Shame:
Em 2008, quando vi Hunger - a primeira das até agora duas longas do britânico Steve McQueen - levei um murro no estômago que ainda hoje recordo. Em 2012 vi Shame, o seu segundo filme e segunda colaboração com o muito falado mas imerecidamente pouco premiado actor alemão Michael Fassbender e levei mais um murro que, apesar de menos forte, creio ir recordar por alguns anos.
A história de Shame - vergonha, em inglês - é a de Brandon Sullivan, um bem sucedido nova-iorquino com uma adição pouco conhecida: o sexo. Tal como alguns perdem horas a fio em busca de drogas ou novas formas de se embebedar depressa e barato, Brandon destrói o seu computador do trabalho com vírus de inúmeras visitas a sites porno e a sua dignidade recorrendo a prostituição barata mesmo quando tem a hipótese de iniciar uma relação. Para Brandon o sexo não é mais do que o acto físico e o seu corpo ressente-se quando não tem a dose necessária ao saciar dessa necessidade.
Este tema poderia ser facilmente transformado numa comédia adolescente à la American Pie, mas a dupla McQueen e Fassbender voltam a transformar em sublime algo que noutras mãos poderia ser apenas bom. A realização é primorosa (o realizador é também artista plástico e, tal como em Hunger, demonstra dominar a composição visual das suas cenas melhor do que a sua experiência o indicaria) e a interpretação de Fassbender obriga-me a concordar com os muitos que criticaram a Academia por não o ter sequer nomeado para o Óscar de melhor actor. (Mas já se sabia, este tema é demasiado polémico para esse tipo de prémios)
Paralelamente à história de Brandon temos a de Sissy (Carey Mulligan, também ela a confirmar ser uma das grandes actrizes desta geração), sua irmã e mulher profundamente insegura a nível psicológico. O seu passado não nos é transmitido mas apercebemo-nos facilmente que Sissy terá feito muitas escolhas erradas na vida e é por isso que acaba no apartamento do irmão, sem mais para onde ir. É através dela que iremos descobrir que algo de muito errado se passou na infância dos dois. Não sabemos o quê, mas que deixou marcas profundas lá isso deixo...Brandon não consegue relacionar-se com ninguém, Sissy sim, mas de uma forma tão dependente que afasta qualquer paridade entre ambos os membros de um casal.
À volta de Brandon e Sissy passam muitos outros personagens mas nenhum acaba por ficar. Os irmãos Sullivan são prisioneiros do seu passado e Brandon, em particular, desliga-se de tudo e todos de uma forma que não fica muito longe do Patrick Bateman de American Psycho.
No final a impressão que fica é a de que as (muito diferentes) dependências de Brandon e de Sissy são a prova provada daquela frase que diz que não nos podemos sentir mais sós do que no meio de uma multidão. A Nova Iorque que habitam está cheia de "presas" (veja-se a cena inicial e a cena final) mas tanto Brandon como a sua irmã estão fora dali...cada um escolheu um meio de se libertar das âncoras que lhes afundam o espírito e no final fica a pergunta: será que se prova uma outra frase feita, aquela que diz que é preciso bater no fundo para se voltar a subir?
No fundo da cadeira estava eu quando os créditos começaram a rolar. Se o impacto dos filmes se medir por esse critério Steve McQueen pode orgulhar-se de me ter esmagado duas vezes em dois filmes, um sucesso de 100% que me cheira que se vai repetir nos próximos passos da sua carreira.
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