segunda-feira, 21 de maio de 2012

É na Terra, não é na Lua

É na Terra, não é na Lua:


Ilha do Corvo, Arquipélago dos Açores, Portugal. Uma única vila, fundada há 490 anos. População actual: 430 habitantes. O verdadeiro ponto mais Ocidental da Europa, quase tão longe de Lisboa como Berlim. O Município mais masculino do país, com 126 homens para cada 100 mulheres.

É esta a base de trabalho para o mais recente documentário de Gonçalo Tocha, que tem vindo a receber prémios e mais prémios desde que se estreou (como filme vencedor) no DocLisboa 2011. É um filme longo e lento, mas por isso funciona tão bem...adapta-se ao ritmo da ilha que se propôs a documentar e, como bom documentário, não impõe o seu ritmo àqueles que filma.

Sim, porque este filme é muito mais sobre os corvinos (gentílico dos habitantes deste paraíso perdido) que sobre a ilha que os acolhe. Ao longo das suas três horas é-nos dada a conhecer a estrutura da Vila do Corvo, o caldeirão que tão bem define a natureza vulcanica da ilha ou algumas das suas enseadas, mas não haja dúvidas que as verdadeiras estrelas são a Sra. Inês Inêz e os restantes habitantes da ilha.

As suas profissões, o seu artesanato, as suas lendas, o seu passado e as suas esperanças para o futuro são alguns dos temas que o realizador resolveu documentar. A tradição da Nossa Sra. dos Milagres passar 24h em casa de cada um dos habitantes, o facto das eleições terem 1/3 da população como candidatos elegíveis ou a história do veleiro que ali chegou sem ninguém ao comando são pedaços de história que merecem ser preservados e, felizmente, assim o foram através da câmara de Gonçalo Tocha.

Invejo-o por ter tido essa ideia, eu que há anos que nutro uma paixão pouco saudável por ilhas remotas nunca tinha colocado a hipótese de explorar o mais remoto que há no meu país. É na Terra, não é na Lua fez-me despertar o interesse por essa ilha e não foram poucas as vezes que referi "tenho de lá ir antes de morrer" enquanto via o filme.

"OK, mas eu não tenho propriamente interesse em ilhas remotas do Atlântico Norte, será que este filme é para mim?" perguntarão vocês. Sim, é a minha resposta...partindo do pressuposto que se lêem este blog é porque têm alguns interesses em comum com este vosso escriba, acredito que por muito pouco interesse que tenham em pequenos pedaços de terra no meio do imenso mar terão curiosidade em conhecer um pequeno ponto de Portugal - do mundo - que não conhecerão melhor a menos que visitem a ilha em primeira mão.

Este trabalho de Gonçalo Tocha tem - acima de tudo o resto - esse grande mérito. Mais que um trabalho artístico É na Terra, não é na Lua é um testemunho sociológico de uma ilha cuja memória escrita é praticamente inexistente. Não acharia muito estranho que daqui a umas gerações o Corvo seja uma ilha desabitada (já teve 900 habitantes - mas, em abono da verdade, também já teve 300) e este filme será provavelmente o testemunho definitivo dos homens e mulheres que no século XXI, falando a mesma língua, cantando o mesmo hino e sofrendo o mesmo que eu pela selecção nacional, têm uma vida incrivelmente diferente da minha. E é tão bom agora conhecê-la melhor!

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