Cleveland contre Wall Street:
Cleveland contre Wall Street ganhou o prémio do público do Indie Lisboa 2011. Foi precisamente na sessão de consagração que o vi. Porque é que não o vi antes? Porque pensava que seria como afinal é mesmo.
O tema é perfeito para ganhar prémios do público. A cruzada do underdog (desta vez os cidadãos de Cleveland, Ohio) contra a toda poderosa Wall Street. A razão? Os prejuízos que a chamada crise do sub-prime, causada pelos bancos de investimento, causaram à cidade. O movimento iniciou-se junto da população, teve o apoio oficial da autarquia e seguiu para os Tribunais...onde os advogados dos grandes bancos que causaram a crise conseguiram encher aquilo de tantos requerimentos que o caso ficou adiado sine die.
É deste ponto que o filme parte. O conceito é interessante: já que os Tribunais reais não podem julgar o caso, faz-se uma simulação do julgamento e filma-se tudo. Todas as pessoas são reais, todas as histórias são reais, até mesmo o juiz é real. Ninguém ensaiou nada, todas as regras de processo civil do Ohio foram seguidas e os jurados seguiram os procedimentos adequados...é isto que nos dizem as legendas no inicio do filme e nós só temos é de acreditar.
A execução do conceito é que podia ter sido muito melhor. É interessante ouvir as histórias daqueles que sofreram com a crise, vivendo agora debaixo da ponte com as suas famílias, é interessante até ouvir uma das testemunhas trazidas pelo advogado dos bancos - muito mais informado e convicto dos benefícios do capitalismo. Também é interessante ouvir a discussão dos jurados quando ao assunto, mas quando chegam os créditos algo nos deixa insatisfeitos...e não é só o look do filme, com ar de ter sido filmado nos anos 70 não conseguindo no entanto ser retro chic.
A meu ver a razão dessa insatisfação é mesmo o sabermos do princípio ao fim que aquilo é uma simulação. Independentemente do resultado e do que achamos sobre o assunto, sabemos que dali não vai sair nada.
Eu sou daqueles que está no meio. Não acho que as culpas sejam inteiramente atribuíveis aos bancos (os meus pais educaram-me a não consumir mais do que tenho...crédito nunca) mas a verdade é que o próprio do sistema do sub-prime e outros instrumentos financeiros similares (como os credit default swaps) são construídos com base numa premissa tão simples como assustadora: eles não vão poder pagar o empréstimo, mas só nós é que sabemos isso.
Gerentes destes bancos a ganhar milhões "oferecidos" pelo dinheiro dos mesmos contribuintes com cuja desgraça lucraram pouquíssimos anos antes não é só criminoso, é imoral e sem dúvida que todos aqueles que são responsáveis por esta crise deverão pagar. Pena é que uma simulação de julgamento não tenha eficácia legal.
Meek's Cutoff:
E assim chegámos ao último dos 25 filmes que vi no Indie deste ano. Curiosamente, ou não, foi dos que mais gostei.
Quando comprei os vouchers que poderia trocar por bilhetes do festival este foi um dos filmes que troquei logo...não o queria perder por nada e não me arrependi. Trata-se de um Western, situado no separador inicial como "Oregon, 1845". Acompanhamos um grupo de 7 pessoas (se não me estou a esquecer de ninguém) que seguem uma oitava, um guia que contrataram para os levar até às costas do Pacífico, numa altura em que aquele território ainda não era dos EUA e onde existiam "cerca de 250 americanos".
Este grupo de 8 está perdido. Contavam chegar ao seu destino em 3 semanas e já vão em cinco, sem verem a luz ao fundo do túnel. Essa luz acaba por chegar, não tem nome mas é um índio que segue aquele grupo e acaba por ser apanhado. Naquele ambiente inóspito, onde a água é escassa e não é vista há vários dias até um inimigo é visto como a salvação...
Disse há pouco que o filme é um Western e mantenho o que disse, mas devo avisar os meus queridos leitores para uma coisa: só o é em termos de localização geográfica e temporal. Se estão à espera de tiros e gajos machões estão completamente enganados. Como alguém dizia algures, este é o Western mais feminino da história...das 8 pessoas 3 são mulheres e 1 é uma criança...os restantes são homens mais ou menos de barba rija e se no primeiro plano são eles que mandam, acompanhamos mais as senhoras da expedição...talvez porque é uma realizadora que o filma?
Seja por que razão for é uma boa opção. Num filme introspectivo sobre a confiança e a fé fica sempre bem darmos mais atenção ao personagem mais confiante e mais optimista...esse personagem é Emily Tetherow, a senhora do poster ali de cima e um dos papéis da vida da ainda jovem actriz Michelle Williams. Normalmente não gosto dela, confesso, mas aqui faz mesmo um papelão, convencendo-nos (e convencendo-se) que é ela que vai dando energia a um grupo cada vez mais desesperado.
Se a Michelle Williams vai muito bem, os outros também mas acima de tudo o trabalho de realização e de fotografia que merece destaque. Os pormenores de época estão impecáveis, as paisagens quase lunares de tão desérticas são tornadas esteticamente apelativas e - algo que gosto muito de referir - a banda sonora, discreta mas quase constante, ajuda muito ao ambiente que se quer dar a esta história de provação daqueles que têm esperança num futuro melhor mesmo perante o desespero do presente.
Única queixa? A ratio de exibição do filme é 1.33 : 1. Vi agora que é propositado (pensei que fosse algum problema específico da sessão) e penso que não se adequa a um filme que devia orgulhar-se dos seus planos abertos.
E assim acabou o Indie, amanhã farei o resumo da praxe. Espero que tenham gostado tanto de ler estas SMR como eu gostei de as escrever (e ver os filmes que lhes deram origem)
Cleveland contre Wall Street ganhou o prémio do público do Indie Lisboa 2011. Foi precisamente na sessão de consagração que o vi. Porque é que não o vi antes? Porque pensava que seria como afinal é mesmo.
O tema é perfeito para ganhar prémios do público. A cruzada do underdog (desta vez os cidadãos de Cleveland, Ohio) contra a toda poderosa Wall Street. A razão? Os prejuízos que a chamada crise do sub-prime, causada pelos bancos de investimento, causaram à cidade. O movimento iniciou-se junto da população, teve o apoio oficial da autarquia e seguiu para os Tribunais...onde os advogados dos grandes bancos que causaram a crise conseguiram encher aquilo de tantos requerimentos que o caso ficou adiado sine die.
É deste ponto que o filme parte. O conceito é interessante: já que os Tribunais reais não podem julgar o caso, faz-se uma simulação do julgamento e filma-se tudo. Todas as pessoas são reais, todas as histórias são reais, até mesmo o juiz é real. Ninguém ensaiou nada, todas as regras de processo civil do Ohio foram seguidas e os jurados seguiram os procedimentos adequados...é isto que nos dizem as legendas no inicio do filme e nós só temos é de acreditar.
A execução do conceito é que podia ter sido muito melhor. É interessante ouvir as histórias daqueles que sofreram com a crise, vivendo agora debaixo da ponte com as suas famílias, é interessante até ouvir uma das testemunhas trazidas pelo advogado dos bancos - muito mais informado e convicto dos benefícios do capitalismo. Também é interessante ouvir a discussão dos jurados quando ao assunto, mas quando chegam os créditos algo nos deixa insatisfeitos...e não é só o look do filme, com ar de ter sido filmado nos anos 70 não conseguindo no entanto ser retro chic.
A meu ver a razão dessa insatisfação é mesmo o sabermos do princípio ao fim que aquilo é uma simulação. Independentemente do resultado e do que achamos sobre o assunto, sabemos que dali não vai sair nada.
Eu sou daqueles que está no meio. Não acho que as culpas sejam inteiramente atribuíveis aos bancos (os meus pais educaram-me a não consumir mais do que tenho...crédito nunca) mas a verdade é que o próprio do sistema do sub-prime e outros instrumentos financeiros similares (como os credit default swaps) são construídos com base numa premissa tão simples como assustadora: eles não vão poder pagar o empréstimo, mas só nós é que sabemos isso.
Gerentes destes bancos a ganhar milhões "oferecidos" pelo dinheiro dos mesmos contribuintes com cuja desgraça lucraram pouquíssimos anos antes não é só criminoso, é imoral e sem dúvida que todos aqueles que são responsáveis por esta crise deverão pagar. Pena é que uma simulação de julgamento não tenha eficácia legal.
Meek's Cutoff:
E assim chegámos ao último dos 25 filmes que vi no Indie deste ano. Curiosamente, ou não, foi dos que mais gostei.
Quando comprei os vouchers que poderia trocar por bilhetes do festival este foi um dos filmes que troquei logo...não o queria perder por nada e não me arrependi. Trata-se de um Western, situado no separador inicial como "Oregon, 1845". Acompanhamos um grupo de 7 pessoas (se não me estou a esquecer de ninguém) que seguem uma oitava, um guia que contrataram para os levar até às costas do Pacífico, numa altura em que aquele território ainda não era dos EUA e onde existiam "cerca de 250 americanos".
Este grupo de 8 está perdido. Contavam chegar ao seu destino em 3 semanas e já vão em cinco, sem verem a luz ao fundo do túnel. Essa luz acaba por chegar, não tem nome mas é um índio que segue aquele grupo e acaba por ser apanhado. Naquele ambiente inóspito, onde a água é escassa e não é vista há vários dias até um inimigo é visto como a salvação...
Disse há pouco que o filme é um Western e mantenho o que disse, mas devo avisar os meus queridos leitores para uma coisa: só o é em termos de localização geográfica e temporal. Se estão à espera de tiros e gajos machões estão completamente enganados. Como alguém dizia algures, este é o Western mais feminino da história...das 8 pessoas 3 são mulheres e 1 é uma criança...os restantes são homens mais ou menos de barba rija e se no primeiro plano são eles que mandam, acompanhamos mais as senhoras da expedição...talvez porque é uma realizadora que o filma?
Seja por que razão for é uma boa opção. Num filme introspectivo sobre a confiança e a fé fica sempre bem darmos mais atenção ao personagem mais confiante e mais optimista...esse personagem é Emily Tetherow, a senhora do poster ali de cima e um dos papéis da vida da ainda jovem actriz Michelle Williams. Normalmente não gosto dela, confesso, mas aqui faz mesmo um papelão, convencendo-nos (e convencendo-se) que é ela que vai dando energia a um grupo cada vez mais desesperado.
Se a Michelle Williams vai muito bem, os outros também mas acima de tudo o trabalho de realização e de fotografia que merece destaque. Os pormenores de época estão impecáveis, as paisagens quase lunares de tão desérticas são tornadas esteticamente apelativas e - algo que gosto muito de referir - a banda sonora, discreta mas quase constante, ajuda muito ao ambiente que se quer dar a esta história de provação daqueles que têm esperança num futuro melhor mesmo perante o desespero do presente.
Única queixa? A ratio de exibição do filme é 1.33 : 1. Vi agora que é propositado (pensei que fosse algum problema específico da sessão) e penso que não se adequa a um filme que devia orgulhar-se dos seus planos abertos.
E assim acabou o Indie, amanhã farei o resumo da praxe. Espero que tenham gostado tanto de ler estas SMR como eu gostei de as escrever (e ver os filmes que lhes deram origem)
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