domingo, 8 de maio de 2011

Indie Lisboa dia 4: Curling + Gravity Was Everywhere Back Then + Viagem a Portugal + This Movie Is Broken

Curling:


Enquanto assistia a Curling, o filme de Denis Côté inserido na secção Observatório do Indie deste ano, sentia-me realmente a observar um mundo aparte. Um mundo de condições extremas - o filme é passado no Norte do Canadá, onde a neve e o frio são imensos - mas que me lembrar uma coisa mais familiar.

Não sei se serei só eu mas ao assistir à história de Jean-François Sauvageau (Emmanuel Bilodeau, um famosissimo actor canadiano) e da sua filha Julyvonne (a filha real do actor) pensei frequentemente no caso Joseph Fritzl, aquele austriaco que teve a filha imprisionada na cave de sua casa durante 24 anos. Jean-François não abusa da sua filha, nem sequer a tem presa a nada - Julyvonne pode sair e passa a maior parte do tempo sozinha, de qualquer forma - mas com a sua atitude ultra rígida, o seu modo de vida espartano e o permanente medo de algo que não percebemos nunca o que é fazem com que - amando a sua filha - a prejudique gravemente.

Exemplo? Por causa dos tais medos que o pai tem Julyvonne não vai à escola. Nunca foi. E por isso demonstra limitações intelectuais que até o patrão de Jean-François e Rosie (a mãe?), que raramente a vêem, o notam.

O filme é precisamente sobre esta relação sufocante. Por não ter um pai normal Julyvonne não é uma criança normal e não tem uma infância normal...não tem amigos e, como entretém, deita-se na neve junto a um monte de cadáveres (numa cena que não percebi, devo admitir) e quando o pai a abandona (porque teve uma reacção errada a algo que não provocou) ela não liga lá muito. A relação entre eles é distante, e a nossa relação com o filme também o é.

No final do filme o pai parece querer (re)aproximar-se da filha. Talvez fosse essa a intenção so realizador, (re)aproximar-se do público. No entanto, a reacção morna que teve na sala quer-me fazer crer que a próxima sessão, dia 12 às 21h30, não deve ser muito mais calorosa.


Gravity Was Everywhere Back Then:


Filme mais original que este não vão encontrar neste Indie de certeza absoluta. Melhor que este também vai ser difícil, mas estou pronto para ser surpreendido.

Gravity Was Everywhere Back Then é a ficcionalização de uma história real que o realizador, Brent Green (não se esqueçam deste nome!) ouviu falar: em Louisville, Kentucky, Mary e Leonard Wood eram um casal mais ou menos normal até ao dia em que Mary adoeceu com cancro. A partir dessa altura Leonard começou a construir uma casa muito especial, qual Noé dos tempos modernos.

Segundo o realizador a história base é verdadeira mas grande parte do conteúdo é imaginado porque nunca conheceu os seus inspiradores. A verdade é que esse pormenor (sim, porque neste filme isso é um pormenor) não é muito relevante. A magia deste filme está muito na sua forma...não vemos uma única imagem em movimento, todas as filmagens foram feitas em stop motion se bem que com actores reais; muitas vezes o som não está em sincronia com o que vemos no ecrã e mesmo tendo em conta que Mary, Leonard e a casa são os protagonistas o realizador não se coíbe de dar o seu comentário aos eventos que vamos acompanhando.

Diz ele a dada altura que se acreditasse em deus, que não acredita, diria que os anjos devem estar a fazer um bom trabalho a distraí-lo porque parece que deus se está a cagar para muitas coisas importantes. Ao construir aquela casa, com uma torre de 23 metros a servir de lavandaria, Leonard estava a tentar chegar a deus (Leonard era crente), aproximar-se dele para lhe pedir um pequeno milagre...salvar o grande amor da sua vida.

Deus não lhe concedeu esse milagre, Mary acaba por morrer (não é spoiler, ficamos a saber disso logo no início) mas durante os 20 anos seguintes Leonard continuou a construir aquela Sagrada Família versão hardware store. Que milagre procuraria ele na altura? Essa resposta nunca nos surge, já referi que realizador e personagens nunca se conheceram, mas creio muito honestamente que o milagre que Leonard procurava era manter Mary com ele...pode não a ter curado mas a casa manteve a sua memória viva.

Fomos informados no início da sessão que devido a problemas económicos Leonard acabou por ter de vender a casa e o seu novo dono demoliu-a por ser tão diferente das restantes casas do bairro. Penso que as pessoas que destruiriam tal casa não poderão gostar deste filme (e acreditem que houve muita gente a sair a meio) mas eu gosto de pensar que a manteria assim, estranha e mágica, e eu - tal como as restantes pessoas que a manteriam como estava adorei esta que é uma obra prima do stop motion e, no geral, uma obra prima do cinema. Mesmo, para mim o cinema é isto!

Volta a passar dia 13 às 18h45. Se só puderem ver um filme deste festival este é uma excelente aposta. Mais, só existem 5 cópias deste filme a circular pelo mundo, por isso é mesmo uma oportunidade única.


Viagem a Portugal:


A coisa começou bem: antes do início da sessão actrizes do filme estavam a entregar panfletos com o título "Enquadramento Político". "Boa", pensei eu, "isto é capaz de ser interessante".

Viagem a Portugal conta uma história sobre uma realidade que conheço relativamente bem, a da imigração em Portugal. Os que me conhecem pessoalmente sabem que não sou imigrante, nasci na mítica freguesia de São Sebastião da Pedreira..a razão pela qual conheço esta realidade é de natureza profissional: durante cerca de um ano coordenei um gabinete de apoio jurídico a imigrantes e sei o que custa lidar com o SEF.

Tanya, a mulher ucraniana que inspirou esta história, também o soube. Chegou a Faro (legalmente) no dia 31 de Dezembro de 1997 para visitar o marido, um senegalês que estudou Medicina com ela em Donetsk mas que por cá trabalhou nas obras da Expo '98. Nessa altura Tanya não passou das portas do aeroporto, mas entretanto voltou e contou a sua história, história essa que segundo o realizador - Sérgio Treffaut, que ganhou o prémio de melhor filme português no primeiro Indie com Lisboetas - é "água de rosas quando comparada com outras histórias semelhantes".

A adaptação dessa história feita em Viagem a Portugal é bastante fraca, devo dizê-lo.

A Maria de Medeiros é convincente como ucraniana, mas é basicamente isso...o filme está pejado de frases escolhidas para provocar um sorriso auto-comiserante ("Nós em Portugal não somos corruptos como no teu país", diz a inspectora do SEF a dada altura), personagens secundários escolhidos a dedo para preencher o espaço do cliché (travesti brasileira? check!) e sobretudo tem um look muito muito errado. Um tema como este nunca pediria um preto e branco tão clean, por muito que o contraste entre uma ucraniana e um senegalês fique bem na tela.

O tema da imigração é fértil e merece ser explorado, mas nunca desta forma e com esta leveza de estilo. Os brasileiros, ucranianos, bengalis ou apátridas que tentam todos os dias cruzas as nossas fronteiras mereciam bastante melhor.


This Movie Is Broken:



Com um look algures entre o Nick and Norah's Infinite Playlist e o melhor anúncio da Super Bock This Movie Is Broken é um filme que tenho muita dificuldade em analisar.

Não que seja mau, é muito bom(!), a questão é que não é propriamente um filme. This Movie Is Broken é uma gravação de um concerto que os Broken Social Scene deram em Toronto a 11 de Julho de 2009 mas é um pouco mais que isso. No meio das imagens do concerto propriamente dito temos uma história de 3 amigos - Bruno, Caroline e Blake - que assistem a ele.

Uns 80% do filme são imagens da banda a tocar e isso provoca um efeito curioso e raro numa sala de cinema: à minha frente tinha bastante gente a abanar a cabeça como se estivessem mesmo a assistir àquilo. Os restantes 20% são secundários em relação ao concerto mas passam uma mensagem bonita: a música serve para nos apaixonarmos (não necessariamente em termos amorosos, também pelos nossos amigos) e para nos deixarmos entregar aos bons momentos da vida.

Foi uma excelente maneira de acabar a maratona do dia e se gostarem da banda (ou do estilo de música) ainda o podem apanhar dia 14 às 19h15 no São Jorge. Se não gostarem não vale a pena irem ver.

Amanhã já sei qual vai ser a minha banda sonora.

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