uma má, qual queres ouvir primeiro?" escolho sempre a má vou começar pela nota negativa: normalmente queixo-me de filmes que deveriam ser curtas mas se alongam demasiado, aqui queixo-me do inverso! Não digo que haja história para fazer uma longa, mas a edição é demasiado rápida (sobretudo no início) quando penso que seria positivo demorarmos mais tempo quando o sentimento máximo que se pretende passar é o tédio.

E agora a nota mais positiva: o preto e branco é uma boa escolha. Muitas vezes realizadores menos experientes querem emular o que vêem no grande ecrã e acabam por querer mais do que a sua técnica (e o orçamento) permitem. Aqui o realizador Gonçalo Soares aproveitou bem as (presumíveis) limitações que tinha e optou por um preto e branco que mais facilmente embeleza imagens que a cores seriam negligenciáveis. No entanto esta opção tem um contra, em cenas em que é necessário grande contraste (como aquelas no cinema) a qualidade de imagem desce a níveis pré-VHS. Mas já estou a entrar em demasiados tecnicismos!

Em conclusão, sei que este foi um trabalho de final de curso e isso nota-se. Não é uma ideia particularmente original (mas nunca o ousou ser, o próprio filme está cheio de referências cinematográficas), a execução está ao nível do contexto (trabalho de final de curso, remember?) mas até tem algumas ideias interessantes: a escolha do preto e branco é boa, a ideia da voz-off é bastante boa, a própria voz é agradável (imaginem se não fosse, num filme tão dependente disso) e como tal não me posso de todo queixar. São 16 minutos bem passados.

sábado, 14 de maio de 2011

Indie Lisboa dia 8: O que há de novo no amor?

ATENÇÃO: Este post é relativo ao dia 12 de Maio, não o publiquei antes porque o Blogger este offline uma data de tempo!


O que há de novo no amor?:



Há noites em que nada parece correr bem. Vejamos o que ontem correu mal.

A sala: Já aqui o disse várias vezes, adoro o cinema São Jorge e em particular a sala 1, provavelmente a maior sala de cinema do país. Neste caso, o problema é que a sala, apesar de renovada, é velha. E não tem ar condicionado (ou, tendo-o, é demasiado fraco para aquele tamanho). E a sala, com 500/600 lugares estava esgotada. E estava muito calor.

A sessão: Bem sei que era a estreia mundial deste filme. Bem sei que o filme tem 6 (seis) realizadores (mas já lá vamos) e todos queriam fazer os seus agradecimentos. Bem sei que os actores poderiam ser chamados ao palco para receber os aplausos. Bem sei que ia haver atrasos. Mas um atraso de mais de meia a hora começa a ser intolerável! Para aqueles que, como eu, vão ao cinema pelos filmes e não pelas cerimónias o facto de uma sessão marcada para as 21h45 começar só depois das 22h15 tem consequências chatas. A consequência ontem foi ter perdido o Finisterrae à meia noite, um filme que tinha mais interesse em ver e que decerto é melhor. E sim, podia ter saído a meio..mas eu não saio a meio de filmes.

A SMR: Quando cheguei a casa o Blogger estava em "Read-only mode" e é por isso que só agora é que estão a ler isto. Mas passemos então ao mais importante...

O filme: Queria tanto gostar deste filme. É que queria mesmo! Trata-se de um projecto jovem, um conceito original q.b. e é um filme português sem a sobranceria típica dos filmes portugueses. Eu queria, mas não consigo gostar.

A questão de ser feito por 6 realizadores vai ser, de certeza, o ponto mais falado quando estrear comercialmente, mas mesmo que não se considere que isso é pouco mais que um gimmick não se pode dizer que acrescente o que quer que seja. Só retira, na verdade: notam-se os estilos diferentes mas a opção de tentar manter uma história única em vez de vários segmentos tipo New York, I Love You foi uma opção errada, a meu ver, porque - para usar uma expressão antiga - não é carne nem é peixe: as histórias entrecruzam-se o suficiente para serem uma só mas os saltos que o filme dá acabam por fazer com que nenhum dos personagens, e as suas histórias, tenha um princípio, meio e fim.

Apesar de tudo a realização é o menor dos problemas desta obra: muito piores são o argumento e as interpretações, à excepção de Joana Santos, que faz de Rita.

Uma das piores coisas que podem acontecer a um argumento é provocar o riso em momentos não cómicos. Em O que há de novo no amor? isso acontece várias vezes e é perfeitamente compreensível, quanto temos frases como esta, dita por um jovem bué rebelde que vive numa casa okupada onde decorre a pior festa de hip-hop da história da humanidade: "Sabes, as pessoas vêm aqui e pensam que esta casa é diferente e ficam todas malucas. Só que eu vivo aqui e vejo que é diferente, é tudo uma ilusão...as pessoas nem sequer se olham nos olhos. Mas tenho bué carinho por essas pessoas e por esta casa, caso contrário não vivia aqui".

Face a isto ou choramos, ou rimos, ou vamo-nos embora (o que muita gente fez e eu não fiz - para ir ver o Finisterrae - porque por princípio não saio de filmes a meio).

O elenco é todo jovem, numa onda Morangos com Açúcar (em termos de idade e estilos) e o nível também é parecido, com a excepção que já referi antes. Estes Morangos são é sem açúcar, não porque são piores (que não são) mas porque o ritmo é muito mais lento (demasiadamente lento, por vezes) e menos capaz de provocar uma crise de hiperglicémia.

No início da sessão um dos directores do festival referiu que gostava que este filme tivesse sucesso em sala quando estrear comercialmente. Para esse efeito, pediu-nos para "passarmos palavra" aos nossos contactos. Eu gostava de o poder fazer, porque admiro a coragem que todos os envolvidos tiveram em fazer isto e estreá-lo na sala mais mítica do país, mas de boas intenções está o inferno cheio e se querem ter sucesso vão ter de se esforçar mais e produzir algo com mais qualidade.

domingo, 8 de maio de 2011

Indie Lisboa dia 4: Curling + Gravity Was Everywhere Back Then + Viagem a Portugal + This Movie Is Broken

Curling:


Enquanto assistia a Curling, o filme de Denis Côté inserido na secção Observatório do Indie deste ano, sentia-me realmente a observar um mundo aparte. Um mundo de condições extremas - o filme é passado no Norte do Canadá, onde a neve e o frio são imensos - mas que me lembrar uma coisa mais familiar.

Não sei se serei só eu mas ao assistir à história de Jean-François Sauvageau (Emmanuel Bilodeau, um famosissimo actor canadiano) e da sua filha Julyvonne (a filha real do actor) pensei frequentemente no caso Joseph Fritzl, aquele austriaco que teve a filha imprisionada na cave de sua casa durante 24 anos. Jean-François não abusa da sua filha, nem sequer a tem presa a nada - Julyvonne pode sair e passa a maior parte do tempo sozinha, de qualquer forma - mas com a sua atitude ultra rígida, o seu modo de vida espartano e o permanente medo de algo que não percebemos nunca o que é fazem com que - amando a sua filha - a prejudique gravemente.

Exemplo? Por causa dos tais medos que o pai tem Julyvonne não vai à escola. Nunca foi. E por isso demonstra limitações intelectuais que até o patrão de Jean-François e Rosie (a mãe?), que raramente a vêem, o notam.

O filme é precisamente sobre esta relação sufocante. Por não ter um pai normal Julyvonne não é uma criança normal e não tem uma infância normal...não tem amigos e, como entretém, deita-se na neve junto a um monte de cadáveres (numa cena que não percebi, devo admitir) e quando o pai a abandona (porque teve uma reacção errada a algo que não provocou) ela não liga lá muito. A relação entre eles é distante, e a nossa relação com o filme também o é.

No final do filme o pai parece querer (re)aproximar-se da filha. Talvez fosse essa a intenção so realizador, (re)aproximar-se do público. No entanto, a reacção morna que teve na sala quer-me fazer crer que a próxima sessão, dia 12 às 21h30, não deve ser muito mais calorosa.


Gravity Was Everywhere Back Then:


Filme mais original que este não vão encontrar neste Indie de certeza absoluta. Melhor que este também vai ser difícil, mas estou pronto para ser surpreendido.

Gravity Was Everywhere Back Then é a ficcionalização de uma história real que o realizador, Brent Green (não se esqueçam deste nome!) ouviu falar: em Louisville, Kentucky, Mary e Leonard Wood eram um casal mais ou menos normal até ao dia em que Mary adoeceu com cancro. A partir dessa altura Leonard começou a construir uma casa muito especial, qual Noé dos tempos modernos.

Segundo o realizador a história base é verdadeira mas grande parte do conteúdo é imaginado porque nunca conheceu os seus inspiradores. A verdade é que esse pormenor (sim, porque neste filme isso é um pormenor) não é muito relevante. A magia deste filme está muito na sua forma...não vemos uma única imagem em movimento, todas as filmagens foram feitas em stop motion se bem que com actores reais; muitas vezes o som não está em sincronia com o que vemos no ecrã e mesmo tendo em conta que Mary, Leonard e a casa são os protagonistas o realizador não se coíbe de dar o seu comentário aos eventos que vamos acompanhando.

Diz ele a dada altura que se acreditasse em deus, que não acredita, diria que os anjos devem estar a fazer um bom trabalho a distraí-lo porque parece que deus se está a cagar para muitas coisas importantes. Ao construir aquela casa, com uma torre de 23 metros a servir de lavandaria, Leonard estava a tentar chegar a deus (Leonard era crente), aproximar-se dele para lhe pedir um pequeno milagre...salvar o grande amor da sua vida.

Deus não lhe concedeu esse milagre, Mary acaba por morrer (não é spoiler, ficamos a saber disso logo no início) mas durante os 20 anos seguintes Leonard continuou a construir aquela Sagrada Família versão hardware store. Que milagre procuraria ele na altura? Essa resposta nunca nos surge, já referi que realizador e personagens nunca se conheceram, mas creio muito honestamente que o milagre que Leonard procurava era manter Mary com ele...pode não a ter curado mas a casa manteve a sua memória viva.

Fomos informados no início da sessão que devido a problemas económicos Leonard acabou por ter de vender a casa e o seu novo dono demoliu-a por ser tão diferente das restantes casas do bairro. Penso que as pessoas que destruiriam tal casa não poderão gostar deste filme (e acreditem que houve muita gente a sair a meio) mas eu gosto de pensar que a manteria assim, estranha e mágica, e eu - tal como as restantes pessoas que a manteriam como estava adorei esta que é uma obra prima do stop motion e, no geral, uma obra prima do cinema. Mesmo, para mim o cinema é isto!

Volta a passar dia 13 às 18h45. Se só puderem ver um filme deste festival este é uma excelente aposta. Mais, só existem 5 cópias deste filme a circular pelo mundo, por isso é mesmo uma oportunidade única.


Viagem a Portugal:


A coisa começou bem: antes do início da sessão actrizes do filme estavam a entregar panfletos com o título "Enquadramento Político". "Boa", pensei eu, "isto é capaz de ser interessante".

Viagem a Portugal conta uma história sobre uma realidade que conheço relativamente bem, a da imigração em Portugal. Os que me conhecem pessoalmente sabem que não sou imigrante, nasci na mítica freguesia de São Sebastião da Pedreira..a razão pela qual conheço esta realidade é de natureza profissional: durante cerca de um ano coordenei um gabinete de apoio jurídico a imigrantes e sei o que custa lidar com o SEF.

Tanya, a mulher ucraniana que inspirou esta história, também o soube. Chegou a Faro (legalmente) no dia 31 de Dezembro de 1997 para visitar o marido, um senegalês que estudou Medicina com ela em Donetsk mas que por cá trabalhou nas obras da Expo '98. Nessa altura Tanya não passou das portas do aeroporto, mas entretanto voltou e contou a sua história, história essa que segundo o realizador - Sérgio Treffaut, que ganhou o prémio de melhor filme português no primeiro Indie com Lisboetas - é "água de rosas quando comparada com outras histórias semelhantes".

A adaptação dessa história feita em Viagem a Portugal é bastante fraca, devo dizê-lo.

A Maria de Medeiros é convincente como ucraniana, mas é basicamente isso...o filme está pejado de frases escolhidas para provocar um sorriso auto-comiserante ("Nós em Portugal não somos corruptos como no teu país", diz a inspectora do SEF a dada altura), personagens secundários escolhidos a dedo para preencher o espaço do cliché (travesti brasileira? check!) e sobretudo tem um look muito muito errado. Um tema como este nunca pediria um preto e branco tão clean, por muito que o contraste entre uma ucraniana e um senegalês fique bem na tela.

O tema da imigração é fértil e merece ser explorado, mas nunca desta forma e com esta leveza de estilo. Os brasileiros, ucranianos, bengalis ou apátridas que tentam todos os dias cruzas as nossas fronteiras mereciam bastante melhor.


This Movie Is Broken:



Com um look algures entre o Nick and Norah's Infinite Playlist e o melhor anúncio da Super Bock This Movie Is Broken é um filme que tenho muita dificuldade em analisar.

Não que seja mau, é muito bom(!), a questão é que não é propriamente um filme. This Movie Is Broken é uma gravação de um concerto que os Broken Social Scene deram em Toronto a 11 de Julho de 2009 mas é um pouco mais que isso. No meio das imagens do concerto propriamente dito temos uma história de 3 amigos - Bruno, Caroline e Blake - que assistem a ele.

Uns 80% do filme são imagens da banda a tocar e isso provoca um efeito curioso e raro numa sala de cinema: à minha frente tinha bastante gente a abanar a cabeça como se estivessem mesmo a assistir àquilo. Os restantes 20% são secundários em relação ao concerto mas passam uma mensagem bonita: a música serve para nos apaixonarmos (não necessariamente em termos amorosos, também pelos nossos amigos) e para nos deixarmos entregar aos bons momentos da vida.

Foi uma excelente maneira de acabar a maratona do dia e se gostarem da banda (ou do estilo de música) ainda o podem apanhar dia 14 às 19h15 no São Jorge. Se não gostarem não vale a pena irem ver.

Amanhã já sei qual vai ser a minha banda sonora.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Swans

Olá olá, amiguinhos.

Pois é, hoje venho dar-vos notícia da primeira grande internacionalização deste blog. É verdade! Pela primeira vez estive presente na Berlinale – Festival Internacional de Cinema de Berlim, aquele que está no terceiro lugar da minha lista de festivais de cinema mais importantes do mundo. Ficam a faltar-me Sundance e Cannes.



Infelizmente não posso estar em Berlim a duração do festival todo e mesmo neste fim de semana que lá estive só consegui ver um filme (aquilo esgota mais depressa que garrafas de água no deserto). Ainda assim, tenho o orgulho de vos apresentar a primeira SMR que é ao mesmo tempo provavelmente a primeira crítica publicada sobre o filme analisado. Ou então não é, mas se não for é só mesmo porque sou preguiçoso e tendo visto a ante-estreia mundial no Sábado só hoje é que o estou a analisar.


Leitores, apresento-vos o filme.


Swans:



Uma co-produção luso-germânica não podia ser mais apropriada para a ocasião e foi por isso mesmo que a fui ver. Este é a segundo longa-metragem do realizador português Hugo Vieira da Silva (realizador de Body Rice, que tenho na minha pilha de DVD ainda por ver) e tem muito mais de alemão que de português.

A história é uma de (des)encontros: Manuel e o seu pai, residentes em Portugal, chegam-se a Berlim para visitar a mãe do jovem, que se encontra em coma em consequência de uma quimioterapia altamente agressiva. Manuel nunca tinha antes conhecido a sua mãe e, por isso mesmo, mantém-se distante de toda aquela situação. Mantém-se também distante do pai, com quem – presume-se – tem mais contacto, mas com quem não tem propriamente mais afectividade.

O quotidiano berlinense de ambos passa pelo hospital e por se encontrarem a si mesmos. O coma da mãe serve de catalisador para que ambos se apercebam do seu lugar naquela família.

A Berlim que se vê no filme é tão ou mais distante do que Manuel; vi o filme com berlinenses que me disseram que tirando o aeroporto da cena inicial não reconheceram nada da sua cidade. O filme é propositadamente assim, julgo eu, mantendo-se tão afastado do seu público como afastados estão os seus personagens.

E é aqui que devo fazer uma ressalva: por uma razão qualquer que ainda não consegui racionalizar, gostei deste filme. Gostei dos silêncios prolongados e percebi a intenção do realizador ao forçar um ambiente frio, distante e desconfortável...se é assim que os personagens se sentem é assim que nós enquanto espectadores nos devemos sentir.

Mas por outro lado é com isto mesmo que não consigo concordar. Quis colocar esta questão durante o Q&A que se seguiu à projecção mas achei que não devia estar a ser tão “chatinho” em público, mas fica a pergunta para o Hugo, caso me venha a ler daqui a uns tempos (e para quem me quiser responder, claro, quero lançar o debate): o filme foi feito para o realizador ou para o público? É que este é um fenómeno recorrente no cinema português e confesso que me chateia um pouco. Não sou defensor de filmes popularuchos só porque sim, há espaço para tudo...mas o cinema português parece teimar em não ser acessível. Não estará na altura de mudar esse paradigma? Alterar as metodologias na “escola do cinema português”? Penso que as muitas pessoas que saíram da sala a meio da sessão concordariam comigo.

Eu, que não sendo de todo perito (sou só um gajo que diz para aqui uns disparates) já tenho alguma experiência em ver e analisar filmes, consegui responder às minhas próprias perguntas iniciais: porque é que isto é português? Será que se em vez de ser o Ministério da Cultura e o ICA a financiar isto as origens dos personagens seriam de outro país, provavelmente o país financiador? É que é complicado perceber, por exemplo, que não haja um único actor nacional a fazer quanto mais não fosse de Manuel: o jovem que vive em Portugal desde os 3 anos e que não deveria - como faz - falar única e exclusivamente em Alemão super fluente com o pai, também residente em Portugal desde essa altura.

Apercebi-me da resposta a essas perguntas ao pensar: este é um filme português em que o único interveniente nacional é o realizador (e talvez algum guionista ou director de fotografia, não sei, confesso que não prestei muita atenção aos créditos finais) mas que é – por isso mesmo – um resultado puro e duro da escola portuguesa de cinema: um filme desesperantemente lento em que tinha necessariamente de haver uma cena ofensiva...neste caso (e lá vem o aviso de spoiler para aqueles mais sensíveis) o nosso Manelito que decide apalpar as mamas e fazer outras coisas ainda mais erradas, à falta de melhor expressão, à sua mãe comatosa.

Repito, para que não julguem que se enganaram a ler: eu apesar de tudo gostei do filme. Mas acho que é altura de se dar um salto em frente e mostrar que o cinema português pode ser acessível ao mundo. São obras como esta e atitudes censuráveis como a do realizador, que se recusou a dar algum tipo de resposta a um espectador que lhe perguntou se a sensação de incompleitude que o filme provoca era propositada, que fazem com que os nossos realizadores, com a notável excepção do Manoel de Oliveira - actualmente mais reconhecido pela sua idade que pela sua qualidade enquanto realizador – continuem a não sair de um nicho que ou muito me engano ou é composto maioritariamente por eles mesmos.

A arte deve ser vista como uma interpretação da realidade e uma coisa vos garanto: Portugal e os portugueses não têm nada a ver com o que se vê na maioria do nosso cinema, somos mais espontâneos, sorridentes e afectivos. Custará assim tanto mostrar como realmente somos? O Portugal cinemático não é uma interpretação da realidade, é uma abstracção

domingo, 23 de janeiro de 2011

Douro, Faina Fluvial + Aniki Bóbó

Olarelas! Aqui está uma dose dupla justificada pelo facto de também ter visto os dois filmes de seguida, tal como se fosse ao cinema e visse a curta metragem antes do feature film.

Douro, Faina Fluvial:



O ano é 1931 (há 70 anos atrás, portanto), o realizador um senhor chamado Manoel de Oliveira, o senhor é - ainda hoje - realizador de cinema. É português, tem 102 anos de idade (cento e dois!) e, para quem não sabe, é o mais velho realizador ainda no activo, com uma média de quase um filme por ano. Ainda falam do Woody Allen.

Os meus leitores portugueses sabem que hoje em dia os filmes deste senhor são associados a uma sensação de aborrecimento. Curiosamente, este que é o seu primeiro filme é cheio de movimento. Trata-se de um documentário que retrata a vida dos trabalhadores e residentes nas áreas ribeirinhas do Porto e de Vila Nova de Gaia. É uma vida de trabalho, muito dependente da pesca (algo que já acabou, a pesca de 1931 é o turismo de 2011) e que não é propriamente agitada: o que aqui é agitado é a forma como foi editado, com efeitos especiais que à altura seriam state of the art e que fazem lembrar Robert Wiene, Eisenstein ou Buñuel.

Já disse aqui que gosto de documentários porque me permitem ver o mundo através de outras perspectivas, mas neste caso gostei porque serviu de máquina de tempo. Nasci e vivo em Lisboa, mas sinto-me portuense de coração e foi com grande curiosidade que vi este filme. É, 70 anos passados, uma excelente forma de ver como era a vida na cidade onde - 13 anos depois do filme ser filmado - nasceria o meu pai.

Não fosse isso seria um filme que talvez visse numa qualquer sessão da sala de curtas da Cinemateca, assim o seu valor aumentou exponencialmente e se algum de vocês tem uma ligação semelhante a esta invicta cidade só o posso recomendar, para que vejam que a arquitectura é a mesma mas tudo o resto parece ter mudado.



Aniki Bóbó:




Aniki Bebé
Aniki Bóbó
Passarinho, tótó
Birimbau, cavaquinho
Salomão, sacristão
Tu és polícia, tu és ladrão

Esta música é o equivalente de 1942 ao actual um-dó-li-tá, usava-se para seleccionar as equipas para um jogo de polícias e ladrões e deu o nome à primeira longa-metragem de Manoel de Oliveira, 11 anos depois do filme aqui de cima.

O nome do filme deriva de uma canção infantil porque o filme é infantil. Não no sentido actual, claro...não há cá mensagens simplificadas, animais falantes, muitas cores e alegria. Aniki Bóbó é um filme com "hipocrisia e egoísmo" (para citar a descrição do DVD), um filme em que o mundo adulto e alguns dos dramas dos adultos são vistos pelo olhar de um grupo de crianças do Cais de Gaia.

A história é igual a tantas outras (se bem que na altura ainda não era tão pouco original e actualmente os protagonistas não teriam uns 10 anos): dois rapazes, Carlitos e Eduardinho, estão apaixonados por Teresinha, uma rapariga do bairro. Enquanto que Carlitos é simpático Eduardinho é o que hoje se chamaria de bully. O conflito entre os dois vai-se estendendo até ao momento em que algo de muito grave acontece e a situação só se resolve com a intervenção de um adulto.

A história é simples mas tudo o resto é notável: em 1942 Manoel de Oliveira fez um filme mais animado que os seus mais recentes trabalhos (também é normal, era 60 anos mais novo), com um excelente grupo de crianças-actores cuja interpretação está ao nível dos melhores e com uma técnica cinematográfica que - como é normal - é menos refinada que a de hoje mas que, por outro lado, permite um contacto mais próximo com os personagens.

É engraçado ver como ao contrário do cinema infantil de hoje, aqui as crianças esforçam-se por representar como adultos (não é mau nem bom, é só diferente), como os hábitos de então desapareceram totalmente para dar lugar a um mundo actual que pareceria ficção científica para estes miúdos e, acima de tudo, o que já disse acima: a arquitectura daquelas margens do Douro está praticamente na mesma, mas tudo o resto mudou.

Este filme é um marco do cinema português. Ouso até dizer que é o mais importante filme da nossa história, deveria ser visto por todos mas já que não é apenas vos posso sugerir, meus leitores, que se esforcem por vê-lo. Estamos perante história do cinema, história do cinema que ainda por cima é gira de se ver.


P.S.: Uma nota para a excelente edição do DVD. Nunca tinha visto nenhuma película restaurada pela Cinemateca Portuguesa mas posso dizer que estas estão que nem novas.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Shoot Me + The Town

Shoot Me:



Já disse aqui imensas vezes que gosto quando os cinemas passam curtas-metragens antes dos filmes, é uma prática muito saudável sobretudo porque caso contrário é praticamente impossível vermos curtas fora de festivais.

Dito isto, a exibição desta curta-metragem portuguesa antes do americano The Town percebe-se pouco. Em primeiro lugar, e neste caso por razões objectivas, porque o filme "principal" é bastante longo por si só e como tal ter mais 20 minutos acrescentados estica a sessão de cinema um bocadinho para além do desejável. A segunda razão é subjectiva, os filmes não têm nada a ver um com o outro! Bem sei que não têm de estar relacionados, mas parece-me que havia emparelhamentos mais fáceis de se fazer.

A história de Shoot Me fez-me lembrar o Belle de Jour, já que Teresa (a protagonista) é uma mulher insatisfeita com a sua relação que aproveita alguns momentos de privacidade para dar uma voltinha por fora, chamemos-lhe assim. Essa voltinha é, aliás, o único momento que gostei do filme: tudo o resto é demasiado formal (a seguir a - má - escola do cinema português) e o final bastante previsível.

Tem, porém, a vantagem de sustentar um dos meus celebrity crushes e sustentar a minha afirmação de que a Maria João Bastos é uma das mais sexy mulheres portuguesas.


The Town:



O segundo filme deste double-post, e segundo filme da sessão, é também o segundo filme realizado pelo Ben Affleck.

Não vi o primeiro, Gone Baby Gone, mas teve excelentes críticas na concorrência e um dia que o apanhe por aí terei todo o gosto em vê-lo porque, frase que nunca pensei dizer, o Ben Affleck é bom, caraças!! Sim, é melhor atrás das câmaras que à frente, como o seu Óscar já poderia indicar (sim, amigos, o Ben Affleck já ganhou um Óscar), e agora pode gabar-se de dizer que está a atingir um bom patamar a nível de realização.

Não vão à espera de ver imagens à Terrence Mallick ou uma edição à Tarantino, mas neste filme - que resumidamente é sobre assaltos a bancos - conseguimos sentir-nos no meio de um jogo do gato e do rato, precisamente a sensação que devemos ter neste tipo de histórias.

Será que quem ganha esse jogo é Doug (Ben Affleck, também bem à frente da câmara) e o seu gang - no qual se inclui o James de Jeremy Renner, a grande interpretação do filme - ou sairá o FBI vencedor? Só o descobrimos (literalmente) na cena final, mas entretanto vamos assistindo a excelentes cenas de perseguição através de uma cidade de Boston mostrada por um acérrimo fã.

Por acaso isso foi um ponto extra a favor do filme. Estive recentemente naquela cidade e foi giro re-descobrir alguns dos locais que visitei (nomeadamente o tal bairro de Charlestown, por onde passei sem ter noção da fama). De qualquer forma, mesmo que nunca tenham lá ido e odeiem quem lá foi o filme vale a pena; não é um instant classic mas é um dos melhores filmes tipicamente"de gajo" que vi nos últimos tempos. As raparigas é que se calhar não lhe acham tanta piada.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Embargo

Embargo:


"Todos nós sabemos que cada dia que nasce é o primeiro dia para uns, será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais"
(José Saramago)

É com esta frase de José Saramago que o filme Embargo começa, sendo que - curiosamente - nele se retrata um dia que não é o primeiro nem o último do seu protagonista, Nuno, mas que também não será - de todo - um dia mais; é, antes pelo contrário, o dia em que fica como que soldado ao seu carro e dele não se consegue separar.

Sim, leram bem: o protagonista e o seu carro tornam-se uma só entidade.

Apesar de tudo não se preocupem, não estamos perante a versão portuguesa dos Transformers (se bem que em teoria isso daria um filme genial) nem sequer do Herbie. Embargo é um filme baseado, ou mais precisamente livremente adaptado, de um conto da autoria do senhor da citação ali de cima.

Nesse conto, tal como aqui, o protagonista torna-se vítima da sua própria dependência automóvel já que - ao que sei, porque não li o conto original - o carro ganha vida e "absorve-o". No conto essa situação bizarra tem uma mensagem: é frequentemente interpretada como uma alegoria à crescente dependência do Homem em relação às máquinas e - já bem menos alegoricamente - um aviso à navegação quanto ao impacto que uma eventual escassez de petróleo, o alimento das máquinas, poderá ter no nosso quotidiano.

Fui ver o filme dado o autor da obra original mas, para muita surpresa minha, achei que o seu ponto mais fraco é precisamente esta premissa, já que nunca nos é dada qualquer informação sobre como é que Nuno ficou preso, como (SPOILER) se soltou (FIM DE SPOILER) ou o porquê de ter tanto medo de explicar o que se lhe passou e pedir ajuda (nas minhas notas tenho escrito, com vários pontos de exclamação, "rapaz, porque é que não vais aos bombeiros?").

Esta premissa não funciona mas quase tudo o resto está lá...o actor que faz de Nuno (Filipe Costa) interpreta-o da melhor forma possível, como um pintas que vende bifanas enquanto não vende a patente da sua grande invenção, um scanner de pés (!), e mesmo os restantes personagens, inexistentes na obra original, que só nos apresenta o carro e seu condutor, estão criados de forma a transparecer um humor absurdo mas muito acertado e (infelizmente) atípico no cinema português. (De referir o personagem do José Raposo, a fazer lembrar um misto de Luis Filipe Vieira e Manuel Damásio e que é hilariante)

O mérito vai para os argumentistas, que tiveram a feliz ideia de expandir o universo criado pelo Saramago, mas sobretudo deverá ser entregue ao realizador (António Ferreira) que depois do muito elogiado Esquece tudo o que te disse consegue provar que o sucesso da sua primeira longa não foi um golpe de sorte e, na minha modesta opinião, se mostra como uma excelente alternativa à típica divisão do cinema português entre o "intelectualóide" e o "Soraia Chaves nua".

Não o coloco na minha famosa lista de filmes portugueses de que gosto mesmo pelo que disse sobre o elemento central do argumento e por ser um bocado longo demais, mas acreditem que se tivesse uma lista de "filmes portugueses que vi, gostei, recomendo e não me importaria de ver de novo" seria lá que este interessante filme passaria o resto dos seus dias.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Queer Lisboa: programa de curtas 2


Devo começar por confessar que esta foi a primeira edição do Queer Lisboa a que fui. Dito isto e com base na pouca experiência que tenho do festival, quero dar os parabéns à organização pelo profissionalismo que a sessão a que assisti aparentou, bastante mais do que o que - confesso - estava à espera. Posso não concordar totalmente com a excessiva colagem do festival ao movimento queer mas no que toca ao que a este blog interessa - cinema, apenas e só - correu tudo bem, sem falhas aparentes da organização.

Feito este louvor, sigamos para as curtas que vi no Programa de Curtas 2, do passado Domingo.


Cavalos Selvagens:

Este filme foi a razão principal para me ter deslocado ao São Jorge em vez de ir à praia, já que é realizado por amigos de uma amiga minha (a Daniela, digam olá à Daniela...olá Daniela!) e a dita amiga me convidou para a acompanhar.

No Indie Lisboa do ano passado assisti à primeira curta desta dupla de realizadores (André Santos e Marco Leão) e - como podem ver no maior post de sempre deste blog - achei-a interessante esteticamente mas pouco mais (chama-se A nossa necessidade de consolo, by the way). Felizmente a segunda já é bastante melhor. O estilo bastante contido mantém-se - a totalidade dos 11 minutos da curta é passada em silêncio - mas na relação entre os dois personagens (interpretados pelos realizadores) há afecto e humanidade, para além da distância.

Não me parece que já estejam prontos para se lançar no mundo das longas-metragens comerciais (nem sei se é essa a intenção), mas no circuito de festivais, e tendo em conta que são bastante jovens, auguro-lhes um futuro de sucesso. Parabéns!


Haboged:

(já se sabe qual é o problema das curtas em festivais de cinema...posters nem vê-los)

Nas notas que tirei durante este filme apenas tenho escrito: "bleh, não tem interesse nenhum". Agora desenvolverei um pouco mais: bleh, não me suscitou interesse nenhum.


Steam:

Apesar de ser uma curta metragem de apenas 16 minutos, este filme tem duas partes bem distintas: na primeira estamos perante um filme de dança, na segunda perante um episódio do Alfred Hitchcock Presents.

Estranhamente, neste caso optaria antes pelo vídeo de dança. Nessa parte assistimos a um engate numa sauna em que muito pouco é dito mas muito é transmitido através dos movimentos dos actores e da (apropriadíssima) banda sonora. Já na segunda parte vemos o período pós-engate, em que os protagonistas se apercebem que não conseguem sair de lá. Aqui, a boa impressão com que fiquei dos dois actores esbateu-se um pouco, tendo mostrado que funcionam melhor sem falas do que com elas, mas mantive o interesse no realizador, que demonstrou bastante qualidade ao atingir o seu objectivo de "realizar uma espécie de peça de teatro num cenário muito reduzido".


Toiletzone:

(ver o que disse no Haboged)

Dos cinco filmes que vi este foi o de que mais gostei e é, de longe, o que apresenta mais condições para ser apreciado por um público mais generalista, é que - tendo a temática queer como um assunto meramente acessório - o filme aborda antes uma temática bem actual: os layoffs e a extinção de postos de trabalho.

Eu explico: ao longo da meia hora de filme acompanhamos a história de três funcionários da casa de banho de um qualquer centro comercial francês. Juntamente com eles somos forçados a viver um dilema: ou afastam os "répteis" da casa de banho ou fecham a casa de banho e vão para a rua, sendo que répteis é o nome dado por um dos funcionários aos homens que - e aqui está a ligação ao mundo queer - usam os cubículos do WC para encontros pecaminosos com outros homens. Sim, disse pecaminosos, faz-me lembrar o saudoso Diácono Remédios.

Conseguem fazê-lo mas, ironia da economia actual, como as casas de banho em França se pagam a facturação desce com a partida dos "répteis" e ... fecham a casa de banho e lá vão os funcionários para a rua.

Tratando com muito humor duas realidades que são por vezes trágicas, o realizador Didier Blasco mostrou aqui que é possível fazer uma excelente comédia de casa de banho sem uma referência escatológica. Algo muito difícil num mundo pós-American Pie.

Acabou por ganhar o prémio de melhor curta do festival. Não estranho nada, é bastante bom.


Los fuegos:
(ver o que disse no Toiletzone)


Este filme tem duas coisas em comum com o Haboged:
1- tem um homem nu a (tentar) matar outro homem nu depois de uma cena de sexo;
2- é uma valente bosta.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A Crédito

A Crédito:



Inserido na campanha Micro-filmes para Macro-causas, este A Crédito é um filme a que cheguei apenas e só por causa da actriz principal, Sara Abreu.

Já há uns anos que acompanho a carreira desta actriz, desde as suas origens no teatro (imperdível a sua interpretação, secundária mas scene stealer numa produção da famosa Antígona, de Sófocles), e desde sempre a achei um talento a revelar ao mundo.

Este que é o seu primeiro trabalho em vídeo (ou pelo menos o primeiro que vejo) revela-se, devo admitir, uma ligeira desilusão. Não que o seu trabalho seja em algum momento inferior - sublime a forma como, sem usar uma única palavra, consegue espelhar a montanha-russa emocional daquele personagem! quanta elegância ao montar a bicicleta! - mas o estilo de realização não me agrada por aí além. Se é verdade que na segunda metade do filme a coisa começa a pegar muito melhor, durante o minuto inicial (sim, o filme não chega a 3 minutos...bem menos que o tempo que me demorou a preparar esta crítica) achei que os efeitos visuais interferiam demasiado com o fluir da história.

Mas realmente, é a história o que mais interessa aqui. A Crédito, mostra-nos muito resumidamente uma realidade que foi explorada documentalmente no também português Muitos dias tem o mês, o sobreendividamento de muitos portugueses, e as consequências que isso tem no atirar as suas vítimas para uma espiral de pobreza. Felizmente, enquanto que em Muitos dias tem o mês se lida com as consequências, aqui não há tanta miséria humana, apela-se a que se contenham as causas.

É um filme próprio para o seu contexto: cinema amador e de causas. E se é verdade que não me maravilhou, também não é mentira que dos restantes filmes (e que eu vi) que estão a concurso apenas um me agradou mais.




P.S.: A actriz, Sara Abreu, é uma grande amiga minha e esta é mais subjectiva das minhas subjective movie reviews. Se forem meus amigos também, e porque amigo do meu amigo meu amigo é, toca de ver o filme e votar no final.
P.P.S.: Para quem ainda está em busca da solução para o enigma matemático da SMR anterior, deixo-vos aqui a solução: uma das filhas tem 9 anos e as outras duas são gémeas de 2. Porquê? Vejam a explicação aqui.

domingo, 2 de maio de 2010

Indie Lisboa dia 11: Go Get Some Rosemary + Guerra Civil

Go Get Some Rosemary:

E aqui está, foi este o filme vencedor do grande prémio do Indie! E como não o tinha visto, resolvi aproveitar o último dia para o fazer.

Go Get Some Rosemary é uma espécie de Kramer vs. Kramer dos dias modernos. Nele conhecemos de perto a relação do nova-iorquino Lenny com os seus filhos, Sage e Frey, durante duas semanas. É uma relação muito esporádica, já que os termos da custódia das crianças ditam que Lenny pode passar duas semanas por ano com os filhos, estando estes o resto do tempo com a mãe.

Dadas estas circunstâncias muito específicas, Lenny faz um grande esforço para lhes proporcionar 15 dias divertidos e que de certa forma os deixem com uma imagem positiva do pai. Ao mesmo tempo, Lenny tem a sua vida profissional e pessoal on hold, já que o resto da sua vida não está habituada a ter concorrência dos filhos.

É esse malabarismo de tempo que faz a história avançar. Se por vezes os miúdos estão felizes a passar o tempo com o pai, noutros momentos as restantes obrigações de Lenny chamam por ele e a coisa começa a azedar. É aqui que se vê que não estamos perante um pai a tempo inteiro, Lenny é demasiado imaturo para conseguir lidar com as necessidades que aquelas crianças lhe trazem e não são uma nem duas vezes que as coisas correm mal. Mas a interpretação de Ronald Bronstein faz dele um lovable loser (seria mais correcto dizer lovable fuck-up, na verdade) a quem perdoamos as muitas vezes em que faz asneira, e acreditem em mim que às vezes as asneiras são graves, porque sabemos que tudo o que faz é por amor aos filhos.

Quanto ao mérito do prémio continuo na minha, dos filmes que estavam em competição, o Castro foi aquele que me pareceu mais merecedor do galardão, mas não tendo ganho devo dizer que me parece que o prémio também ficou bem entregue nas estantes dos realizadores, Ben e Joshua Safdie, dois velhos conhecidos do festival. É um filme muito afectivo e que coloca várias questões, a mais importante delas sendo "Será que eu faria melhor?" (Lá está, filmes que não acabam quando terminam)


Guerra Civil:

(não é o poster do filme; não o encontrei on-line, o que é uma pena, porque é bem giro)

Para terminar a minha maratona Indie Lisboa escolhi o Guerra Civil, filme vencedor do prémio de melhor longa portuguesa.

Digo escolhi porque - apesar de não fazer parte do Jurí do festival (isso é coisa para daqui a uns anos) e de não ter visto o filme antes da atribuição do prémio - fui eu que escolhi que este seria o último que ia ver...ainda tinha pensado ir ver o Pelas Sombras, que venceu o prémio do público, mas como me pareceu bastante chato (alguém viu? querem fazer-me arrepender?) resolvi antes ir ver a bola e despedir-me do festival mais cedo.

Decidir fazer isso porque Guerra Civil foi um final em grande. Tenho até de dizer ao Pedro Caldas (realizador) "Bem vindo ao clube dos filmes portugueses de que gostei realmente". São agora 4!

Guerra Civil não é - felizmente? - um filme histórico sobre as guerras que opuseram Pedristas e Miguelistas em meados do século XIX. Quem está em guerra neste filme é uma família, isto se a minha interpretação é a correcta. (E gosto de pensar que é) Guerra porque os pais de Rui (Francisco Bellard, com boa interpretação), o protagonista, estão juntos mas não estão bem...nem entre eles nem com o filho, que desconhecem quase por completo.

A história deste filme está ligada à de Rui, jovem que me fez lembrar uma versão um pouco mais extrema de mim próprio, que tenho traços de personalidade parecidos e sou tão tapadinho quanto ele no que toca a raparigas. E gosto de Joy Division.

Anyway, a história é a dele e o tempo é o Verão de 1982. É nestas férias, numa praia nunca identificada, que Rui conhece (ou pelo menos passa a dar-se mais) com Joana, uma vizinha sazonal que é basicamente o oposto dele. Está sempre bem disposta, dança ao som de música para dançar (por oposição às "deprimências" que Rui ouve), vai à praia e gosta de se apaixonar. Apaixona-se por Rui e tira-o do seu mundo, com consequências imprevistas.

Já elogiei a actuação do jovem que faz de Rui, mas para mim a estrela do filme é mesmo Maria Leite, que faz de Joana. Infelizmente não encontrei nenhum link para um site sobre ela, mas de certeza que se mantiver este nível um dia há de ter todo o reconhecimento que merece. A sua interpretação é - para estrear uma palavra aqui no blog - amorosa e é assim que tem de ser, a sua Joana é uma Joana real. É uma Joana adolescente, de férias, com vontade de descobrir tudo o que o mundo tem para lhe oferecer.

É esta naturalidade o que mais sobressai no filme. Mesmo comparando com os outros filmes portugueses de que gosto mesmo, só aqui vi um Portugal com portugueses normais...aqui não se cai no cliché da bimbalhada, nem no erro de nos representar como um povo altamente intelectual. As pessoas que povoam Guerra Civil falam como os portugueses falam, comportam-se como um português normal se comportaria e têm as mesmas actividades balneares que os portugueses normais (ok, tirando o volley sem ball, mas essa cena tem uma beleza tal que vale por si própria).

Também me parece que os portugueses normais gostariam deste filme. Se eu fosse o realizador seria essa a minha maior alegria, saber que com a minha primeira longa-metragem tinha trazido um novo vento de esperança para o futuro do cinema português.

(Uma outra coisa que sobressai no filme é a excelente banda sonora com bandas da altura. Queria falar dela, mas não sabia onde por isso fica aqui.)