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terça-feira, 3 de abril de 2012

Autrement, la Molussie

Autrement, la Molussie:


Apesar de ter ganho o mais importante prémio do festival, não considero esta obra do francês Nicolas Rey um verdadeiro documentário. Para mim esse género de filmes precisa de passar uma mensagem sobre algo do mundo real e este não é o caso neste filme.

Partindo do livro "Die molussische Katakombe", do escritor-filósofo alemão Günther Anders, em que dois prisioneiros partilham histórias sobre a Molussia, fictício país dominado por um ditador fascista - tal como a Alemanha natal do autor na altura em que o escreveu, os anos 30 -, Nicolas Rey filmou 9 capítulos em 9 bobines diferentes, as quais conjuga de forma aleatória em cada uma das sessões.

Tal ideia pode ser vista como um mero gimmick - até eu o acho um bocadinho, confesso - mas acredito que até acaba por trazer algumas diferenças interessantes a cada visualização. As 9 bobines - todas elas autónomas, analógicas e filmadas em câmaras sui generis - permitem uma observação avulsa que no final apresenta uma ligação narrativa desconexa mas com a proximidade de fazer parte da mesma obra completa.

As imagens de Autrement, la Molussie são quase sem excepção de uma beleza etérea profunda e o conteúdo das narrações que as acompanham é muito interessante (deu-me pena saber que o livro não está traduzido para nenhuma das línguas que entendo) mas realmente não posso as posso considerar um verdadeiro documentário e, como tal tenho de vos deixar o aviso de "conteúdo por vezes demasiado artístico".

Enquanto discussão filosófica do fascismo Autrement, la Molussie atinge o objectivo (tal como - presumo - o livro que lhe serviu de inspiração), enquanto conjunto de imagens bonitas de se observar também, e muito, mas Autrement, la Molussie pertence muito mais a um museu que a uma sala de cinema.


(talvez por isso a sessão a que assisti tenha sido na sala de cinema de um museu?)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Vilaine Fille Mauvais Garçon

Vilaine Fille Mauvais Garçon:



O título inglês desta curta-metragem francesa é Two Ships e não tem nada a ver com o título francês. Two Ships? Porquê? A minha interpretação é feita em português e diz-me que talvez tenha a ver com dois navios à deriva.

Laetitia e Thomas são esses dois navios que se encontram à deriva perante as tempestades que a vida lhes atira para cima. Laetitia é uma comediante falhada que tem a seu cargo um irmão com profundas limitações mentais, Thomas é um desenhador falhado que vive na mesma casa que o avô e o pai, ambos bastante mais cool que ele. Acabam por conhecer-se numa festa qualquer de um dia qualquer e agarrar-se um ao outro na esperança de que a vida conjunta seja melhor que a soma das suas partes.

Com um look analógico muito anos 80 (uma característica comum a quase todas as curtas vencedoras desta Berlinale), a primeira curta de ficção da realizadora Justine Triet mergulha tão fundo no realismo que se torna desagradável. Não que o cinema tenha de ser sempre bonito, mas para pausas desconfortáveis, insucesso profissional e solidão humana mais vale ficarmo-nos pela vida real. Vilaine Fille Mauvais Garçon ganhou o European Film Award 2012 para a melhor curta-metragem mas não me convenceu.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Hiroshima mon amour

Hiroshima mon amour:


Hiroshima mon amour é um filme de 1959 que ficou na história do cinema. Tem dois personagens, um homem e uma mulher (que, por não terem nomes, vou chamar de Ele e Ela) e uma cidade que todos conhecemos pelos piores motivos: Hiroshima, Japão.

Ela (Emmanuelle Riva) é uma actriz francesa que está em Hiroshima cerca de 10 anos depois da sua destruição para filmar um filme. "Sobre o quê?" pergunta Ele. "Sobre a paz. Sobre que mais se pode filmar em Hiroshima senão sobre paz?" A resposta foi dada por Alain Resnais, realizador de Hiroshima mon amour, ao deixar a paz de fora e filmar antes a convulsão interior de se estar preso ao passado.

Antes deste filme Resnais era sobretudo conhecido pelo seu documentário Nuit et Brouillard, sobre os campos de concentração nazis. Na altura em que foi convidado para filmar em Hiroshima a ideia era fazer um documentário sobre o pós-bomba atómica. Na altura o realizador achou que não conseguiria distanciá-lo suficientemente do seu anterior trabalho e a opção narrativa começou a ser explorada.

Os dez a quinze minutos iniciais são o mais parecido com um documentário que acabamos por ter; Ele e Ela abraçam-se (ainda sem nos terem sido apresentados) e, enquanto imagens da cidade nos vão sendo mostradas, debatem em voz-off as experiências dela na cidade: ela garante conhecer a sua verdadeira alma, ele diz-lhe que não, que não viu nada em Hiroshima

Passados esses minutos iniciais a narrativa avança e o estilo documentarial fica para trás, mas não as conversas entre Ele e Ela. A sua relação é fugaz mas intensa, Ela revê n'Ele o amor que perdeu em Nevers e nos sentimentos que Ele lhe desperta a loucura com que foi apossada quando esse amor cessou a sua existência. Ela, falando, liberta-se dos seus demónios ("tu me tues, tu me fais du bien") enquanto que Ele (Eiji Okada), maioritariamente ouvindo, alimenta uma paixão que o seu casamento já perdeu. A paixão face à impossibilidade do futuro.

Hiroshima mon amour ficou na história do cinema por vários motivos, desde o (até então inexistente) uso de rápidos flashbacks como forma de retratar a memória dos personagens até ao fabuloso e constante diálogo escrito pela Marguerite Duras. É um filme que não apelará à maioria dos espectadores actuais (é vagaroso e usa o paralelismo e a repetição como figuras de estilo preferenciais) mas que recompensa quem tenha paciência, vontade e/ou desejo de o ver com 89 minutos de grande, e histórico, cinema.

Nota curiosa: Foi precisa ir à cinemateca de Berlim para ver um filme francês filmado no Japão que estive para comprar em dvd quando vivia nos EUA. Adoro a globalização!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Les chansons d'amour



Acho que pelo histórico de SMR aqui do estaminé dá para ver que os musicais não são a minha onda. Não me consigo ligar a um mundo em que as pessoas cantam e dançam só porque sim, sou demasiado insensível, talvez. O único musical de que gostei (e só mais ou menos) foi o Moulin Rouge, porque aí tudo é extravagante e as cantorias e danças quase passam despercebidas.

Infelizmente para o Paulo Branco (produtor deste filme e "Senhor Medeia") a minha lista de musicais de que gostei vai continuar a ter essa única entrada. Les chansons d'amour sofre por ser o oposto do que disse acima sobre o filme do Baz Luhrmann...tudo é realista, sério até e - do nada - as pessoas começam a cantar as suas falas. Para mim, isso é sinónimo de caldo entornado porque qualquer ligação emocional que estivesse a criar com os personagens vai ao ar, assim como a minha atenção.

É uma pena, por acaso, porque consigo imaginar que esta história desse um excelente filme não musicado e que, como tal, mereceria mais elogios da minha parte. A história é a de um trio (duas mulheres, Julie e Alice, e um homem, Ismaël) que alegremente partilha a sua sexualidade até que o triângulo se desfaz por morte de um dos seus vértices. Depois desse evento, quase no início do filme, vamos ver como - a cantar mais ou menos alegremente - os dois elementos restantes e os familiares e amigos do defunto lidam com a sua perda.

Admito que o filme seja bom, as interpretações são boas, as músicas estão bem escritas (não tão bem interpretadas, acho eu, ao ponto de ter notado algumas diferenças de voz suspeitas quando começam a cantar) e tem uma frase final - Aime-mois moins, mais aime-mois longtemps - que me bateu forte e que pôs muita gente nos fóruns do IMDB a conversar. É uma história adulta, de sexo, amor, dor, perda e amor novamente, que - a meu ver - se perde por se tornar leviana dada escolha estilística do realizador (Christophe Honoré).

O problema sou eu, não é o filme, poderia dizer parafraseando uma frase-feita dos desencontros de amor. Por isso se acharem que conseguem continuar ligados ao filme quando as cantorias começam força, vejam-no se é que ainda não o virem, se forem como eu é que provavelmente terão o mesmo veredicto final: quem me dera que tivessem feito tudo de uma forma mais realista.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Les petits mouchoirs



No dia 10 de Maio deste ano vi no Indie Lisboa um filme francês chamado Memory Lane, filme esse que retrata os (re)encontros de uma série de amigos de infância quando têm já uns 25 anos de idade. Les petits mouchoirs, entitulado "Pequenas mentiras entre amigos" em Portugal, poderia ser uma sequela desse filme com os protagonistas já na casa dos 35, não fosse o facto de os personagens serem diferentes e as suas histórias também.

Se tivesse de realçar uma só diferença entre os dois filmes seria mesmo a maturidade. Não só a maturidade dos personagens (ou de parte deles, pelo menos) mas também do elenco e do realizador. Não é por acaso que esta já é a terceira longa de Guillaume Canet enquanto que Memory Lane foi a primeira do seu realizador. Essa maturidade, que aqui se traduz em maior experiência, facilitou - digo eu - a existência de um maior orçamento, o que se traduz em actores mais famosos e na possibilidade de filmar algo como a primeira cena, aquela que mais frequentemente será mencionada como prova da qualidade cinematrográfica do realizador.

Essa cena é, no entanto, bem diferente do resto do filme: nela, Ludo sai de mais uma das suas noites de farra, mete-se na sua scooter rumo a casa mas acaba por não chegar ao destino; no restante filme acompanhamos o seu grupo de amigos - que decide avançar com as férias em grupo que já tinham programadas, mesmo sabendo que ele está nos Cuidados Intensivos do hospital - as relações entre si e a forma como lidam com a sua ausência.

Maturidade é também a caracteristica que eu usaria para justificar a - correctissima - opção de não limitar este filme a uma só tonalidade (ri-me tanto e emocionei-me tanto, tudo na mesma sessão) nem em facilitar as coisas escolhendo um personagem principal e dando aos restantes um mero papel acessório. Aqui todos aqueles amigos são igualmente importantes e todos têm (mais ou menos) o mesmo tempo de antena. As desventuras amorosas de Marie (Marion Cotillard) têm direito à mesma atenção que é dada ao quase esgotamento nervoso de Max (François Cluzet) ou à saída do armário de Vincent (Benoît Magimel).

Com essa opção vêm, porém, dois riscos: que nem todas as histórias sejam boas e que o filme se torne demasiado longo.

Começemos pelo fim: o filme é longo sim senhor, tem mais de duas horas e meia, mas posso garantir-vos que nem por uma vez pensei no tempo que estava a durar, algo que às vezes já estou a fazer ao fim de meia hora quando o filme é fraco. Aliás, como não sabia que era tão longo e não reparei no tempo passar acabei por me atrasar - e muito - para um jantar de família que já tinha marcado.

Em segundo lugar, é normal que das cinco ou seis histórias que acompanhamos nem todas nos despertem o mesmo interesse, mas não vos consigo mesmo dizer qual delas é a pior. Estão todas muito bem construídas e decerto que apelarão a públicos diferentes, que se reverão mais ou menos nelas.

No último terço do filme todas essas histórias ficam para trás e o que interessa é de novo a reacção colectiva à situação de Ludo. Todos aqueles amigos têm as suas histórias e nenhum deles as partilha a cem por cento com os outros (daí o título) mas no final acabam por perceber que isso não importa, todos temos meios para nos ajudar a lidar com as dificuldades da vida (quem nunca fez de tudo para evitar pensar em algo doloroso?) mas os nossos amigos - aqueles que realmente o são - estarão lá para nos ajudar a passar pelos maus bocados. Mais do que com patuscadas na areia, é assim que se vê com quem podemos contar.

Para concluir deixem-me só dizer-vos o seguinte: apesar do drama porque este grupo passa (esta não é uma história feliz, por muito divertida que por vezes seja) o melhor elogio que posso fazer a todos os envolvidos neste filme é que fiquei com pena de não fazer parte daquele grupo. É frequente dizerem-me que exagero muito no que digo, mas permitam-me que vos recomende o filme da seguinte forma: se só puderem ver um filme francês este ano, escolham este. Se só puderem ver três filmes este ano, independentemente da nacionalidade, garantam que Les petits mouchoirs está na vossa lista.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Angèle et Tony



Já o disse aqui algumas vezes e continuarei a dizê-lo enquanto for verdade: o Verão está para o cinema como a Caras está para a imprensa...quem programa as exibições em sala deve pensar que lá porque está calor não gostamos de pensar e, consequentemente, espeta-nos com blockbusters atrás de blockbusters (tanto bons como de terceira categoria), mas felizmente de vez em quando surgem boas surpresas como Angèle et Tony.

Soube deste filme por causa do trailer, que passou antes do The Conspirator, fui vê-lo já há quase uma semana e agora sinto-me na obrigação de espalhar a boa nova: no Verão também há filmes de jeito!

Um aviso àqueles que clickaram no link e viram o trailer: o ambiente do filme é menos "contente" que aquele que o trailer deixa passar, é uma história mais feita de silêncios e reflexão, mas não, não é uma estopada intelectualóide.

A história é de amor, de como por vezes não são as pessoas mais parecidas connosco as mais indicadas para nós. Por vezes são os extremos que se atraem (como nos ímans) e por vezes, mais raramente, precisamos de uma pessoa com características diametralmente opostas para nos sentirmos completos e mais equilibrados.

Angèle é a protagonista que se envolve com Tony. Tem um passado obscuro, o qual não partilha de imediato, e inicialmente as suas intenções não são as melhores. Tony é o homem que a contacta através de um petit annonce num jornal; vive numa aldeia piscatória, precisa de companhia feminina e de alguém que o ajude a cuidar da mãe, sozinha desde que o pai - pescador - desapareceu no mar.

A narrativa deste filme não é inovadora, já que segue a estrutura mais batida neste tipo de filmes, a (grande) diferença é que aqui os papéis não são os mais óbvios e as interpretações são fora de série.

Grégory Gadebois vai bem como um Tony taciturno e tão agressivo como a sua comunidade piscatória espera de um verdadeiro homem, mas - perdoe-me o Grégory - quem rouba o espectáculo todo é Clotilde Hesme. É verdade que o facto de não a conhecer ajuda muito, mas não consigo imaginar outra pessoa para fazer de Angèle, é simplesmente perfeita.

Em conclusão, se gostam de filmes com substância, mesmo no Verão, vão ver. Se gostam de cinema francês no geral vão ver. Se estão à espera de explosões e tiros, se calhar é melhor optarem por outra coisa, talvez a minha próxima SMR seja mais indicada.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Le concert




Sabem aquelas pessoas que são uma coisa, queriam ser outra e andam a saltar de emprego em emprego (ou de relação em relação) até finalmente conseguirem o que achavam que queriam, para depois perceber que afinal também não era aquilo? Se fosse humano, Le concert seria uma dessas pessoas.

O início do filme é de longe o melhor: num estilo quase à Kusturica, Radu Mihăileanu começa por nos contar a história de Andreï Filipov, um ex-maestro do famoso Teatro Bolshoi, de Moscovo. Por motivos políticos Andreï perdeu o emprego ainda no tempo da URSS (segunda referência em 2 SMR's, é obra!) mas - depois de ter interceptado um convite do não menos famoso Teatro Châtelet - tem a oportunidade de pegar na sua velha orquestra, ir a Paris passando-se pelo Bolshoi e finalmente atingir a glória que lhe escapara há umas décadas.

O terço do filme em que Andreï procura convencer os ex-colegas a tentar novamente é por vezes hilariante, sempre divertido e a única parte do filme em que existe alguma preocupação com um mínimo de realismo da coisa. A partir daí é sempre tudo a descer.

Tal como as tais pessoas que andam sempre a saltitar, o filme decide a dada altura que afinal não quer ser uma comédia gira e passa a uma comédia tão exagerada que não tem piada e depois a drama familiar sem ponta por onde se lhe pegue. O momento em que isso acontece dá-se quando - orquestra montada - todos partem para Paris com passaportes e vistos falsos emitidos por uma família cigana em pleno aeroporto de Moscovo. Eu avisei.

Honestamente, parece mesmo que o filme teve duas equipas de produtores/realizadores/guionistas, uma em Moscovo e outra em Paris. Tudo o que se passa na chamada cidade luz requer do espectador uma tal suspension of disbelief que a dada altura o fardo se torna demasiado pesado e nem quem seja menos exigente pode deixar de reparar! Não acredito que haja uma única pessoa no planeta que seja intelectualmente capaz e que ache que a cena final seja possível, por muito bonita que seja. E sim, eu tenho noção que o Harrison Ford não poderia ser congelado em "carbonite" e sobreviver, mas em Le concert ninguém voa pela galáxia, andam de metro.

Ora, alguns de vocês poderão estar a pensar: "então mas este filme não teve um enorme sucesso e esteve umas 30 semanas em sala?" Sim, teve e esteve (não sei o número de semanas, though, estou mesmo só a lançar um número ao calhas) mas honestamente não consigo perceber o porquê...a banda sonora de Stravinsky é boa, algumas interpretações (as mais discretas) também são boas mas fica-se por aí...Imaginem um filme como o Saving Private Ryan. Agora imaginem que nesse filme todas as cenas eram exactamente as mesmas mas todos os soldados eram cegos. Acham que seria um bom filme? Não, tal como Le concert seria demasiado irrealista para se poder ter como tolerável.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Indie Lisboa dia 11

Cleveland contre Wall Street:



Cleveland contre Wall Street ganhou o prémio do público do Indie Lisboa 2011. Foi precisamente na sessão de consagração que o vi. Porque é que não o vi antes? Porque pensava que seria como afinal é mesmo.

O tema é perfeito para ganhar prémios do público. A cruzada do underdog (desta vez os cidadãos de Cleveland, Ohio) contra a toda poderosa Wall Street. A razão? Os prejuízos que a chamada crise do sub-prime, causada pelos bancos de investimento, causaram à cidade. O movimento iniciou-se junto da população, teve o apoio oficial da autarquia e seguiu para os Tribunais...onde os advogados dos grandes bancos que causaram a crise conseguiram encher aquilo de tantos requerimentos que o caso ficou adiado sine die.

É deste ponto que o filme parte. O conceito é interessante: já que os Tribunais reais não podem julgar o caso, faz-se uma simulação do julgamento e filma-se tudo. Todas as pessoas são reais, todas as histórias são reais, até mesmo o juiz é real. Ninguém ensaiou nada, todas as regras de processo civil do Ohio foram seguidas e os jurados seguiram os procedimentos adequados...é isto que nos dizem as legendas no inicio do filme e nós só temos é de acreditar.

A execução do conceito é que podia ter sido muito melhor. É interessante ouvir as histórias daqueles que sofreram com a crise, vivendo agora debaixo da ponte com as suas famílias, é interessante até ouvir uma das testemunhas trazidas pelo advogado dos bancos - muito mais informado e convicto dos benefícios do capitalismo. Também é interessante ouvir a discussão dos jurados quando ao assunto, mas quando chegam os créditos algo nos deixa insatisfeitos...e não é só o look do filme, com ar de ter sido filmado nos anos 70 não conseguindo no entanto ser retro chic.

A meu ver a razão dessa insatisfação é mesmo o sabermos do princípio ao fim que aquilo é uma simulação. Independentemente do resultado e do que achamos sobre o assunto, sabemos que dali não vai sair nada.

Eu sou daqueles que está no meio. Não acho que as culpas sejam inteiramente atribuíveis aos bancos (os meus pais educaram-me a não consumir mais do que tenho...crédito nunca) mas a verdade é que o próprio do sistema do sub-prime e outros instrumentos financeiros similares (como os credit default swaps) são construídos com base numa premissa tão simples como assustadora: eles não vão poder pagar o empréstimo, mas só nós é que sabemos isso.

Gerentes destes bancos a ganhar milhões "oferecidos" pelo dinheiro dos mesmos contribuintes com cuja desgraça lucraram pouquíssimos anos antes não é só criminoso, é imoral e sem dúvida que todos aqueles que são responsáveis por esta crise deverão pagar. Pena é que uma simulação de julgamento não tenha eficácia legal.


Meek's Cutoff:


E assim chegámos ao último dos 25 filmes que vi no Indie deste ano. Curiosamente, ou não, foi dos que mais gostei.

Quando comprei os vouchers que poderia trocar por bilhetes do festival este foi um dos filmes que troquei logo...não o queria perder por nada e não me arrependi. Trata-se de um Western, situado no separador inicial como "Oregon, 1845". Acompanhamos um grupo de 7 pessoas (se não me estou a esquecer de ninguém) que seguem uma oitava, um guia que contrataram para os levar até às costas do Pacífico, numa altura em que aquele território ainda não era dos EUA e onde existiam "cerca de 250 americanos".

Este grupo de 8 está perdido. Contavam chegar ao seu destino em 3 semanas e já vão em cinco, sem verem a luz ao fundo do túnel. Essa luz acaba por chegar, não tem nome mas é um índio que segue aquele grupo e acaba por ser apanhado. Naquele ambiente inóspito, onde a água é escassa e não é vista há vários dias até um inimigo é visto como a salvação...

Disse há pouco que o filme é um Western e mantenho o que disse, mas devo avisar os meus queridos leitores para uma coisa: só o é em termos de localização geográfica e temporal. Se estão à espera de tiros e gajos machões estão completamente enganados. Como alguém dizia algures, este é o Western mais feminino da história...das 8 pessoas 3 são mulheres e 1 é uma criança...os restantes são homens mais ou menos de barba rija e se no primeiro plano são eles que mandam, acompanhamos mais as senhoras da expedição...talvez porque é uma realizadora que o filma?

Seja por que razão for é uma boa opção. Num filme introspectivo sobre a confiança e a fé fica sempre bem darmos mais atenção ao personagem mais confiante e mais optimista...esse personagem é Emily Tetherow, a senhora do poster ali de cima e um dos papéis da vida da ainda jovem actriz Michelle Williams. Normalmente não gosto dela, confesso, mas aqui faz mesmo um papelão, convencendo-nos (e convencendo-se) que é ela que vai dando energia a um grupo cada vez mais desesperado.

Se a Michelle Williams vai muito bem, os outros também mas acima de tudo o trabalho de realização e de fotografia que merece destaque. Os pormenores de época estão impecáveis, as paisagens quase lunares de tão desérticas são tornadas esteticamente apelativas e - algo que gosto muito de referir - a banda sonora, discreta mas quase constante, ajuda muito ao ambiente que se quer dar a esta história de provação daqueles que têm esperança num futuro melhor mesmo perante o desespero do presente.

Única queixa? A ratio de exibição do filme é 1.33 : 1. Vi agora que é propositado (pensei que fosse algum problema específico da sessão) e penso que não se adequa a um filme que devia orgulhar-se dos seus planos abertos.



E assim acabou o Indie, amanhã farei o resumo da praxe. Espero que tenham gostado tanto de ler estas SMR como eu gostei de as escrever (e ver os filmes que lhes deram origem)

terça-feira, 10 de maio de 2011

Indie Lisboa dia 6: Memory Lane + All Good Children

Memory Lane:



No Q&A que se seguiu a esta sessão o realizador partilhou que uma das questões que mais costuma ouvir é "qual a idade dos protagonistas?"; confesso que eu também tive essa dúvida e fiquei satisfeito quando o ouvi dizer que escreveu o guião imaginando-os com 25 anos, "uma idade em que já têm responsabilidades e a vida deles já mudou, mas em que o passado ainda está muito presente".

Acho que todos nós que já passámos por essa idade (ou que, mesmo mais novos, já deixámos de estudar) sabemos que a dada altura temos um momento em que nos apercebemos que as coisas já não são as mesmas. Alguns adaptam-se melhor a isso, outros nem tanto, muitas vezes dependendo do quanto temos para fazer quando nos tornamos adultos.

Em Memory Lane, a primeira longa de Mikhael Hers, todos os personagens principais têm essa incerteza no coração. Dos sete, Raphael é quem sofre mais com essa mudança. Aparentando não ter emprego nem família/namorada (as maiores ocupações dos restantes amigos) e vivendo ainda na Paris que os uniu, Raphael é o que o Eça de Queirós chamaria de dandy. No entanto, ao contrário de Carlos da Maia ou João da Ega, Raphael começa a bater mal com o facto do seu grupo se ter desmantelado.

Quando vocês passaram por esse momento como é que reagiram? Eu devo admitir que um pouco como Raphael, mas entretanto avancei e julgo estar mais próximo da reacção de Vincent (Thibault Vinçon, que às vezes é igual ao Jesse Eisenberg). Em vez de desesperar, Vincent apercebe-se que a mudança é natural e que o não estar constantemente com os amigos de outrora não quer dizer que não se possa estar bem, com eles, sem eles ou com alguns deles num registo que não existia antes.

O entrecruzar das memórias colectivas do grupo com o seu momento presente é uma excelente forma de nos pôr a reflectir sobre os nossos próprios grupos de amigos e aquelas longas tardes de Verão em que não ter nada para fazer era uma actividade em si mesma. O trabalho do realizador é notável, ao manter ao longo do filme um aspecto orgânico muito agradável (sobretudo a nível das cores) e, algo que já não referia há algum tempo, a banda sonora é bastante adequada ao tom que se quer para o filme.

Volta a passar no dia 13 às 16h30 e é um excelente programa para levarem os vossos amigos, aqueles com quem viveram as tais tardes de Verão.


All Good Children:



O resumo oficial deste filme na programação do Indie diz o seguinte: "Quanto menos soubermos sobre esta surpreendente primeira longa-metragem da cineasta britânica Alicia Duffy, melhor". Concordo com esta regra (no geral, não só em relação a este filme) por isso vou ser um menino obediente, falando de um outro filme.

Antichrist é um filme que estreiou em Portugal no Estoril Film Festival de 2009. Nele acompanhamos a história de um casal que resolve ir viver para o meio de uma floresta (não interessa agora porquê) e dessa mudança nasce a loucura.

Nos filmes as florestas costumam ser mais assustadoras que locais de agradável passseio. Aqui não estamos perante uma excepção: esta floresta cinemática é escura, ventosa, povoada de animais mais ou menos pequenos, mais ou menos assustadores. Falo de aranhas e de raposas, especificamente.

Talvez seja o isolamento provocado, talvez seja uma predisposição mental, mas em Antichrist (tal como em All Good Children) a floresta é um óbvio catalisador para o caos. O que antes era razão e auto-controlo passa a emoção e desespero, o que era paz passa a violência e o que era bonito torna-se muito, muito feio.

Antichrist é uma obra madura, com actores de gabarito com uma cinematografia de um nível muito elevado.

All Good Children é, com as devidas (poucas) diferenças, o Antichrist com crianças. É uma obra de qualidade (a fotografia e as interpretações infantis são especialmente merecedores de mérito), mas sofre pela excessiva colagem que, julgo eu, não conseguirá sair da cabeça daqueles que já viram a obra de Lars von Trier. São demasiadas as parecenças para que possam ser ignoradas.

A realizadora não esteve presente na sessão. Gostava de lhe ter perguntado se gostou de Antichrist e não tenho muitas dúvidas quanto à resposta.

Indie Lisboa dia 5: Competição Internacional de Curtas 8 + Long Live the New Flesh + Vampires

Dos 8 filmes que vi hoje os 7 primeiros eram curtas metragens, por isso não estranhem as SMR mais curtas que o habital.

Muscles:



Uma rapariga australiana cujos pais decidem quem lava a louça lutando boxe um contra o outro tem uma obsessão muito pouco feminina: o culturismo. Arranca as cabeças das Barbies, cola-as nos corpos dos lutadores de wrestling do irmão e passa muito tempo no ginásio a tentar transformar o seu corpo.

O irmão, mais novo, é mais pacato e não tem esse interesse. No entanto, tem de provar que não é menos gajo que a irmã e começa a fazer asneira. Asneira da série.

Ao fim de dois anos de blog este é, curiosamente, o primeiro filme australiano que analiso. Gostei do que vi, é melhor que o Crocodile Dundee e era bem capaz de dar uma longa interessante.


Los minutos, las horas:


Uma mulher, Yoli, vive com a mãe algures em Cuba. A mãe está dependente dela porque já não consegue andar sozinha. Yoli recebe um convite para sair, irrita-se por estar presa aquela casa e aquela mulher mas no final apercebe-se do valor que têm as relações familiares.

É essa a grande mensagem de Los dias, las horas. Uma mensagem que nos diz que devemos estar lá para as nossas famílias quando elas precisam de nós. O facto de ser um filme em co-produção cubana e brasileira explica muita coisa: são valores intrinsecamente latinos os que transmite.

As interpretações são ok, a fotografia é ok, mas o filme não pega. Talvez por Yoli ser tão solitária que já não precisa de transmitir emoções.

Miten Marjoja Poimitaan:


Uma espécie de documentário artístico sobre os efeitos que a mão de obra tailandesa tem na apanha de frutos silvestres no Norte da Finlândia parece ser das coisas mais desinteressantes de sempre, certo? Errado!

O tema pode não interessar ao menino jesus, mas talvez por saber disso a realizadora - Elina Talvensaari - apostou mais no estilo e foi uma aposta ganha. Com uma série de imagens quase fantasmagóricas e um excelente uso de filtros/planos apertados/contraste entre a natureza e o mecânico este filme, que se chama How to Pick Berries em Finlandês foi visualmente o mais apelativo desta sessão.

La dame au chien:


A única nota que tirei durante este filme foi "Quem é a gorda?". A gorda a que me refiro é a senhora que aparece na foto aqui em cima. É ela a dona do cão e que dá o nome ao filme.

Durante os 16 minutos do filme vemo-la a conversar com um adolescente, numa casa que não parece a sua. No final há uma surpresa, mas esse twist é tão irrelevante como pouco concreto. Daqui saltam à vista as interpretações, tanto da dita gorda como do adolescente e fica a pena de o filme não ter um bocadinho mais de sumo para espremer.


Paris Shangai:


Cada vez me convenço mais que a comédia é o meio que funciona melhor em curta-metragem. Talvez por ser mais imediato e não requerer uma ligação tão próxima com as histórias dos personagens mas a verdade é que normalmente as minhas curtas preferidas são as mais divertidas.

Nesta sessão - Competição Internacional Curtas 8, que volta a passar dia 14 às 14h30 - não houve uma excepção para confirmar a regra. Paris Shangai, a história de um jovem que deseja unir essas duas cidades numa viagem de bicicleta mas não chega a sair de França é a mais divertida das curtas e aquela que mais aplausos obteve por parte do público.

Não é genial, mas deixa-nos com um sorriso nos lábios e só por isso já vale a pena. De destacar ainda a interpretação de Franc Bruneau, que faz de Manu. Não sei se é actor ou não, mas se não o fôr aposto que anda algures pela Ásia à procura de Shangai, montado na sua bicicleta.


The Voice of God:


Um filme experimental que desde o início nos avisa "This movie has no subtitles". É um aviso estranho mas que se percebe logo de seguida...enquanto vemos imagens aceleradas do trânsito em Bombaim e imagens em câmara lenta do quarto de uma mulher indiana ouvimos alguém declamar algo numa qualquer língua indiana.

Não sei o que diziam, sequer se diziam algo que fizesse sentido, mas não consegui deixar de pensar na música Die Eier von Satan, dos Tool - uma música super-agressiva em alemão que goza com o facto de o vocalista estar apenas a ler uma receita de omoletes sem ovos - e isso distraiu-me completamente do simbolismo do filme.



Long Live the New Flesh:


Já fora da sessão de curtas mas uma curta ainda assim, Long Live the New Flesh é mais um filme experimental.

Fez-me lembrar um artista americano com o nome de Girl Talk, um especialista em mash-ups que não faz nada de verdadeiramente original. Em Long Live the New Flesh o realizador pegou em imagens de uma data de filmes de terror (entre os quais o Videodrone, de onde retirou o título) "desfez as imagens em ácido" (se bem que me parece um efeito digital) e está feito.

Não referi acima mas digo-o agora. Detesto Girl Talk. E detestei esta curta como há muito não detestava um filme.

Vampires:


A ideia por detrás de Vampires é tão genial que acabamos a pensar como é nunca ninguém se tinha lembrado disto antes.

Vampires é o que se chamaria de mockumentary. Um documentário falso em que seguimos o dia a dia de uma família de vampiros residente na Bélgica. A piada da coisa é que a vida deles é praticamente normal, só com algumas adaptações: celebram "mortiversários", bebem uma chavenazinha de sangue ao acordar e no pseudo-frigorífico têm uma humana, a quem chamam de Carne.

O pai desta família, Georges, esforça-se por nos mostrar o dia a dia dos vampiros belgas e vê-se que gosta muito de um país em que têm imigrantes ilegais (a quem chamam de salsichas) entregues à porta todas as semanas, qual encomenda online. Mas a vida de Georges não é fácil...para além de ter uma mulher meia chanfrada, tem um filho que insiste em fazer merda (tipo ver se os paraplégicos deixam de o ser quando se tornam vampiros) e uma filha adolescente que insiste em vestir-se de cor de rosa mesmo quando vai à escola. Sim, ouviram bem...os vampiros têm uma escola nocturna onde usam os bonecos de respiração boca a boca para aprender a chupar sangue.

O segredo deste filme é tratar todos os eventos com a maior naturalidade possível. Claro que não passa tudo de um grande disparate, mas quando vemos as entrevistas de Georges à equipa de reportagem, ou os testemunhos dos seus vizinhos vampiros, uns atadinhos que vivem na cave, parece mesmo que estamos a ver uma reportagem do 60 minutes ou um episódio daquele reality show da família Osbourne.

Só por isso Vampires já se assume como um dos grandes filmes deste Indie, mas quando o filho de Georges usa a frase "Estou tão contente que é como se estivesse a peidar foguetes" ficamos com a certeza absoluta que esta vai ser uma das comédias do ano.

Já não volta a passar neste festival mas espero que volte às salas portuguesas. Sei que uns quantos leitores frequentes deste estaminé iriam adorar este filme.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Indie Lisboa dia 1: Carlos

Carlos:

Era uma vez um senhor de origem venezuelana chamado Ilich Ramirez Sanchez. Curiosamente, apesar do nome nada normal para um país de língua espanhola, o mundo conhece-o como Carlos. Carlos, o Chacal, aqui interpretado - e muito bem! - por Édgar Ramirez.

Provavelmente os meus leitores mais jovens não reconhecerão o nome, mas Carlos, o Chacal foi uma das figuras mais conhecidas nos anos 70. Era um actor? Era um cantor? Não, mas era uma estrela de fama mundial, desde Paris a Bagdad. A razão da sua fama? Carlos era o equivalente ao Bin Laden naqueles tempos...não porque foi morto por uma operação dos serviços especiais americanos mas porque era o terrorista mais famoso do mundo. No entanto, ao contrário do Bin Laden, Carlos era um playboy - gostava de álcool, mulheres e da fama que tinha..e também ao contrário do Bin Laden, Carlos tentava parecer-se com o Che Guevara mas aproximava-se mais do Zézé Camarinha.

O momento que trouxe Carlos para as luzes da ribalta aconteceu a 21 de Dezembro de 1975 quando ele e mais cinco membros da Frente Popular para a Libertação da Palestina raptaram uma série de diplomatas durante uma reunião que decorria na sede da OPEP, em Viena. O filme, que não deixa de ser uma obra biográfica apesar das muitas explosões e tiros - a vida é que é sui generis, está lá e mostra-nos o que se passou.

Se é verdade que foi esse o momento que o fez conhecido a nível mundial, as suas acções anteriores e posteriores fizeram-no uma "estrela" mais localizada: em França conhecem-no por ter morto dois agentes da CIA lá do sítio - a DST, acrónimo no mínimo suspeito - e o filme mostra-nos o que se passou; na Líbia conhecem-no por ter assassinado um diplomata próximo do Khadaffi, e o filme mostra-nos o que se passou; na Alemanha (de Leste) conhecem-no por ter apoiado as Células Revolucionárias Alemãs, e o filme - adivinharam - mostra-nos o que se passou.

E depois o mundo mudou, a Guerra Fria acabou e Carlos, o Chacal teve de andar fugido, e o filme - yup - mostra-nos o que se passou. Mas depois, não contente com nos mostrar o que se passa na vida de Carlos, continua...

...e continua...

...e continua...

...e continua...

...e continua tanto, perde-se tanto em pormenores que não interessam que se torna difícil continuarmos a prestar atenção. Já sabia que este filme foi transformado numa mini-série de televisão, e desconfio que não tiveram de filmar muitas mais coisas para a produzir, se calhar até tiveram de fazer cortes...

...e quando pensamos que vai acabar continua...

...e volta a continuar...

...e quando finalmente acaba já eu perdi a oportunidade de ir ver a minha segunda sessão do dia.

Damn!

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

L'Illusioniste

L’Illusioniste:



Parece que é impossível uma crítica a este filme não falar do Jacques Tati, por isso vou já tratar dessa parte para depois seguir em frente: tenho uma relação estranha com o Tati, só vi dois filmes dele e se um deles considero uma das comédias que mais me divertiu (Mon Oncle, que chega a aparecer neste filme!) o outro tenho em DVD por me ter sido recomendado vivamente, já tentei ver umas 5 vezes e em todas elas acabei por adormecer, por o achar tão aborrecido. É o Playtime, tido por muitos como a obra-prima do senhor, mas que para mim tem sido impossível de ver.

Fala-se do Tati em relação a este filme porque foi ele que escreveu o guião e era para o protagonizar. Entretanto morreu (já em 1982) e só agora é que a história do mágico Tatischeff e da sua amiga/filha adoptiva Alice foi levada ao grande ecrã.

Raros são os filmes, tirando um sub-género de terror, em que o personagem antagónico é uma criança mas neste filme a tal Alice conseguiu enervar-me. Percebo que a ideia fosse precisamente a contrária: não é difícil perceber que o filme tenta mostrar a afeição que Tatischeff nutre por Alice, mas não conseguia deixar de pensar no quanto as “exigências” dela contribuiram para a ruina dele. Ela não é má, é apenas criança, mas mesmo assim não sei...ou foi ela que me irritou ou a incapacidade dele lhe dizer não.

Ora, se não se gosta de um personagem que é suposto gostar-se para que o filme cumpra o seu intento a coisa fica difícil. Isto, sem dúvida, limitou a minha apreciação do filme, já que interpretei a história de uma maneira completamente diferente. Tive portanto de aproveitar para apreciar outros aspectos do filme.

O primeiro deles é a excelente colecção de personagens secundários. Num filme em que muito do tempo é passado em salas de espectáculo decadentes é fácil encontrar uma boa dose de acrobatas espanhóis, dançarinas de can-can, palhaços suicidas e ventríloquos deprimidos. Todos eles surgem neste filme e todos eles são a meu ver mais interessantes que Tatischeff e Alice. Mas, para além deles, existe ainda uma outra coisa que faz com que este filme valha a pena.

Falo, claro, da fantástica animação de Sylvain Chomet (o mesmo que já tinha feito o Les Triplettes de Belleville). Grande parte do filme é feito com animação tradicional, apenas com algumas cenas em que algum digital é usado mas em que não se impõe, e a qualidade é permanente. Todas as cenas têm um pormenor tal e ao mesmo tempo uma subtileza tão grande que imagino ser interessante ver o filme em DVD para se poder parar de tempos a tempos e apreciar a paisagem. Só por isso e pelo som, essencial num filme quase sem diálogos, vale a pena.

Pelo que pude perceber, esta história foi escrita por Tati como uma tentativa de aproximação a (uma das) suas filhas...Tatischeff era o seu apelido real e Alice seria, não sendo, a filha. Como disse há uns parágrafos acima, para mim esse aspecto falhou, pelo que mais do que qualquer outra coisa vejo L’Illusioniste como uma declaração de amor a Edimburgo e a um tipo de entretenimento que já não existe, ao mesmo tempo que é uma prova da vitalidade da animação tradicional.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Doc Lisboa dia 4: Claude Lévi-Strauss: Return to the Amazon

Claude Lévi-Strauss: Return to the Amazon:



Já conhecia o nome de Claude Lévi-Strauss há uns tempos. Não me lembro em que contexto ouvi falar dele mas devo confessar que quando vi o nome no programa no Doc não o associei a nada, tanto que nem estava nos meus planos ir ver este filme. (Ia ver o Hitler's Hit Parade, que estava esgotado hoje...deviam ter posto este filme numa sala maior, senhores organizadores)

Foi, portanto, por acaso que dei hoje por mim no cinema Londres a ver aquele que muito provavelmente será o meu filme preferido desta edição do festival. A descrição não o deixaria antever, as minhas expectativas não o previam mas aconteceu.

Ainda mais que na ficção, a principal razão pela qual adoro documentários é o poder testemunhar histórias que não a minha, ver realidades que não conheço e viver vidas que não vivi e neste filme tive a sorte de ser apresentado à realidade do povo Nambikwara, estabelecido algures na floresta amazónica e estudado pela primeira vez em 1939 pelo senhor que ainda hoje é considerado o pai da antropologia.

Os Nambikwara são um povo indígena que teve o azar (ou a sorte, para quem pense ao contrário de mim) de ver o seu território cruzado pela linha telegráfica logo em inícios do século XX. Claro que isso facilitou o seu encontro com o "homem branco" e a consequente miscigenação cultural (sim, usei a palavra miscigenação). Felizmente ao longo do filme vemos imagens fotográficas e até alguns vídeos filmados por Lévy-Strauss intercaladas com imagens actuais dos restantes Nambikwara e conseguimos aperceber-nos que algumas tradições ainda se mantêm.

Enquanto que noutras ocasiões aproveitaria para falar agora dessas tradições, aqui não o vou fazer - é realmente complicado aprofundar muito as minhas ideias sobre tradições que desconheço e que apenas vi neste filme - mas não quero deixar de referir que fiquei contente por ver que mesmo após anos de "colonização" destes povos indígenas as tradições ainda se mantêm, contra todas aquelas coisas que nós vemos como básicas mas que para gente de outros povos não o é.

Esperemos é que, com a crescente exploração da floresta amazónica para fins económicos, estes povos consigam mais uma vez sobreviver. Honestamente parece-me mais difícil, porque agora o inimigo é maior e mais destrutivo, mas espero estar enganado e daqui a uns anos poder ver uma espécie de sequela deste filme, em que nos mostrem as crianças que vi hoje a viver como adultos da sua cultura.




P.S.: Não, não me esqueci de fazer SMR ao filme de ontem, não vi foi filme nenhum. Fica aliás o aviso que não haverá posts todos os dias do Doc. É verem quando haverá

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Des hommes et des dieux

Des hommes et des dieux:


Parece-me que no mundo existirão dois tipos de ateus, aqueles que - como eu -sentirão uma uma certa admiração por aqueles que detêm a capacidade de crer e os outros, talvez mais mediáticos, que defendem um raciocínio mais combativo ao conceito de uma entidade divina.

Publico este parágrafo inicial, aparentemente tão pouco apropriado a um blog de cinema, porque este filme, que vi ontem na Festa do Cinema Francês, me fez admirar ainda mais a grande dignidade com que aqueles frades agiram mas ao mesmo tempo acreditar ainda mais convictamente que não acredito nem acreditarei. Sei que acreditar é bom, torna certos momentos da vida bem mais fáceis de tolerar, mas simplesmente sou demasiado racional para isso.

Des hommes et des dieux trata, como disse, acima de tudo da grande dignidade e coragem dos 8 frades trapistas franceses que em 1996 viviam no mosteiro de Thibirine (não leiam o link antes de ver o filme se não querem ter um grande SPOILER), na Argélia. Sim, estes homens existiram e esta é a sua história.

Pouco sei sobre a guerra civil da Argélia, que assolou este país entre 1992 e 2002, mas pelo que nos é dado a entender no filme as duas facções envolvidas foram o Governo (corrupto, mas que manteve apesar de tudo alguma estabilidade no período pós-independência) e grupos extremistas de marcada influência islâmica.

Os frades, que nos são apresentados como estando naquela região do Atlas argelino desde tempos imemoriais, vivem inicialmente numa comunidade pacífica com os habitantes da região que os acolheu, sendo eles, por exemplo, que dão apoio médico à população local. É este convívio pacífico (até amistoso) o que se retrata durante a maior parte do tempo, num filme que é mais profundo que isso.

É a partir do momento em que os frades começam a ser importunados pelos guerrilheiros que, a meu ver, o filme mostra a sua verdadeira intenção, a de nos pôr a reflectir tanto sobre a tolerância religiosa (numa época em que ela é bem precisa) como sobre a forma como aqueles que decidem dedicar a sua vida à contemplação e reflexão espiritual sobrevivem, pensam e se sentem.

É aqui que este filme se mostra superior. Os frades são apresentados como oito homens de grande integridade, que aceitam o seu destino de serem árvores para que os pássaros possam pousar (metáfora linda!) mesmo à custa de sacrificios maiores do que aqueles que julgariam ter de enfrentar. Ao contrário de uma perspectiva mais hollywoodesca que poderia ter sido dada a esta história, nenhum deles é um bastião da verdade ou da fé inabalável. Todos eles sofrem e têm dúvidas, aceitando o seu papel em sinal mais de fidelidade do que sacrifício.

E muito admirei eu estes homens ao longo do filme (e admiro ainda agora, sabendo que a história é real). É preciso muita coragem, muita integridade mesmo, para não desistir e morrer de pé, se for preciso. Diz-nos Luc, um deles (tão bem interpretado por Michael Lonsdale que nem parece estar a ser...interpretado), "um homem livre não tem medo de morrer". É aqui que acho que ter fé facilita, eu não sei se teria a mesma presença de espirito para continuar, não ceder às armas, mas gosto de pensar que em situação semelhante me comportaria da mesma forma. Dizem as letras de uma das minhas músicas favoritas "I'd rather die on my feet, than live on my knees".

Espero porém nunca ter de tomar essa decisão, é sinal de que vivi sempre em paz e segurança, o desejo da maioria da população mundial e uma das razões que me levam a estar convicto da minha condição de ateu. Se deus é amor ou bondade, se o deus cristão e muçulmano são conceptualmente os mesmos, então porquê tanto ódio e tanto sofrimento em nome da religião?

Com uma execução técnica exemplar (aquela "última ceia" é das cenas que mais me transmitiu uma grande emoção de uma forma tão contida) que torna um filme longo e meditativo numa experiência que nunca é aborrecida, o realizador Xavier Beauvois fez-me acreditar que faço mal em nunca ter visto nenhum outro dos seus filmes e mostra-nos aqui uma obra que passa rapidamente para a shortlist dos dois ou três melhores filmes que vi este ano.

Excelente!




P.S.: Nota para a organização, aqueles estalidos do sistema de som tornaram-se bastante irritantes. Percebo que não podiam fazer nada durante o filme, mas poderiam ter precavido isso antes da sessão, digo eu. Os espectadores que esgotaram a sala 1 do São Jorge mereciam isso.
P.P.S.: Nota para as duas pessoas que vieram falar comigo no final da sessão. Percebo que a luz do telemóvel vos incomode, mas sinceramente acho que demonstrei todo o cuidado em esconder ao máximo a fonte de luz enquanto escrevia as minhas notas para esta SMR. E já agora fica a pergunta: como é que tirariam notas às escuras? Eu já tentei com papel e caneta mas no final das sessões acabo sempre por não perceber o que escrevi e por isso tenho optado pelo telemóvel.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Queer Lisboa: programa de curtas 2


Devo começar por confessar que esta foi a primeira edição do Queer Lisboa a que fui. Dito isto e com base na pouca experiência que tenho do festival, quero dar os parabéns à organização pelo profissionalismo que a sessão a que assisti aparentou, bastante mais do que o que - confesso - estava à espera. Posso não concordar totalmente com a excessiva colagem do festival ao movimento queer mas no que toca ao que a este blog interessa - cinema, apenas e só - correu tudo bem, sem falhas aparentes da organização.

Feito este louvor, sigamos para as curtas que vi no Programa de Curtas 2, do passado Domingo.


Cavalos Selvagens:

Este filme foi a razão principal para me ter deslocado ao São Jorge em vez de ir à praia, já que é realizado por amigos de uma amiga minha (a Daniela, digam olá à Daniela...olá Daniela!) e a dita amiga me convidou para a acompanhar.

No Indie Lisboa do ano passado assisti à primeira curta desta dupla de realizadores (André Santos e Marco Leão) e - como podem ver no maior post de sempre deste blog - achei-a interessante esteticamente mas pouco mais (chama-se A nossa necessidade de consolo, by the way). Felizmente a segunda já é bastante melhor. O estilo bastante contido mantém-se - a totalidade dos 11 minutos da curta é passada em silêncio - mas na relação entre os dois personagens (interpretados pelos realizadores) há afecto e humanidade, para além da distância.

Não me parece que já estejam prontos para se lançar no mundo das longas-metragens comerciais (nem sei se é essa a intenção), mas no circuito de festivais, e tendo em conta que são bastante jovens, auguro-lhes um futuro de sucesso. Parabéns!


Haboged:

(já se sabe qual é o problema das curtas em festivais de cinema...posters nem vê-los)

Nas notas que tirei durante este filme apenas tenho escrito: "bleh, não tem interesse nenhum". Agora desenvolverei um pouco mais: bleh, não me suscitou interesse nenhum.


Steam:

Apesar de ser uma curta metragem de apenas 16 minutos, este filme tem duas partes bem distintas: na primeira estamos perante um filme de dança, na segunda perante um episódio do Alfred Hitchcock Presents.

Estranhamente, neste caso optaria antes pelo vídeo de dança. Nessa parte assistimos a um engate numa sauna em que muito pouco é dito mas muito é transmitido através dos movimentos dos actores e da (apropriadíssima) banda sonora. Já na segunda parte vemos o período pós-engate, em que os protagonistas se apercebem que não conseguem sair de lá. Aqui, a boa impressão com que fiquei dos dois actores esbateu-se um pouco, tendo mostrado que funcionam melhor sem falas do que com elas, mas mantive o interesse no realizador, que demonstrou bastante qualidade ao atingir o seu objectivo de "realizar uma espécie de peça de teatro num cenário muito reduzido".


Toiletzone:

(ver o que disse no Haboged)

Dos cinco filmes que vi este foi o de que mais gostei e é, de longe, o que apresenta mais condições para ser apreciado por um público mais generalista, é que - tendo a temática queer como um assunto meramente acessório - o filme aborda antes uma temática bem actual: os layoffs e a extinção de postos de trabalho.

Eu explico: ao longo da meia hora de filme acompanhamos a história de três funcionários da casa de banho de um qualquer centro comercial francês. Juntamente com eles somos forçados a viver um dilema: ou afastam os "répteis" da casa de banho ou fecham a casa de banho e vão para a rua, sendo que répteis é o nome dado por um dos funcionários aos homens que - e aqui está a ligação ao mundo queer - usam os cubículos do WC para encontros pecaminosos com outros homens. Sim, disse pecaminosos, faz-me lembrar o saudoso Diácono Remédios.

Conseguem fazê-lo mas, ironia da economia actual, como as casas de banho em França se pagam a facturação desce com a partida dos "répteis" e ... fecham a casa de banho e lá vão os funcionários para a rua.

Tratando com muito humor duas realidades que são por vezes trágicas, o realizador Didier Blasco mostrou aqui que é possível fazer uma excelente comédia de casa de banho sem uma referência escatológica. Algo muito difícil num mundo pós-American Pie.

Acabou por ganhar o prémio de melhor curta do festival. Não estranho nada, é bastante bom.


Los fuegos:
(ver o que disse no Toiletzone)


Este filme tem duas coisas em comum com o Haboged:
1- tem um homem nu a (tentar) matar outro homem nu depois de uma cena de sexo;
2- é uma valente bosta.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Les herbes folles

Les herbes folles:


Para descansar aqueles que já pensavam que o blog estava morto, posso assegurar-vos que não está. Eu é que tenho andado mais ocupado (isto - ainda - não é a minha profissão) e as idas ao cinema têm-se ressentido. Voltemos, porém, ao activo com mais um filme francês daqueles que vocês tanto gostam.

O nome é Les herbes folles - As ervas daninhas, o realizador é o Alain Resnais (um mito vivo do cinema europeu) e a principal razão pela qual resolvi ir ver este filme foi o excelente e muito original trailer que o promove nos cinemas Medeia. Isso e o estar em sala já há bastante tempo. (Se puderem vejam mesmo o trailer, adorei).

Não fiquei nem surpreendido com o que vi. Enquanto história o filme não passa muito do seu título...é um filme "daninho" na cinematografia de um realizador que já nos deu obras-primas como o Hiroshima, mon amour ou Nuit et bruillard (este já de 1955). É uma história que parte de um acaso, uma carteira que é roubada une intensamente a sua dona e o cinquentão que a encontra, e que nunca se deixa aprofundar demasiado. Nunca percebemos bem o que motiva os protagonistas, nem os secundários que os seguem quase cegamente.

A história é abaixo da média, mas a elevadíssima destreza técnica mais que compensa essa falha. Dá gosto ver como um realizador ainda do tempo em que era preciso saber filmar faz o que quer com os planos que quer - é que agora, com todas as técnicas de pós-produção deve ser mais fácil, digo eu, é tipo fotografia analógica e digital.

Não é um Terrence Malick, não é um Kubrick, é mais show off e menos interessante que ambos, mas é Resnais e deu-me prazer ver o trabalho de um realizador que, como a Empire dizia, insiste em fazer do cinema uma forma de arte.

domingo, 16 de maio de 2010

De battre mon coeur s'est arrêté

De battre mon coeur s'est arrêté:


Costuma dizer-se que não se deve julgar um livro pela sua capa. Neste caso, eu faço o mea culpa e admito que a primeira razão pela qual resolvi ver este filme foi o seu excelente título português, "De tanto bater o meu coração parou". Excelente título que, curiosamente, também é excelente na versão original francesa e na sua tradução inglesa, em que se chama The Beat That My Heart Skipped.

Mas se resolvi julgar este "livro" pelo seu título, também o fiz pelo seu autor, Jacques Audiard, o mesmo do - posterior - Um Profeta, que aqui analisei de forma muito positiva. Nesse filme, o primeiro que vi deste realizador francês, fiquei fã do seu estilo e muito poucos dias depois resolvi comprar este DVD.

Só agora o consegui ver mas valeu a pena a espera. Não é um filme tão bom como o tal Um Profeta, é verdade, mas não deixa de ser uma história interessante baseada numa interpretação muito boa, sendo aqui Romain Duris a assumir o papel principal, num registo - propositadamente - bem menos simpático que aquele que nos costuma apresentar.

O seu papel é o de Thomas Seyr, um agente imobiliário aparentemente cansado daquela vida dura e com a esperança de voltar a seguir uma paixão da sua juventude...o piano. É que, apesar a principal cena do filme ser a primeira (este é daqueles filmes que se chegarmos atrasados perdemos um pedaço de diálogo importantíssimo para explicar a motivação dos personagens), o evento central do filme é uma audição que Thomas vai fazer perante o agente da sua mãe, também ela uma pianista conceituada.

Ao mesmo tempo que faz malabarismos para conjugar as actividades semi-ilegais da sua imobiliária (espantosa a sua honestidade quando as explica) e tem as suas aulas de piano com Miao Lin, uma pianista chinesa que não fala nada de francês, Thomas tem ainda de lidar com a cada vez maior dependência do seu pai, Robert (Niels Arestup, mais uma vez muito bom mas, tal como o filme em geral, abaixo da sua prestação em Un Prophète), numa escalada de eventos que vai levar à excelente conclusão do filme.

No final o coração de Thomas Seyr pára realmente, mas apenas um bocadinho. Nesse sentido a versão inglesa do título está mais adequada. O coração dele pára quando se apercebe que por muito que se esforce por mudar o seu rumo, o mundo do antigamente não o deixará de o atormentar. Um pensamento que, cheira-me, passará por todos nós mais tarde ou mais cedo.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Indie Lisboa dia 8: Observatório curtas 1 + Au voleur

Antes de mais, olá Carolina. Bem vinda ao blog.

Hoje foi à minha terceira (e penso que última) sessão de curtas. Das três foi a que gostei menos, e - pontaria! - de todas as sessões a que fui foi a única que teve 2 turmas em visita de estudo. Os miudos devem ter ficado assustados com o cinema independente. Mas avancemos para os filmes.


Plastic Bag:

Tinha lido a descrição do filme e achei que deveria ser um filme chato. Muito me enganei. Não só é o melhor do conjunto, como é um filme bastante bom.

Chama-se Plastic Bag porque o artista principal é um saco de plástico castanho (que ou muito me engano ou não é o da foto, tsc tsc). Aparecem seres humanos, mas sempre secundarizados. Aqui o que interessa é seguir a biografia do tal saco de plástico, desde o seu "nascimento" (quando é usado pela primeira vez, num supermercado) até à sua morte e consequente subida ao Paraíso (quando, depois de deitado fora, chega ao Vórtice, algo que já tinha ouvido falar mas que nunca tinha visto antes...vejam o link, que é assustador).

Posta por palavras a história parece ser altamente secante, uma versão mais longa da famosa cena do American Beauty, mas a verdade é que se torna muito mais interessante que isso. É giro ver o mundo da perspectiva de um saco de plástico, que se apaixona pela sua criadora (a sua primeira utilizadora) e vai vivendo desilusão atrás de desilusão. (Acabei de admitir que um saco de plástico tem sentimentos? Acabei.)

É claro que o saco ter a voz do Werner Herzog (um realizador de que gosto imenso, como muitos de vós já sabem) me despertou ainda mais o interesse, mas independentemente disso é uma história com uma perspectiva filosófica interessante e uma mensagem ecológica explicitamente implícita. Nunca mais olho para um saco de plástico da mesma forma.


Phuket:

A personagem central deste filme é mesmo aquela região tailandesa, que conhecemos pelas praias e pela desgraça que foi o tsunami de 2004. Mas aqui, felizmente, só se tratam de assuntos mais positivos: seguimos Jin, uma actriz sul-coreana que revisita a zona onde apenas tinha estado com os pais na sua infância. Ela e o seu motorista vão falando de como tudo tinha mudado desde então e não nos aborrecem enquanto assistimos aos seus passeios, mas também não acontece nada de marcante ou que se possa chamar história.

Um filme sobre Phuket patrocinado pelo turismo de Phuket e por uma série de hotéis da região e que nem sequer consta na filmografia do realizador. Parece-me estranho e, tanto durante a exibição como agora, fiquei com a impressão que o que vi foi um spot publicitário de 30 minutos disfarçado de curta metragem.


The Day Was a Scorcher:


Uma curta puramente experimental, que obteve os primeiros "mas o que é que é isto, meu?" dos alunos que assistiam à sessão.

É que, realmente, tal como as duas primeiras curtas da sessão do Ben Rivers, este filme faz mais sentido num museu (ou num laboratório de cinema) do que numa sala, já que se traduz unicamente em fotografias que, através de um método de intercalação entre duas perspectivas diferentes, parecem ficar em 3d. No fundo é algo como isto, mas tem um problema grave...numa sala de cinema o constante pulsar da luz branca é um convite ao início de um ataque de epilepsia.

É um estudo de técnica cinematográfica puro. E nem sequer meteram som ao filme, para animar a malta.


One Future:
Foi o segundo filme consecutivo só com imagens paradas. Mas ao contrário do anterior este é interessante.

É verdade que a sucessão de fotografias quase parece um slideshow do Powerpoint, mas como está muito bem montado e a história que é narrada por cima das imagens é interessante (fala-nos de um mundo parecido com o 1984, do Orwell) a coisa não só se vê muito bem, como dá pena de durar apenas 7 minutos.


O estrangeiro:


Curta metragem do realizador português Ivo Ferreira (conhecido do grande público por ter sido preso no Dubai, aqui há uns anos e - menos - por realizar o filme Águas Mil, de que falei num post anterior), este O estrangeiro foi rodado em Macau e trata da procura da busca de um português que escrevia ao protagonista desde esse território, em meados da década de 90.

Filmado na Macau actual (tão diferente da Macau que era portuguesa até 1999), este filme é - parece-me - mais uma procura das memórias desse tempo e não tanto de uma pessoa real. Não conheço a biografia do autor, mas cheira-me que viveu em Macau e - como tantos outros que por lá passaram - ficou com uma grande paixão por uma cidade que agora já não existe.


A Letter to Uncle Boonme:

O segundo filme tailandês da secção, aqui não temos uma passeio bucólico por uma região balnear, mas sim memórias de um conflito filmado na aldeia de Nabua, na fronteira entre a Tailândia e o Laos.

Conhecida como a aldeia das viúvas, dado um massacre ocorrido por lá algures nos anos 60 (perpetrado pelo governo tailandês, num esforço anti-comunista...curioso, dada a situação actual do país), esta aldeia é aqui apresentada como totalmente vazia. Apenas vemos (e ouvimos) um grupo de soldados que lêem uma carta escrita ao tio Boonme, que não percebi bem quem era.

Na verdade, não percebi muito bem nenhuma parte do filme, desde o autor das cartas à razão pela qual aparece um "monkey ghost" (que tem direito a crédito e tudo!) no meio da selva. É um dos possíveis vencedores da Palma de Ouro de Cannes, este ano, mas parece-me demasiado poético para conseguir tal galardão.


e agora a longa do dia


Au voleur:


Filmado na fronteira franco-alemã, Au voleur é acima de tudo uma história de amor.

É verdade que essa palavra nunca é dita ao longo do filme. Se tivesse de descrever o protagonista (interpretado pelo Guillaume Depardieu, que tinha o nariz do pai, coitadinho) não poderia deixar de usar a palavra ladrão. Ladrão de objectos e de corações, porque se por um lado Bruno ganha a sua vida roubando tudo a que puder deitar mão, de relógios a carros, é durante uma noite de descanso num bar que rouba aquilo que mais releva para o filme, o coração de Isabelle (interpretada por Florence Loiret Caille, que já tinha visto - e gostado - em Parlez moi de la pluie), a quem - curiosamente - já tinha roubado uma pulseira.

Até então Isabelle aparentava ser uma professora-substituta de alemão acomodada com a sua vida errante e a sua solidão, mas o seu fascínio por Bruno leva-a a mudar de paradigma. Por uma série de coincidências azaradas, Bruno é procurado por um assalto que cometeu e Isabelle decide evadir-se com ele. Aprendem a viver juntos, e acaba por ser ela a salvar a vida do seu novo amor, literal e (na minha interpretação) metaforicamente.

É um filme que não vai ficar na minha memória por muito tempo, o que não é bom mas também não é necessariamente mau (o A Religiosa Portuguesa infelizmente vai). Está bem realizado (excelentes planos em contra-luz!) e tem duas interpretações muito bem conseguidas, mas se Bruno teve apelo suficiente para levar Isabelle consigo, a realizadora (Sarah Leonor) precisa de encontrar uma história mais marcante para me deixar rendido ao seu talento.