segunda-feira, 26 de março de 2012

Juan de los muertos

Juan de los muertos:


Tendo mais a ver com Shaun que com Dawn of the Dead, Juan de los muertos (título inglês: Juan of the Dead) é uma paródia aos filmes de zombies vindo da improvável Cuba. O protagonista da história é Juan, um bon-vivant que tem tudo menos ar de herói (por isso mesmo Alexis Diaz de Villegas foi uma excelente escolha por parte do realizador) e que terá de improvisar para sobreviver ao apocalipse zombie que caiu sobre Havana e (quem sabe) o resto do mundo.

Mas Juan não está sozinho, tem consigo a sua filha e um conjunto de vizinhos altamente improvável (dentro do qual Lázaro - Jorge Molina - é o meu preferido, de tão parvo que é). Como bons cubanos que são, Juan e o seu grupo vão tirar proveito da situação criando uma empresa de exterminação de zombie. "Juan de los muertos, matamos a sus entes queridos" passa a ser um jingle comercial.

Partindo desta premissa, que depois evoluí para uma luta pela sobrevivência do grupo, Juan de los muertos não desilude. Tem muito mais piadas que sustos, mas acho que ninguém que veja este filme tem outra ideia em mente.

Transpor toda a historiografia zombie para um relaxado país tropical como Cuba é uma ideia bem sucedida (além do trocadilho do título) e muitas das gargalhadas derivam precisamente desse contexto, o chamado peixe fora de água. Por isso mesmo, torna-se difícil descrever o filme sem estragar muitas das cenas e recomendá-lo para além da equação que me levou a ir vê-lo: filme de baixo orçamento + zombies + Cuba! Se acham piada a essa premissa, vão gostar do filme.

Curiosamente, algo que me surpreendeu foi a quantidade de conteúdo político. Durante Juan de los muertos a televisão estatal cubana atribui as culpas do surto zombie a "manobras imperialistas americanas" mas tal (como muitos outros pedaços de diálogo) é usado como crítica humoristica ao regime dos irmãos Castro. Ora, não sei se Raúl será mais fã de cinema fantástico que Fidel, mas ao autorizar esta história (e co-produzi-la com a espanhola TVE), permitindo inclusivamente filmagens em alguns dos mais "sagrados" locais públicos habaneros, o regime cubano parece estar a desempoeirar e a abrir portas ao disparate.

Na minha opinião só tem a ganhar com isso. Já dizia o outro que a vida é demasiado importante para se levar a sério...mesmo quando envolve zombies.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Lola rennt



Lola rennt comete uma proeza provavelmente inigualada no cinema mundial: dura apenas 81 minutos e mesmo assim repete a sua história na integra quatro vezes (com algumas diferenças entre as versões, claro). É um filme ao som do techno que tanto caracteriza Berlim e, com uma average shot lenght de 2,7 segundos, deve o seu sucesso à incrível pica que consegue manter.

A premissa é relativamente simples: Manni, o namorado de Lola, é um daqueles criminosos fraquinhos que só fazem asneira. No caso concreto, Manni perdeu 10.000 marcos (o filme é antigo, agora seriam cerca de € 5.000) que pertenciam a um traficante de drogas e tem cerca de 20 minutos para os arranjar, caso contrário vai nadar com os peixinhos. Desesperado, liga a Lola e esta tem uma ideia. Neste período de tempo vai tentar arranjar o dinheiro e encontrar-se com o namorado a tempo de entregar o dinheiro ao traficante. Como é que vai fazê-lo? Durante o filme são-nos apresentadas quatro versões diferentes, com o ponto comum de envolverem muita correria pelas ruas de Berlim.

Nada em Lola rennt (título inglês: Run, Lola, Run) é especialmente fantástico. Apesar dos dois actores principais (Moritz Bleibtreu e Franka Potente) serem hoje em dia a-listers na Alemanha a verdade é que o filme já é de 1998 e a sua inexperiência à altura nota-se. A história também não é propriamente profunda ou tocante, o que aqui interessa é mesmo o ritmo e nesse campo não terão visto muitos filmes como este...Lola rennt é o equivalente cinematográfico a ver a final dos 100 metros nos Jogos Olímpicos e por ser tão acelerado os seus pontos mais fracos passam depressa enquanto que as boas impressões ficam por mais tempo.

domingo, 18 de março de 2012

Año Bisiesto

Año Bisiesto:


Para entenderem o espírito de Año Bisiesto, filme mexicano que em 2010 ganhou o prémio Caméra d'Or em Cannes o ideal é que oiçam a única música que contém. Chama-se Flores para Ti, surge apenas nos créditos finais mas diz-nos insistentemente que "lamento, desilusión y dolor son también compañeros del amor". Fica a ideia de que essa triste lenga-lenga esteve na cabeça da sua protagonista durante o mês de Fevereiro do ano bisexto em que a história tem lugar.

Laura é uma mulher solitária, perturbada e com alguns comportamentos que mais depressa caberiam numa descrição masculina: alimenta-se à base de sopas aquecidas no micro-ondas, masturba-se doentiamente e (quase) todas as noites traz alguém novo para casa, com quem tem relações sexuais sem sequer conhecer o seu nome. Toda essa rotina altera-se quando conhece Arturo, um homem que a usa para pôr em prática as suas fantasias sado-masoquistas.

A relação entre os dois rapidamente se torna doentia. Laura não apresenta objecções às investidas de Arturo mas não aparenta gostar do que se passa...apenas aceita aquela relação por ser o mais próximo que tem do amor. Laura mente-lhe, como mente a todos os outros com quem se relaciona, fazendo passar a ideia que tem uma vida bem mais interessante e preenchida do que na realidade tem. Na verdade Arturo não o imagina, mas acaba por ser o melhor que aconteceu a Laura.

Quando o final desse Fevereiro se aproxima o calendário em que diariamente Laura marca o passar dos dias vai ficando mais cheio, cada vez mais perto do dia 29. Nesse mais raro dos dias morreu o pai de Laura e, com o aproximar-se do quarto aniversário, Laura deseja juntar-se-lhe. Quer morrer e vê em Arturo e nas suas aventuras a forma perfeita de o fazer.

Como dá para ver pelo que escrevi acima, Año Bisiesto está longe de ser um filme fácil de se ver. Lamento, desilusão e dor são partes integrais desta história, às quais se junta um trabalho de câmara ultra-minimalista e um ritmo avassaladoramente lento. Seca, portanto, pensariam vocês, mas por acaso não. Não considero que esteja ao mesmo nível de Hunger ou de Me You and Everyone We Know (outros dois filmes que venceram este importante prémio para melhor longa metragem) mas, sobretudo pela grande contenção na realização e pelo trabalho da actriz principal (Monica del Carmen, que se expõe física e psicologicamente ao longo da história), Año Bisiesto é um filme muito relevante sobre o desespero a que a solidão das grandes cidades nos pode levar.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Shame

Shame:


Em 2008, quando vi Hunger - a primeira das até agora duas longas do britânico Steve McQueen - levei um murro no estômago que ainda hoje recordo. Em 2012 vi Shame, o seu segundo filme e segunda colaboração com o muito falado mas imerecidamente pouco premiado actor alemão Michael Fassbender e levei mais um murro que, apesar de menos forte, creio ir recordar por alguns anos.

A história de Shame - vergonha, em inglês - é a de Brandon Sullivan, um bem sucedido nova-iorquino com uma adição pouco conhecida: o sexo. Tal como alguns perdem horas a fio em busca de drogas ou novas formas de se embebedar depressa e barato, Brandon destrói o seu computador do trabalho com vírus de inúmeras visitas a sites porno e a sua dignidade recorrendo a prostituição barata mesmo quando tem a hipótese de iniciar uma relação. Para Brandon o sexo não é mais do que o acto físico e o seu corpo ressente-se quando não tem a dose necessária ao saciar dessa necessidade.

Este tema poderia ser facilmente transformado numa comédia adolescente à la American Pie, mas a dupla McQueen e Fassbender voltam a transformar em sublime algo que noutras mãos poderia ser apenas bom. A realização é primorosa (o realizador é também artista plástico e, tal como em Hunger, demonstra dominar a composição visual das suas cenas melhor do que a sua experiência o indicaria) e a interpretação de Fassbender obriga-me a concordar com os muitos que criticaram a Academia por não o ter sequer nomeado para o Óscar de melhor actor. (Mas já se sabia, este tema é demasiado polémico para esse tipo de prémios)

Paralelamente à história de Brandon temos a de Sissy (Carey Mulligan, também ela a confirmar ser uma das grandes actrizes desta geração), sua irmã e mulher profundamente insegura a nível psicológico. O seu passado não nos é transmitido mas apercebemo-nos facilmente que Sissy terá feito muitas escolhas erradas na vida e é por isso que acaba no apartamento do irmão, sem mais para onde ir. É através dela que iremos descobrir que algo de muito errado se passou na infância dos dois. Não sabemos o quê, mas que deixou marcas profundas lá isso deixo...Brandon não consegue relacionar-se com ninguém, Sissy sim, mas de uma forma tão dependente que afasta qualquer paridade entre ambos os membros de um casal.

À volta de Brandon e Sissy passam muitos outros personagens mas nenhum acaba por ficar. Os irmãos Sullivan são prisioneiros do seu passado e Brandon, em particular, desliga-se de tudo e todos de uma forma que não fica muito longe do Patrick Bateman de American Psycho.

No final a impressão que fica é a de que as (muito diferentes) dependências de Brandon e de Sissy são a prova provada daquela frase que diz que não nos podemos sentir mais sós do que no meio de uma multidão. A Nova Iorque que habitam está cheia de "presas" (veja-se a cena inicial e a cena final) mas tanto Brandon como a sua irmã estão fora dali...cada um escolheu um meio de se libertar das âncoras que lhes afundam o espírito e no final fica a pergunta: será que se prova uma outra frase feita, aquela que diz que é preciso bater no fundo para se voltar a subir?

No fundo da cadeira estava eu quando os créditos começaram a rolar. Se o impacto dos filmes se medir por esse critério Steve McQueen pode orgulhar-se de me ter esmagado duas vezes em dois filmes, um sucesso de 100% que me cheira que se vai repetir nos próximos passos da sua carreira.

terça-feira, 13 de março de 2012

Almanya

Almanya:


Explorando o recente filão de filmes chamados "Bem-vindos ao..." este filme foi promovido internacionalmente como Willkommen in Deutschland - Welcome to Germany, mas é importante que fique bem claro que está longe de ser um desses filmes em que se colocam pessoas de uma parte de um país noutra parte (mais bizarra) do país.

É verdade que Almanya vive um pouco daquelas diferenças culturais que eu tento ir indicando no meu outro estaminé, mas o segredo do seu sucesso não são as gargalhadas mas sim o charme com que é retratada a viagem de Hüseyin Yilmaz (Vedat Erincin) e sua família à Turquia de onde emigrou nos anos sessenta, rumo a uma Alemanha. A comédia baseada nessas disparidades é o resultado imediato mas emoções são o que ficam passados uns dias.

Tal como centenas de milhar de seus concidadãos Hüseyin partiu da Turquia ao abrigo da política alemã de acolher gastarbeiter, tal como o fizeram muitos portugueses, espanhóis, gregos ou italianos. O que tinham em comum era o total desconhecimento da sociedade para onde iriam viver (a juntar ao desconhecimento dessa sociedade quanto às suas tradições), o estarem ali para ganhar dinheiro e as saudades das famílias que - invariavelmente - ficaram na terra natal. Mas a história de Hüseyin é uma de sucesso...com tempo e sacrifício lá consegue trazer a família para a Alemanha (a parte do filme contada num flashback bem pensado de tão simples que é) e é na Almanya (nome turco para o país) que os seus filhos e netos crescerão, até à viagem em que - todos juntos - revisitam a aldeia ancestral.

De entre as mensagens passadas por este filme aquela que mais me tocou foi a do neto mais novo de Hüseyin, chamado Cenk, que com a sua expressividade natural transmite as dificuldades de se ser excluído pelos alemães por ser turco e pelos turcos por ser alemão. É uma situação que - dada a crise económica na Europa e o consequente aumento na emigração - poderá vir a acontecer na minha família e na de muitos dos meus amigos e que provavelmente marcou a história familiar da realizadora de Almanya, a turco-alemã Yasemin Samdereli. Aqui é mostrada ao de leve, numa boa sequência de humor, em Almanya os pontos negativos são acessórios e quase totalmente ignorados mas o tópico em si poderia ser uma fonte para filmes bem mais tristes.

A Alemanha é um país duro onde se "cair de pára-quedas" e os alemães têm alguns hábitos que deveriam ser (ainda mais) estranhos para um turco nos anos sessenta (quais? toca a ler o Coisas que se vão aprendendo!) mas é também um país acolhedor. No meio das dificuldades por que aquela família passa, as coisas são sempre mostradas de um prisma positivo e, como tal, Almanya é um bom filme para aqueles que estejam a sentir o apelo de dar o salto e mudar de poiso até terras teutónicas e queiram uma motivaçãozinha extra. Mas - aviso à navegação - as coisas só são assim tão simples no cinema.

domingo, 11 de março de 2012

Das Boot

Das Boot:


Lembram-se de há uns tempos vos ter falado de um filme israelita chamado Lebanon passado integralmente dentro de um tanque? Pois é, nessa SMR falo da claustrofobia constante que se sente ao longo do filme e, nesse aspecto, de certeza que este se inspirou neste clássico do cinema alemão: Das boot. (Lê-se bôt, não boot, como em inglês)

Não sendo tão extremo com Lebanon, a versão de Das Boot que tive o prazer de ver há uns dias também pega em nós e enfia-nos por períodos muito prolongados de tempo numa situação ainda mais claustrofóbica. Durante grande parte das mais de 3 horas e meia juntamo-nos ao Tenente Herbert A. Werner (Herber Grönemeyer) e à tripulação do submarino U-96, da marinha sub-aquática da Alemanha nazi.

Só pelo facto de acabarmos o filme a torcer por aquele grupo de 42 marinheiros, quando a história do século XX faz com que qualquer pessoa de bem seja anti-nazi por defeito prova o mérito do trabalho do realizador Wolfgang Peterson. Verdade seja dita, as afiliações políticas daquela gente são muito fracas (na tripulação existe apenas um nazi convicto, os outros são - no mínimo - indiferentes) e  não passam de um fait divers justificado pelo facto do filme ser baseado num livro que relata a história real do U-96, escrito nem mais nem menos que pela versão real do já referido Tenente Werner.

Mas o que fez deste filme de 1981 um clássico que deve ser visto 31 anos depois é a incrível tensão que se vai acumulando ao longo do mesmo, uma tensão que não sentia a ver um filme há bastante tempo. A história começa em 1941 na cidade de La Rochelle, comando naval alemão na França cooperacionista e - já agora - cidade que recomendo que visitem. Num par de cenas somos apresentados aos homens que vamos acompanhar mas rapidamente estamos dentro do submarino. 

Tal como grande parte de nós imagina, a vida a bordo de um destes navios é tão difícil como aborrecida. Os tripulantes do U-96 estão constantemente a trabalhar (quando não estão a dormir, claro) mas, ao mesmo tempo, estão sempre à espera que algo aconteça. A guerra sub-aquática que Hitler declarou à marinha britânica obriga-os a estar à escuta de cargueiros da marinha mercante e eventualmente atacá-los - uma cruzada infantil, nas palavras do comandante Willenbrock (Jürgen Prochnow) mas os oceanos são muito grandes e encontrar um inimigo é pouco mais fácil que uma agulha num palheiro. Basta pensar que estão debaixo de água (submergir significa estar exposto) num navio em que o único contacto com o exterior é via rádio. Num submarino submerso a visão é muito pouco útil...não há janelas e tudo é tão apertado que o horizonte nunca está a mais de um par de metros.
O realizador optou por criar réplicas fidedignas do submarino original. Isto significa não só um detalhe histórico impecável mas acima de tudo uma grande dificuldade nas filmagens que acabou por compensar na sensação geral do filme. O movimento das câmaras é constrangido pelo pouco espaço existente e não nos é dado um centímetro sequer que não existia nos submarinos reais.

Mas mais cedo ou mais tarde lá se encontra um inimigo e, quando isso acontece, o ritual é o mesmo: investigar se existem navios da marinha de guerra que possam atacar (a resposta, nesta altura da guerra, era invariavelmente sim), alinhar o submarino com o navio à superfície, disparar torpedos e pirar-se dali para fora antes que as cargas de profundidade comecem a rebentar. Tudo isto se passa num ritmo lento, é certo (os submarinos não são propriamente conhecidos pela sua velocidade), mas imaginem o que é assistirmos em tempo real a esta situação. É como vermos a nossa equipa ir aos penalties na Liga dos Campeões, só queremos que ganhem!

Quando a tripulação é enviada numa missão suicida então sim pensamos que vai tudo vai acabar, mas devido a uma resistência heróica (e uma acção praticamente sobre-humana) o U-96 sobrevive. Acho que já o sabiam, caso contrário o livro não tinha sido escrito, não é? Por uma vez fiquei contente que os ingleses não tenham dado cabo do canastro aos nazis, pois esta é uma história que merece ser contada e Das Boot é um clássico que deve ser visto.

Sonnenallee

Sonnenallee:


Era uma vez no Leste. A acreditar na tagline de Sonnenallee, filme de 1999 sobre um grupo de jovens da Alemanha de Leste, a vida era mais fácil e divertida do que aquilo que na realidade deve ter sido. Motivou-me tão pouco interesse que não tenho mais para dizer.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Tinker Tailor Soldier Spy

Tinker Tailor Soldier Spy:


O sucesso de Let the Right One In não passou despercebido. Depois daquela obra-prima o seu realizador, Tomas Alfredson, teve oportunidade de pela primeira vez sair da Suécia e aventurar-se num cinema com mais meios, o inglês. O resultado é Tinker Tailor Soldier Spy, a primeira adaptação ao cinema de um clássico da literatura de espiões escrito pelo maior dos seus mestres: John le Carré.

Antes do cinema este filme o livro (homónimo) já tinha sido transformado numa mini-série da BBC e, dada a grande qualidade da mesma, o maior desafio que se colocou à produção foi o de encontrar os actores certos para interpretar personagens tão icónicos. "Quem interpretará George Smiley?" era a questão do dia durante vários anos, até que Gary Oldman foi escolhido e calou todos aqueles que achavam que Smiley era Alec Guiness e mais ninguém.

Num filme como estes é realmente essencial acertar nos actores. Ao contrário do que os filmes do James Bond indiciam a vida de espião não é mulheres, casinos, Aston Martins e armas potentes...John le Carré foi espião e sabe bem do que fala: ser espião de sua majestade é mais passar imensas horas a ler documentos, outras quantas à espera que alguém entre ou saia de um apartamento e ainda mais horas a pensar. Tinker Tailor Soldier Spy é, nesse sentido, um anti-James Bond; é um filme onde se vê gente a pensar (para parafrasear uma algo que li mas que não me recordo onde) e quem vai à espera de explosões vai ficar muito desiludido.

Feito o aviso, digo-vos que Tinker Tailer Soldier Spy é melhor que qualquer James Bond. Não é tão bom como estava à espera (nem como o Let the Right One In) mas não desilude. A peça fulcral deste jogo de xadrez é George Smiley, espião reformado compulsivamente (depois de um golpe palaciano na cúpula do MI6) e a quem é atribuída a missão de desvendar a identidade de um informador plantado na sua antiga equipa.

Situada em plena Guerra Fria, a acção de Tinker Tailor Soldier Spy torna urgente a descoberta desse informador. Através dele os soviéticos têm acesso às informações mais confidenciais do lado ocidental da cortina de ferro e - como o provam numa cena inicial - não têm problemas em sacrificar quem for preciso para fazer o cheque-mate.

As minhas diversas alusões ao xadrez são propositadas. Não só porque os quatro suspeitos são identificados com as suas respectivas peças, mas sobretudo porque o combate de Smiley é quase sempre intelectual e para suceder terá de ter um melhor conhecimento das regras do jogo e um raciocínio mais rápido que os seus opositores. No MI6 de James Bond ganharia quem corresse mais depressa, aqui é a velha guarda, mais sabida e matreira, que tem a vantagem.

O ritmo do filme segue o da perseguição conduzida por Smiley (e, provavelmente, o do livro) pelo que por vezes torna-se demasiado lento, mas em momento nenhum me senti aborrecido com o que estava a ver. Sinal de que os argumentistas merecem um elogio? Sim senhor, mas não só eles. O realizador usou o mesmo esquema cromático que já tinha mostrado dominar e torna Londres uma tão cidade suja, monocromática e escura que induz a desconfiança e o conjunto de actores (basicamente tudo o que de melhor a Inglaterra tem para oferecer) mantém-se a um nível uniformemente alto.

A impressão com que fiquei foi que o processo por detrás da produção deste filme foi não a de um jogo de xadrez, mas sim um puzzle. Todas as peças foram cuidadosamente montadas para que no final tivéssemos um filme que não é fácil mas que é muito interessante.