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segunda-feira, 21 de maio de 2012

É na Terra, não é na Lua

É na Terra, não é na Lua:


Ilha do Corvo, Arquipélago dos Açores, Portugal. Uma única vila, fundada há 490 anos. População actual: 430 habitantes. O verdadeiro ponto mais Ocidental da Europa, quase tão longe de Lisboa como Berlim. O Município mais masculino do país, com 126 homens para cada 100 mulheres.

É esta a base de trabalho para o mais recente documentário de Gonçalo Tocha, que tem vindo a receber prémios e mais prémios desde que se estreou (como filme vencedor) no DocLisboa 2011. É um filme longo e lento, mas por isso funciona tão bem...adapta-se ao ritmo da ilha que se propôs a documentar e, como bom documentário, não impõe o seu ritmo àqueles que filma.

Sim, porque este filme é muito mais sobre os corvinos (gentílico dos habitantes deste paraíso perdido) que sobre a ilha que os acolhe. Ao longo das suas três horas é-nos dada a conhecer a estrutura da Vila do Corvo, o caldeirão que tão bem define a natureza vulcanica da ilha ou algumas das suas enseadas, mas não haja dúvidas que as verdadeiras estrelas são a Sra. Inês Inêz e os restantes habitantes da ilha.

As suas profissões, o seu artesanato, as suas lendas, o seu passado e as suas esperanças para o futuro são alguns dos temas que o realizador resolveu documentar. A tradição da Nossa Sra. dos Milagres passar 24h em casa de cada um dos habitantes, o facto das eleições terem 1/3 da população como candidatos elegíveis ou a história do veleiro que ali chegou sem ninguém ao comando são pedaços de história que merecem ser preservados e, felizmente, assim o foram através da câmara de Gonçalo Tocha.

Invejo-o por ter tido essa ideia, eu que há anos que nutro uma paixão pouco saudável por ilhas remotas nunca tinha colocado a hipótese de explorar o mais remoto que há no meu país. É na Terra, não é na Lua fez-me despertar o interesse por essa ilha e não foram poucas as vezes que referi "tenho de lá ir antes de morrer" enquanto via o filme.

"OK, mas eu não tenho propriamente interesse em ilhas remotas do Atlântico Norte, será que este filme é para mim?" perguntarão vocês. Sim, é a minha resposta...partindo do pressuposto que se lêem este blog é porque têm alguns interesses em comum com este vosso escriba, acredito que por muito pouco interesse que tenham em pequenos pedaços de terra no meio do imenso mar terão curiosidade em conhecer um pequeno ponto de Portugal - do mundo - que não conhecerão melhor a menos que visitem a ilha em primeira mão.

Este trabalho de Gonçalo Tocha tem - acima de tudo o resto - esse grande mérito. Mais que um trabalho artístico É na Terra, não é na Lua é um testemunho sociológico de uma ilha cuja memória escrita é praticamente inexistente. Não acharia muito estranho que daqui a umas gerações o Corvo seja uma ilha desabitada (já teve 900 habitantes - mas, em abono da verdade, também já teve 300) e este filme será provavelmente o testemunho definitivo dos homens e mulheres que no século XXI, falando a mesma língua, cantando o mesmo hino e sofrendo o mesmo que eu pela selecção nacional, têm uma vida incrivelmente diferente da minha. E é tão bom agora conhecê-la melhor!

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Soirrée Arrested Cinema

Ora bem, este vai ser um texto difícil de escrever. 
As soirrées Arrested Cinema são um espaço do festival Cinéma du Réel dedicado aqueles documentaristas que vivem em zonas do globo em que o seu trabalho não só não é respeitado, como não é aceite. A temática da sessão deste ano foi o conflito que ainda hoje decorre na Síria e - apesar do programa falar de quatro curtas-metragens - foram passadas duas curtas e uma longa. Os nomes dos realizadores não foram revelados, por medo de represálias, tal como não o foi o título da longa (ou pelo menos eu não o apanhei). Apesar de tudo, vou tentar falar do que vi.


Hama 82 e Taarik Al Kawafel:

-não há posters nem imagens disponíveis-

Estas duas curtas-metragens têm o mesmo estilo de filmagem e edição, aparentando ser do mesmo realizador. Ambas pegam em incidentes do passado (nomeadamente o Massacre de Hama, em 1982, que eu desconhecia totalmente) e estabelecem paralelos com o que se está a passar actualmente através de imagens de arquivo e entrevistas.

Num tipo de filmes como este a análise à sua forma é o menos importante. O que me impressionou nestas curtas foi a concretização do velho adágio que diz que quem esquece a história está condenado a repeti-la: o massacre de Hama foi ordenado pelo Hassad pai, o mundo esqueceu-o e agora o Hassad filho está a tratar de fazer algo semelhante em Homs. Os sírios começaram por manifestar-se pacificamente (vêem-se imensas crianças!) contra o regime que os oprime, como o fizeram muitos tunisinos ou egípcios. A diferença é que não contam com o apoio do resto do mundo (graças à Russia e à China) e continuam a sofrer os brutais ataques do exército que supostamente existe para os proteger.


Longa-metragem sem título, de Oussama Mouhammed:

O que era para ser um projecto a quatro mãos financiado pela academia dinamarquesa de cinema sobre o feminismo na Síria acabou por se tornar um documento de um só cineasta sobre a repressão iniciada em 2011 pelo regime de Bashar Al Hassad. Pena é que pouco ou nada seja dito sobre a mesma nesta longa que, infelizmente, tomou o lugar a duas outras curtas nesta sessão.

O realizador Oussam Mouhammed chegou a Paris há muitos poucos dias, fugido da violência da Síria e só esse facto garantiu-lhe muita simpatia da plateia antes do seu filme começar. Infelizmente, a obra que apresentou - que, confessamente, é ainda um work in progress - é muito fraca e quase um insulto aos restantes realizadores que se debruçaram, decerto melhor, sobre o tema em questão e se viram excluídos da sessão. Desta longa pude retirar que o realizador e os seus amigos gostam muito de si próprios, se acham muito importantes e artísticos, não sabendo quando parar de filmar ou - pelo menos - editar o filme.

O que poderia ter sido um testemunho interessante de como o tema de um filme pode mudar totalmente devido a factores externos acaba por ser um triste espetáculo ao qual daria o título de "Como olhar para o meu próprio umbigo enquanto o meu país está a ser desfeito pelo seu líder". Uma oportunidade tristemente perdida, que levou muita gente a abandonar a sala em vez de debater um tema tão importante como este.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Autrement, la Molussie

Autrement, la Molussie:


Apesar de ter ganho o mais importante prémio do festival, não considero esta obra do francês Nicolas Rey um verdadeiro documentário. Para mim esse género de filmes precisa de passar uma mensagem sobre algo do mundo real e este não é o caso neste filme.

Partindo do livro "Die molussische Katakombe", do escritor-filósofo alemão Günther Anders, em que dois prisioneiros partilham histórias sobre a Molussia, fictício país dominado por um ditador fascista - tal como a Alemanha natal do autor na altura em que o escreveu, os anos 30 -, Nicolas Rey filmou 9 capítulos em 9 bobines diferentes, as quais conjuga de forma aleatória em cada uma das sessões.

Tal ideia pode ser vista como um mero gimmick - até eu o acho um bocadinho, confesso - mas acredito que até acaba por trazer algumas diferenças interessantes a cada visualização. As 9 bobines - todas elas autónomas, analógicas e filmadas em câmaras sui generis - permitem uma observação avulsa que no final apresenta uma ligação narrativa desconexa mas com a proximidade de fazer parte da mesma obra completa.

As imagens de Autrement, la Molussie são quase sem excepção de uma beleza etérea profunda e o conteúdo das narrações que as acompanham é muito interessante (deu-me pena saber que o livro não está traduzido para nenhuma das línguas que entendo) mas realmente não posso as posso considerar um verdadeiro documentário e, como tal tenho de vos deixar o aviso de "conteúdo por vezes demasiado artístico".

Enquanto discussão filosófica do fascismo Autrement, la Molussie atinge o objectivo (tal como - presumo - o livro que lhe serviu de inspiração), enquanto conjunto de imagens bonitas de se observar também, e muito, mas Autrement, la Molussie pertence muito mais a um museu que a uma sala de cinema.


(talvez por isso a sessão a que assisti tenha sido na sala de cinema de um museu?)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Licuri Surf

Licuri Surf:



Ora aqui está uma coisa que nunca me tinha acontecido. Enquanto via esta curta, vencedora de uma menção honrosa da Berlinale, fiquei com a ideia (mas não a convicção) de que se tratava de um documentário mas ao ler o seu resumo nada indica que tal o seja. Em que ficamos?

Vou avançar para a teoria do documentário, e dentro dos documentários um surf-film bastante fora do comum. Licuri é o nome do nosso narrador, um membro da tribo Pataxó, nativa do estado brasileiro da Bahia. O que torna a sua história interessante é a grande paixão da sua vida, o surf.

Normalmente associamos a prática do surf com caucasianos de classe média-alta/alta, com equipamento caríssimo e muitos autocolantes publicitários. Ainda mais, os surf-films costumam ser baseados em surfistas profissionais cuja vida é viajar pelo mundo à procura da onda perfeita. Aqui a realidade é totalmente diferente e foi isso que me fez gostar tanto de a conhecer.

Licuri não é o único pataxó a surfar as ondas da Bahia. Ele e alguns membros da sua tribo vivem junto à costa e desde crianças que têm as ondas como principal companheiro de brincadeiras. Não precisam de pranchas caras - um pedaço de madeira ou de esferovite basta para aprender e mais tarde usam as pranchas feitas localmente - nem de equipamento dispendioso, bastam uns calções e estão prontos para a acção. Creio que nem sequer vi leashes, mas não posso garantir.

Para além de nos apresentar a cena surf local, Licuri Surf mostra-nos também uma surf-trip deste grupo tão improvável. Em vez de Bali vão até ao estado de São Paulo, onde as ondas são mais fortes que na Bahia, e em vez de aviões usam uma carrinha a cair de podre. Licuri Surf é um interessante testemunho sobre uma sub-cultura muito específica e enquanto tal são 15 minutos muito bem passados mesmo para aqueles que, como eu, não se conseguem pôr em cima de uma prancha.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Berlin Today Award 2012: White Lobster

White Lobster:


Inserido na iniciativa Berlinale Talent Campus o Berlin Today Award serviu como competição de curtas metragens entre 2005 e 2012. Os candidatos eram emparelhados com produtoras alemãs, era-lhes dado um tema e um limite de 10 minutos, e os melhores cinco eram apresentados ao público durante a Berlinale. Este o tema foi "every step you take" e esta curta obteve uma menção honrosa. 

Em White Lobster o realizador britânico David Lale leva-nos numa viagem até à comunidade de Bluefields, na Nicarágua. Situada na costa oriental do país Bluefields vive do turismo e daquilo que o mar lhes dá, até porque não há muito mais opções...Bluefields não tem sequer ligação terrestre com o resto do país.

Durante os 10 minutos da curta (que também tem uma versão mais longa, fora de competição) ouvimos três testemunhos sobre a única forma de ganhar dinheiro a sério numa zona onde a pobreza é a regra e não a excepção. A primeira das pessoas que conhecemos é um imigrante norte-americano que por lá vive e nos conta que é frequente ver-se centenas de locais sentados na praia à espera que o mar lhes traga a lagosta branca, que vale cerca de $ 4.000/kg e que pode mudar a vida a quem a encontrar.

O segundo testemunho é de um pescador. Este conta-nos que em tempos encontrou um grupo de 64 lagostas brancas, imaginou logo a sua vida melhorar consideravelmente, mas entretanto acabou preso, já que as autoridades lhe confiscaram o produto. Finalmente, o terceiro testemunho é o de um jovem ex-toxicodependente que - sentado nas ruínas da sua casa de família - nos explica o que é o famoso produto. Trata-se de cocaína que vem à costa de tempos a tempos, depois dos cartéis colombianos a terem deitado ao mar quando perseguidos pelas autoridades americanas.

É interessante conhecer estes pequenos pedaços de mundo, mas muito honestamente o filme não me aqueceu nem me arrefeceu.

Berlin Today Award 2012: ABC

ABC:


Inserido na iniciativa Berlinale Talent Campus o Berlin Today Award serviu como competição de curtas metragens entre 2005 e 2012. Os candidatos eram emparelhados com produtoras alemãs, era-lhes dado um tema e um limite de 10 minutos, e os melhores cinco eram apresentados ao público durante a Berlinale. Este o tema foi "every step you take" e esta foi uma das curtas finalistas.

ABC começa com uma citação algo improvável. Diz-nos um taxista da capital da Libéria: "Educate a woman and you educate a family, educate a girl and you educate the future". A realizadora estónia Madli Lääne deslocou-se ao país num projecto de voluntariado e por lá conheceu a história de Vele, mãe adolescente com o sonho de se tornar enfermeira. Entre ela e o realizar do sonho estão 14 anos de estudos, já que Vele faz parte dos 78% de liberianas rurais que não sabe ler nem escrever.

Depois desse primeiro contacto a realizadora voltou à Libéria de câmara na mão e encontrou Vele a partilhar as carteiras da escola com a filha, confiante de que vai conseguir atingir o seu objectivo. A curta documental que saiu desse reencontro tenta transmitir-nos as dificuldades que mulheres como ela têm de enfrentar para conseguir uma educação adequada.

Em termos de conteúdo não posso dizer que tenha ficado maravilhado com esta curta. Não traz nada de novo e não aprofunda minimamente o assunto (mesmo tendo em conta que dura apenas 10 minutos). No entanto, alguns pormenores visuais muito interessantes, como o uso de filtros de cor, deixaram-me curioso quanto ao trabalho desta realizadora.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Death Row

Antes de mais um momento fan-boy. Quem diria que eu, pequeno e amador crítico de cinema, iria alguma vez estar presente na estreia mundial do mais recente filme do meu realizador favorito? E, ainda para mais, ter a oportunidade de falar com ele após a exibição? Adoro a Berlinale!
E agora passemos à SMR propriamente dita.

Death Row:


Antes de dizer seja o que for sobre o filme quero fazer um aviso à navegação: sou um veemente opositor da pena de morte e já tive contacto profissional com alguns casos deste tipo. Por esse motivo, é normal que a minha interpretação deste filme seja especialmente afectada pela minha experiência.
Não quer isto dizer, porém, que seja a favor dos criminosos. Como o realizador, Werner Herzog, diz a um dos seus entrevistados "o facto de ser contra a pena de morte não quer dizer que tenha de simpatizar consigo". Herzog é contra a pena de morte mas este não é um filme militante, optando antes por dar voz aos condenados e não às opiniões do cineasta.

Apresentado como um conjunto de 4 episódios completamente autónomos, Death Row aborda as histórias de 4 homens e uma mulher, tendo como característica em comum o facto de estarem no corredor da morte de um dos 34 estados dos EUA que ainda têm a pena capital como uma pena possivel para certos crimes. Três dos entrevistados confessam os seus crimes, dois lutam até hoje por ver provada a sua inocência, nenhum quer morrer às mãos do Estado.

Dos quatro episódios aquele que mais me tocou foi o de Hank Skinner, o homem que podem ver na foto acima e um dos dois que continuam a clamar a sua inocência. Este homem foi condenado à morte pelo homicídio da sua namorada e dos dois filhos desta, esteve a 20 minutos da hora da sua execução e conseguiu uma extensão dos seus recursos por lhe ter sido recusada a entrega de provas que poderiam estabelecer a sua inocência e qual é a sua atitude perante a vida? Diz apenas que ou passa a vida a chorar ou a rir e já chorou demais. A sua personalidade, a sua crença na inocência e numa eventual libertação, bem como a sua vitória perante o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América lançarão, de certeza, muitos conflitos morais na mente dos espectadores pró-pena de morte.

Os restantes três episódios (James Barnes, George Rivas & Joseph Garcia e Linda Carty) apresentam histórias mais difíceis de abraçar: Barnes confessa os seus hediondos crimes, Rivas & Garcia pensam que a sua condenação é exagerada e Linda Carty clama inocência mas a sua história é mais macabra. Herzog consegue ainda assim mostrar um lado mais humano daquelas pessoas, dirigindo com mestria as perguntas (espontâneas) que foi fazendo naquelas conversas de 50 minutos que foi autorizado a ter com os cinco condenados.

Se há mérito neste filme é esse. O formato prejudica-o um pouco já que parece ser uma espécie de material-bónus para a edição em DVD do seu anterior filme sobre o tema, Into the Abyss (de 2011) mas ao colocar estas pessoas perante as câmaras, bem como aqueles que os acusam e os defendem, Herzog consegue manter-se numa linha da qual seria muito fácil resvalar. A opinião dos espectadores sobre o assunto não vai mudar depois de ver Death Row, mas todos nós ficaremos com uma melhor impressão do que passa pela cabeça de quem sabe a data em que vai morrer.

Ao longo do filme Herzog pergunta frequentemente com que sonham dos condenados e esses  sonhos passam-se, infalivelmente, fora das prisões que os detêm. Porquê?, acaba por perguntar a Joseph Garcia. A resposta é tocante de tão simples que é: sonham com o mundo lá fora porque acordados vivem um pesadelo constante, um pesadelo do qual não sairão vivos.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Nuclear Nation

Nuclear Nation:


Se filmes e jogos apocalípticos como o The Road ou a série Fallout nos tentam mostrar o mais realisticamente possível como seria a vida humana após um qualquer apocalipse nuclear, Nuclear Nation - do cineasta japonês Atsushi Funashi - conta nos a história real de um grupo de pessoas sobre as quais esse apocalipse caiu no dia 12 de Março de 2011.

As pessoas em causa são alguns dos ex-residentes da cidade de Futaba, na costa leste do Japão. Na véspera do malfadado dia 12 de Março de 2011 a sua cidade, que em condições normais estaria condenada ao esquecimento, tornou-se notícia por uma das piores razões possíveis: foi das cidades mais afectadas pelo gigantesco tsunami que nesse dia levou consigo milhares de casas e de vidas. Infelizmente para Futaba o pior ainda estava para vir.

Nesse dia 11 de Março, enquanto os sobreviventes tentavam dormir no que restava da sua cidade, não imaginariam que talvez nunca mais lá pudessem passar a noite. No dia seguinte o reactor número 1 da central atómica de Fukushima Daiichi (este nome já é mais conhecido, certo?) não resistiu ao sobreaquecimento consequência do tsunami e explodiu, lançando para o ar uma nuvem radioactiva que punha em perigo tudo e todos. Começava aqui o pior desastre nuclear desde Chernobyl.

Tendo sobrevivido ao tsunami, os Futabenses (?) remanescentes foram evacuados para diversas partes do Japão, tendo muitos deles ido parar a uma escola perto de Tóquio. Foi lá que o realizador os conheceu e é por lá que passamos a grande parte das mais de duas horas do filme.

É também nessa escola, a centenas de quilómetros de Futaba, que está instalada a Câmara Municipal da cidade e onde trabalha o seu presidente, Katsutaka Idogawa, um D. Quixote moderno e real que tem a árdua tarefa de tentar reconstruir uma cidade que simplesmente desapareceu do mapa. Idogawa é o mais próximo que este filme tem de um personagem principal e, posso dizê-lo, uma pessoa que fiquei a admirar pelas suas investidas contra os "moinhos de vento" atómicos.

No Q&A que se seguiu à exibição do filme o realizador (cujo pai sofreu outro apocalipse nuclear, já que vivia em Hiroshima no dia 6 de Agosto de 1945) admitiu duas razões para a existência deste filme: por um lado "denunciar a negligência criminosa do Governo Japonês e da TEPCO" e por outro mostrar um rosto àquela tragédia, depois dos repórteres das televisões terem ido embora.

Só posso dizer que pela minha parte o objectivo foi cumprido. Apesar de sofrer do grande problema do cinema documental asiático - a falta de narração - Nuclear Nation é um filme importante, pela mensagem que transmite, mesmo que essa mensagem seja - analisada objectivamente - bastante deprimente, basta pensar que o acidente de Chernobyl aconteceu em 1986 e Prypiat, a Futaba de então, ainda hoje é uma cidade fantasma. O governo japonês aprovou recentemente uma lei que determina que os terrenos onde Futaba se situava serão utilizados para armazenamento de lixo tóxico de outras zonas do país e não é por acaso que o liceu alberga cada vez menos refugiados (cerca de 500, dos 1400 iniciais). Futaba acabou e Idogawa já está a lutar contra um novo moinho de vento, descobrir onde fundar a sua nova cidade. 

Será uma mudança temporária, diz ele, até voltarem ao sítio de onde saíram naquele malfadado dia 12 de Março de 2011.


(A sessão a que assisti foi a estreia mundial deste filme pelo que é quase certinho que esta é a primeira crítica que lhe é feita em língua portuguesa. Cada vez gosto mais da Berlinale e vocês deviam gostar cada vez mais de mim por vos trazer estes exclusivos. Toca a passar palavra e a promover-me o blog!)

sábado, 28 de janeiro de 2012

Conan O'Brien Can't Stop

Conan O'Brien Can't Stop:


Quem conviveu comigo durante o ano passado decerto que me ouviu falar no conflito que opôs o Conan O'Brien (mítico apresentador do Late Night Show) à NBC. Resumidamente, tudo se passou à volta da sucessão no Tonight Show, talk show mais famoso dos Estados Unidos. O que se passou foi que depois de se ter reformado Jay Leno, o ex (e actual) apresentador do programa decidiu que queria voltar e a NBC, empregadora de ambos, decidiu dar-lhe o seu espaço de volta. O Conan O'Brien - que apresentava o programa há uns meses - continuaria com o título, mas o horário seria adiantado...Conan voltava a apresentar depois da meia noite.

Ora, como se achou desrespeitado pela NBC Conan decidiu demitir-se e, como tal teve de assinar um contrato que o proibia de se apresentar na televisão durante 6 meses. Foi com esta proibição legal que Conan decidiu fazer uma tour dos Estados Unidos, para conhecer os milhões de fãs da Team Coco (quase todos os jovens/artistas ficaram do lado dele) e com eles partilhar - através do humor - a sua raiva em relação a toda aquela situação. Entretanto a dada altura alguém se deve ter lembrado de pegar numa câmara e fazer um documentário sobre o assunto.

Com muita pena minha - declarado membro da Team Coco - o filme não é nada por aí além. É interessante ver como uma estrela que conhecemos da televisão se comporta fora do estúdio (parece ter uma obsessão por bater, na brincadeira, em colaboradores) mas não há muito mais para ver do que isso. O filme mostra-nos a fase de preparação do espetáculo e alguns dos highlights das 42 actuações da tour mas o realizador (Rodman Flender, mais habituado a realizar episódios de sitcoms como a Ugly Betty) não nos consegue transmitir grande emoção: há momentos tenso e há momentos divertidos mas em momento algum nos conseguimos transferir para o que se está a passar na tela.

O que se passou com o Conan O'Brien acabou por lhe ser positivo (nunca teve tantos fãs e já voltou a ter o seu próprio programa, agora simplesmente chamado de Conan, "para ninguém mo tentar roubar" disse ele) mas por todo o culto que cresceu à sua volta, Conan O'Brien Can't Stop não é uma grande adição ao cânone de Conan.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Cave of Forgotten Dreams

Cave of Forgotten Dreams:


Meninas e meninos, senhoras e senhores, a divisão de filmes do Canal História apresenta Cave of Forgotten Dreams, o primeiro filme em 3D de um dos últimos realizadores que provavelmente imaginariam a aderir à moda reacendida pelo Avatar.  Verdade seja dita que o uso do 3D é feito ao contrário do normal...
Isto porque este seu novo documentário se passa em grande parte em espaços apertadíssimos e o 3D serve apenas para nos mostrar texturas de paredes, nunca (ou quase) para espetar objectos ecrã fora. Os espaços fechados em questão pertencem à gruta de Chauvet, em França, e neste os meus leitores portugueses estarão a pensar "Grutas? Fogo, granda treta, já fui às grutas de Santo António quando era puto e aquilo até é fixe, mas não vale a pena pagar o bilhete do cinema para ir ver essa m*rda".

Acontece que as grutas de Chauvet não são umas grutas quaisquer. Não são as maiores, nem as mais bonitas, mas dentro delas encontram-se as pinturas rupestres mais antigas jamais encontradas, pinturas essas que se encontram extremamente bem cuidadas por causa de uma derrocada que tapou totalmente a sua entrada e a isolou do resto do mundo. E, lanço-vos a pergunta, quantos anos acham que as pinturas rupestres mais antigas têm? 10.000 anos? Nem pensar! Isso são as segundas mais antigas, estas têm mais do dobro...estima-se que cerca de 32.000 anos.

É verdade, há 32.000 anos atrás um dos nossos antepassados resolveu entrar naquela gruta e pintar umas coisinhas, crê-se que enquanto parte de um local de culto religioso...Jesus Cristo ainda estava longe por isso desenhou uma espécie de minotauros, bem como uma série de animais que na altura viviam por aqueles lados, animais tão estranhos para nós como os ursos das cavernas e Mastodontes mas que - provavelmente - eram tão normais como para nós são os ursos "normais" e os elefantes "normais".

Esta gruta foi descoberta apenas em 1994 quando, quase por acaso, um grupo de espeleologistas sentiu uma corrente de ar a sair da montanha. Conseguiram entrar, exploraram e quando sairam comunicaram a descoberta às autoridades, que rapidamente decidiram fechá-la permanentemente ao público. O que ali está dentro é demasiado importante para ser destruído pelo exalar de milhares de pessoas. É por isso que este documentário é importante, é provavelmente a única vez que irão ver estas imagens de uma forma tão detalhada, em grande escala e num dos melhores usos jamais dados às câmaras e aos óculos 3D.

Para além dessa utilidade didática confesso que não vos posso recomendar muito o filme (a menos que sejam fãs de espeleologia/arqueologia/(pré-)história de arte. Abstraindo-nos do tema, trata-se de um dos piores documentários deste que é um dos meus documentaristas favoritos e que faz lembrar alguns dos seus primeiros projectos: pega-se num tema relativamente limitado e explora-se durante demasiado tempo. Este é o caso, já que não seria muito difícil passa-lo para uma curta metragem, bastava para isso encurtar as entrevistas e, sobretudo, eliminar os monólogos esotéricos sobre coisas como "o que é que o urso das cavernas pensaria ao olhar para estas pinturas?".

Bastaria uma série de planos da gruta, outros das pinturas e uma ou outra entrevista (incluindo aos seus descobridores, vergonhosamente fora do filme), mas aí a coisa era capaz de se aproximar demais de um documentário a passar exclusivamente no canal História, sem óculos 3D. Era capaz de ter sido melhor opção.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Dogtown and Z-boys



Dogtown and Z-boys é o chamado companion piece de um filme de ficção de 2005 chamado Lords of Dogtown. Foi porque vi esse filme (ainda antes deste estaminé existir), gostei dele e achar piada à cultura de surf/skate californiana que este documentário entrou no meu radar e, uma data de anos depois, finalmente o apanhei e o vi.

Baseado sobretudo em filmagens da época (anos 70, feitas maioritariamente por Craig Stecyk, jornalista que mostrou o novo skate ao mundo) e realizado por um dos jovens que retrata (Stacy Peralta), este documentário conta-nos a história de como um grupo de putos resolveu adaptar os seus conhecimentos de surf ao skate e, em consequência, mudou aquele desporto para sempre.

Sim, sabiam que antes da Zephyr Competition Team (nome oficial da equipa que originou esta revolução no skate) o skate era visto como uma moda tipo o yo-yo e que as competições se dividiam em duas modalidades: corridas slalom e acrobacias tipo ginástica rítmica mas em cima de um skate? Pois era assim mesmo e foi este grupo de jovens que mudou tudo quando participou nos Del Mar Skateboarding Nationals, em 1975. Foi a partir daí que se começaram a desenvolver as manobras que hoje se fazem no skate e, pouco depois, surgiriam as paredes das piscinas como local de eleição para fazer manobras.

Quanto ao público alvo deste filme é fácil circunscrevê-lo: quem achou que o último parágrafo está cheio de informação interessante devia ver este filme e é quase certinho que vai gostar (foi o meu caso) mas quem acha que a história do skate é tão interessante como ver a tinta a secar se calhar fará melhor em optar por gastar dinheiro (ou banda larga) noutro filme, que este tem baixa nota artística (parafraseando Jorge Jesus) e nem a quase-narração do Sean Penn (que chegou a conhecer alguns daqueles miúdos na época a que o filme se refere) ou as brevíssimas e largamente injustificadas aparições do Ian McKaye e do Henry Rollins vos vão salvar da epilepsia induzida pela edição no mínimo trepidante. A estes últimos sugiro, por exemplo, ver o tal Lords of Dogtown, é mais certinho e pode ser que vos incuta o gosto pelo skate.

domingo, 27 de novembro de 2011

And Again

And Again:



Esta é a história de Playas, New Mexico. Antigo posto de repouso dos cowboys americanos, Playas cresceu e muito nos anos 70, quando foi decidido desenvolvê-la enquanto dormitório dos trabalhadores de uma mina existente nas proximidades...chegou a ter 1000 habitantes.

Entretanto os tempos mudaram, em 1999 a mina foi fechada e a cidade foi morrendo aos bocadinhos. Os resistentes tiveram de encontrar outros empregos e quatro anos depois (em 2003, portanto) a salvação chegou sob a forma de uma das coisas mais estranhas de sempre: a cidade foi comprada pela universidade New Mexico Tech que, em colaboração com o EMRTC*, por lá criou um centro de treinos para resposta a ataques terroristas. A função dos que lá vivem? Fingir que são os terroristas/vítimas e não ligar ao facto de um belo dia poderem estar a jantar e entrar uma equipa da SWAT pela casa adentro.
Sim, leram bem, os habitantes de Playas, New Mexico são pagos para, dia após dia servirem de figurantes em simulações de combate para o exército ou polícia locais. Um deles, de aparência a dar para o Médio Oriente, foi escolhido para ser o terrorista e basicamente é preso todos os dias para ser solto uns minutos depois.

"Que coisa mais bizarra, vai dar um grande documentário", pensou a realizadora. Pena é que não tenha tido engenho ou audácia para fazer melhor, se a história de fundo é interessante tudo o resto deixa muito a desejar. Em primeiro lugar nunca são ouvidos os militares/polícias que lá treinam (uma perspectiva que, pelo menos para mim, seria importante), depois as imagens usadas são permanentemente fracas (desde as filmagens dos treinos, que parecem um filme tipo Ninja das Caldas, às ridículas interpretações da história da cidade, que só ocupam tempo) e tudo isto é unido por uma montagem muito, muito, mas muito fraca.

O trabalho de um documentarista é descobrir uma história para contar e contá-la, e muitos dirão que o que interessa é o que se conta, não como é contado, mas neste caso posso dizer-vos que se tivessem tido mais cuidado com o "como" este filme teria mais exposição e a bizarra história de Playas, New Mexico seria conhecida por mais gente. Assim não vai passar de um daqueles pedaços de informação que podem vir a ser usados em conversa por aqueles (creio que poucos) que acabem por a conhecer.


*Energetic Materials Research and Testing Center

sábado, 29 de outubro de 2011

There Once Was An Island

There Once Was An Island:
 

Antes de escrever outras coisas tenho de fazer um aviso: sou apaixonado por ilhas remotas e este filme é sobre uma. A minha opinião pode ter sido influenciada por isso, até porque - não duvidem - passei o filme todo a pensar que um dia queria ir ali. Dito isto, venha a SMR propriamente dita:

Houve em tempos uma ilha, diz-nos o título deste filme. Mas na verdade essa ilha ainda existe, pelo que têm de perceber o verdadeiro sentido do título... Era uma vez uma ilha, chamada Nukutoa, situada no atol de Takuu, território da Papua Nova Guiné mas tão isolada que os seus habitantes têm a sua própria língua e praticam uma religião descrita como a última religão polinésia dos tempos pré-contacto com os exploradores ocidentais ainda intacta.


Essa ilha tem cerca de 400 habitantes e todos eles se debatem com uma questão que pode, a médio prazo, ser de vida ou de morte: a ilha tem uma altitude média baixíssima e por isso tem vindo a sofrer e muito com o aquecimento global. Muitos temem que em breve deixe de existir, por força das cada vez mais frequentes cheias provocadas pelo aumento do nível médio do mar. A tal questão de vida ou de morte é saber se devem ficar ou partir para outra ilha, para uma reserva designada para eles pelo Governo da Papua Nova Guiné.


Para os ajudar a resolver este dilema, uma ilhoa (SMR, a ensinar-vos novas palavras desde 2009)  que vive "na civilização" decide pedir ajuda a dois cientistas neozelandeses. Estes acabam por passar uma temporada na ilha a investigar as causas do problema e as possibilidades de o resolver. As conclusões a que chegam não são conclusivas (passe o pleonasmo): são dois e cada um tem uma ideia diferente, pelo que a comunidade continuou tão dividida como estava.


O realizador (Briar March) não caem no erro de nos apontar numa direcção. Mostram-nos o problema (e há imagens das cheias que são verdadeiramente angustiantes), apresentam-nos as soluções e apresentam-nos o ponto de vista de muitos daqueles para os quais a decisão é inevitável. O espectador logo decide se quer ou não ter uma opinião.


Aquelas 400 pessoas têm de escolher em breve. As cheias são cada vez maiores e mais frequentes, mas por outro lado o mudarem-se para outro lado implica acabar com o modo de vida que sempre conheceram e que os seus antepassados lhes ensinaram. Entretanto vão ficando, com o coração nas mãos, numa ilha de uma beleza incrível e que - como disse ali acima - me deu imensa vontade de visitar. É nestas alturas que penso que deveria ter seguido uma profissão ligada à natureza.



Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e no dia 26, o que quer dizer que já não o vêem nesta edição do festival. Com sorte apanham-no noutra altura.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Golden Dawn

Golden Dawn:


Que grande filme! A sério, que grande grande filme! Dura só 16 minutos mas esses 16 minutos foram suficientes para me encher de vontade de fazer o meu próprio documentário. Haverá melhor elogio que se possa dar?

Golden Dawn apresenta-nos o quotidiano de um grupo de pescadores holandeses algures no Mar do Norte, enquanto tentam ganhar a sua vida naquela que é uma das mais antigas profissões do mundo. O tema em si não difere muito de alguns programas que passam no Discovery Channel, agora que a pesca de alto mar virou moda, mas aqui - ao contrário do que costumo fazer - vou dar mais valor à forma que ao conteúdo.

É que este filme é de uma beleza imensa. Ao mesmo que é frio e maquinal (a pesca e os pescadores não são os temas mais charmosos de sempre) consegue ser, palavras do resumo do Doc, poético na forma como retrata esta actividade. Vê-se que não foi uma obra de realização complexa (diria que foi filmado com uma câmara daquelas que se podem comprar nas lojas) mas a atenção dada à composição de todas as cenas/todos os frames é tanta e a banda sonora, de Filipe Felizardo, é tão boa que conseguem transformar o despejar de duas redes de arrasto numa dança. Repito, o filme acabou e eu só pensava em que temas poderia mostrar num documentário de estilo semelhante.

Maaaaaaaaaaaaaaaas, apesar de todos os elogios que já lhe dei tenho de dar um valente puxão de orelhas à realizadora (Salomé Lamas) por ter deixado que os quadros explicativos finais (não sei que outro nome lhes dar) viessem público com tantos erros de inglês: "Mi" em vez de "My" ou "To" em vez de "Too" e, ainda pior, "No mi son" em vez de sei lá o quê são falhas imperdoáveis para alguém que submete um filme a uma competição.


Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e volta a passar no dia 29, às 18h30, no Pequeno Auditório da Culturgest.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Guañape Sur

Guañape Sur:


O dicionário Priberam da língua portuguesa define guano como sendo "adubo de substâncias orgânicas e, particularmente, do excremento das aves". Trata-se de uma substância tão importante para a economia do Perú que o próprio termo deriva da língua dos seus povos indígenas, o quechua. Hoje já não tão importante como outrora foi mas ainda é explorado comercialmente pelo governo local.

Neste documentário seguimos uma expedição comercial organizada pelo Ministério da Agricultura peruano. A cada onze anos são contratadas várias dezenas de trabalhadores que terão como missão separar o precioso guano da restante porcaria deixada por centenas de milhares de pássaros durante os dez anos anteriores. Como diz o capataz no pep talk inicial, guano não deixa de ser caca e como tal pode trazer doenças àqueles que o aspirem; usem máscaras, é o conselho, mas nem uma única se vê a ser usada durante o filme. Os trabalhadores simplesmente não as usam.

O realizador (alemão, János Richter de seu nome) decide não se focar nesse problema. Aliás, a questão das máscaras e das eventuais consequências para a saúde daqueles homens nem sequer é abordada (eu é que tenho a tendência para pensar nesses assuntos). O foco do filme é a actividade em si, não aqueles que a exercem.

"É uma escolha acertada?" perguntam-se vocês (ou pelo menos perguntei eu). Acho que sim, dados os constrangimentos de tempo a opção por abordar o passado, o presente e o futuro daqueles homens seria demasiado. Assim, deixou-se a prospeção de guano falar por si mesma, acompanhada do constante piar das aves que habitam aquele rochedo e de uma composição visual muito interessante e prometedora para alguém que tem aqui a sua primeira obra.




Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou dias 21 e 24 mas só hoje é que tive oportunidade de escrever a SMR.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

The Redemption of General Butt Naked

The Redemption of General Butt Naked:


The Redemption of General Butt Naked é um documentário que tem nome de filme porno mas que, em dados momentos, podia transformar-se em filme de terror. Fala-nos da história de Joshua Milton Blahyi, guerrilheiro liberiano que ganhou a alcunha de General Butt Naked por liderar um grupo de combatentes que enfrentavam os seus inimigos completamente nus, crentes numa protecção divina que os tornaria invencíveis.

Quando ouvi esta última parte tive de me lembrar de um outro documentário, Invisible Children: Rough Cut. Nesse filme é-nos explicado que também no Uganda o exército de Joseph Kony por vezes combate nu, crente na mesma protecção divina. Isso é, claro, o menos relevante nestes dois importantes filmes, mas não deixa de ser curiosa a ligação, por nos permitir prescrutar a mente de dois monstros que espalham o caos e a dor e mesmo assim se sentem protegidos pelas suas divindades, o diabo na Libéria, deus no Uganda.

Mas neste filme sobre o General Butt Naked o título apresenta uma outra palavra, ainda mais importante para a história que se quer contar: redenção.

Ao contrário do que se passa no Invisible Children aqui o "monstro" é filmado pelos realizadores...Joseph Kony aparece só em alguns frames mas o General Butt Naked é o protagonista do filme, estando em cena na grande maioria do tempo enquanto conta a sua história, espalha a sua nova mensagem e pede desculpa aos que magoou ou aos seus familiar. Os tempos são de redenção para Joshua Milton Blahyi.

Isto porque ao fim de uma série de anos a cometer as maiores barbaridades da guerra civil liberiana Joshua teve uma visão: Jesus apareceu-lhe, fê-lo ver o quão errado estava ao comportar-se assim e mudou-lhe a vida para sempre.

Por vezes a conversão de Joshua parece ser honesta, vê-se que ele acredita nas palavras que diz, faz o que pode para ajudar aqueles que prejudicou (embora mantenha uma série de gadgets e roupas caras num país paupérrimo) e, segundo o filme, foi um dos poucos (senão o único) dos guerrilheiros dessa altura que se apresentou publicamente perante a Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR) criada em 2005 e confessou as atrocidades cometidas. Mas, apesar disso, devo confessar que não consigo acreditar totalmente nele: quando vemos os seus sermões na igreja (Joshua é agora um "ministro" religioso) ou quando o vemos a apresentar as suas desculpas àqueles que magoou podemos testemunhar que sua agressividade continua lá por inteiro...Joshua parece ser um barril de pólvora que por agora está controlado, mas que a dada altura poderá voltar a explodir.

Se assim é ou não não sou eu que posso confirmar, deixo-o para quem convive com ele mais de perto, mas não deixa de ser interessante ver que a grande maioria daqueles a quem Joshua pede desculpa ("Sorry", diz ele, uma palavra demasiado fraca para os horrores que motivou) deseja que ele ainda venha a ser punido pelo que fez. O ter-se apresentado na CVR fez com que fosse indultado pelo que pode andar livremente na Libéria, sem vir a ser perseguido judicialmente mas ainda há muitos que querem que pague pelos males que fez. No final do filme também vocês terão o vosso veredicto.


Este é mais um documentário no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e volta a passar dia 28, às 21h45 no cinema Londres.

Koniec Lata

Koniec Lata:


Koniec Lata (O fim do Verão, em polaco) é uma curta metragem de 32 minutos que nos apresenta a realidade de uma escola militar russa. Nele ouvimos os testemunhos de jovens de 7, 11 e 16 anos e - em geral - vemos como a escola funciona.

Em Portugal existem também algumas escolas militares e apesar de conhecer algumas pessoas que lá estudaram confesso que nunca abordei com elas o assunto. É por isso que aproveito agora para perguntar a algum leitor que tenha essa experiência: é normal haver tanta desumanização dos alunos destas escolas? Em nenhum momento deste filme se testemunha qualquer cena de violência ou de antipatia dos mais velhos para com os mais novos (antes pelo contrário), mas fiquei com a impressão de que as crianças que ali entram saem mais autómatos que adultos. Talvez seja essa a ideia fundamental da instrução militar, mas quando o testemunho incomoda-me.

Tomemos como exemplo o jovem de 7 anos que apresenta o seu testemunho: é comandante da "1.ª tropa" (na escola observada os anos dividem-se por tropas) e tem como funções observar e garantir a organização, respeito e disciplina dos seus camaradas. Até aqui tudo bem, nós também temos delegados de turma (existem na escola primária? Não me lembro), mas um dos corolários dessa sua função é ter de avaliar quinzenalmente os seus colegas, em público (perante a turma e os professores) dizendo-lhes o que fizeram de mal e como deveriam corrigir. Parece-me um pouco demais para sete anos, mas - verdade seja dita - o nosso "comandante" parece gostar.

Por nos mostrar esta realidade tão distante (geografica e mentalmente) este documentário merece ser reconhecido. Está bem filmado, bem estruturado e mostra aquilo que parece querer mostrar desde o início, que as escolas militares (pelo menos as russas) podem ser uma boa solução para educar crianças num país tão grande que faz com que o exército seja a única instituição verdadeiramente nacional, mas essa educação traz como consequência o retirar da juventude aos jovens que recebe.


Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Foi hoje a última das duas sessões.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Susya

Susya:


A história deste filme é simples de contar: um homem palestiniano de 60 anos decide voltar, com o filho de 25, à terra da sua família. Anos antes havia sido expulso pelos militares israelitas e para voltar a ver o que era seu teve de pagar bilhete, pois a sua terra natal foi transformada em espaço arqueológico.

As causas e consequências do que aqui se passa são muito mais profundas: pai, filho e restante família foram expulsos da sua terra por força da política de colonatos israelita e para além do triste que é terem de pagar bilhete para ver a sua antiga casa, ainda acabam expulsos dessa sua visita turística por um grupo de soldados israelitas que os vê como uma ameaça. Trata-se de apenas mais uma pequena peça no enorme (e irresolúvel) puzzle que é a questão israelo-palestiniana.

Esta curta não é nada de especial a nível técnico (dá-nos aquela sensação de "até eu podia fazer isto") mas não deixa de ter o seu interesse por pôr em foco mais um aspecto da ocupação israelita do território palestiniano e do drama que deve ser ser-se expulso do nosso país/da nossa aldeia sem que ninguém possa fazer nada por nós.

Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e volta a passar dia 26 às 18h, na Culturgest.

Gesto

Gesto:


Esta SMR não é uma crítica ao filme, é uma carta ao seu protagonista  (António Coelho), que conheço de outros tempos e outras andanças.

"Caro António,

Talvez não te lembres de mim à primeira e por isso devo apresentar-me. Chamo-me João e fui teu formador no projecto MOVA, no CED Jacob Rodrigues Pereira. Talvez de lembres de mim pelo meu nome gestual, relacionado com a minha poupa de cabelo.

Durante esse projecto tive o prazer de te mostrar a ti e aos teus colegas que não são algumas limitações físicas ou sociais que nos impedem de sermos pessoas completas, com projectos de vida bem estruturados e capazes de conviver com o mundo exterior. Infelizmente tive de sair antes do final do projecto mas soube, pelos colegas que me sucederam, que foi um sucesso. Fiquei feliz por sabê-lo, pois desde a altura em que primeiro entrei em contacto convosco que acho o CED Jacob Rodrigues Pereira uma grande escola e os seus alunos grandes exemplos de inteligência, cultura e vontade de aprender.

Escrevo-te pois ontem à noite voltei a ver-te. Desta vez vi-te num filme mas reconheci-te de imediato. Foi bom ver que continuas a sonhar alto, como já na altura demonstravas fazer e que não desistes do teu sonho de cinema. Houve um dia em que vos mostrei um filme do Charlie Chaplin e já na altura demonstraste um interesse especial na análise daquelas imagens.

Mas ontem, ao ver-te como a "estrela" do teu próprio filme lembrei-me sobretudo de outra coisa. No final da minha colaboração no projecto passámos um fim de semana juntos na Colónia d'O Século, lembras-te? Pois eu nunca mais me esqueci da conversa que tivemos os dois numa das noites. Não tinhas o intérprete por perto por isso usámos o telemóvel para falar por escrito e no final disseste-me que gostavas de mim e da minha colega por sermos ouvintes mas estarmos a dar formação a jovens surdos como tu e (alguns d)os teus colegas. Pois hoje, passados uns dois anos e tal digo-te que ao ver o filme Gesto sou eu que te agradeço, pela inspiração que foste na tua crença de que todas as barreiras são ultrapassáveis.

Espero, muito honestamente, que o teu sonho continue vivo e que um dia nos encontremos por aí, tu realizador e eu ainda aqui a escrever as minhas críticas de cinema. Boa sorte!"


P.S.: Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou ontem, dia 23 e infelizmente já não volta a passar, mas se o mundo for justo voltarão a ouvir falar dele e terão oportunidade de o ver noutra ocasião. É um filme que, tendo algumas falhas, serve como uma ponte para o outro mundo que é a comunidade surda portuguesa.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Julianes Sturz in den Dschungel

Julianes Sturz in den Dschungel:



Juliane Koepcke tem uma história de vida que mais ninguém tem, e ninguém deseja ter. Existem no mundo uns quantos sobreviventes únicos de quedas de avião, como ela, mas não deve haver mais nenhum que depois da queda no meio da Amazónia passou 10 dias a caminhar sozinha pela selva até encontrar mais gente, isto porque as buscas foram canceladas por nem sequer conseguirem encontrar os destroços do avião no meio do mato.

A história de Juliane foi contada de uma forma dramatizada num filme série B dos anos 70 mas aqui é contada pela própria, que aos 29 anos voltou ao lugar do acidente e reviveu o que ali se passou. Quem lhe propôs esta viagem foi o Werner Herzog, que tinha bilhete para o mesmo avião e só não embarcou no fatídico voo por causa de um atraso numa ligação.

A 24 de Dezembro de 1971 Juliane embarcou em Lima e sentou-se no lugar 19F no voo com rumo a Pucallpa, de onde partiria para passar o Natal com a família na reserva biológica gerida pelos pais na floresta amazónica. Fora lá que Juliane viveu durante grande parte da sua vida e, quando o avião se despenhou, foi isso que a salvou.

Como é natural Juliane não se lembra de (quase) nada entre o raio que acertou num dos depósitos de combustível do avião e o fez cair a pique e o ter acordado no chão, ainda presa ao seu lugar com o cinto de segurança. Estava ferida mas conseguia andar, pelo que se levantou, procurou (em vão) outros sobreviventes (incluindo a mãe) e, quando percebeu que tinha de ser ela a salvar-se, seguiu os seus conhecimentos de sobrevivência na natureza e fez a coisa mais lógica mas que se calhar nenhum de nós faria: procurar um curso de água, por mais pequeno que fosse, e segui-lo até encontrar civilização.

Na minha opinião o aspecto visual este documentário podia ser melhor. É impressionante ver a vegetação amazónica mas verdade seja dita que grande parte do filme é passado a ver Juliane remexer nos destroços do avião (que entretanto foram encontrados mas que demoraram cerca de 3 meses a ser relocalizados pela equipa do Herzog) enquanto conta a sua história. Felizmente essa história é espantosa e os seus relatos estão cheios de informação que espero nunca ter de usar (Juliane não tinha medo das piranhas por saber que elas são inofensívas em águas corridas; os animais mais perigosos que encontrou naquela viagem eram as raias venenosas; um determinado tipo de pássaros (não me lembro como se chamam) significa que há um curso de água navegável por perto).

Foi sobretudo por esses pedaços de informação que mantive o interesse no filme, se tivesse de dar uma nota ao filme estaria perto do Satisfaz. É capaz de ter sido o documentário dele que menos me puxou mas apesar de tudo tem um tema interessante. Acho que não há nenhum filme do Herzog com um tema desinteressante.



P.S: Eu sei que o título em alemão torna o post menos apelativo, mas como gosto de usar o título original sempre que posso e acho que o inglês (Wings of Hope) é muito enganador lá terão de aprender a dizer Julianes Sturz in den Dschungel.