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sábado, 29 de outubro de 2011

There Once Was An Island

There Once Was An Island:
 

Antes de escrever outras coisas tenho de fazer um aviso: sou apaixonado por ilhas remotas e este filme é sobre uma. A minha opinião pode ter sido influenciada por isso, até porque - não duvidem - passei o filme todo a pensar que um dia queria ir ali. Dito isto, venha a SMR propriamente dita:

Houve em tempos uma ilha, diz-nos o título deste filme. Mas na verdade essa ilha ainda existe, pelo que têm de perceber o verdadeiro sentido do título... Era uma vez uma ilha, chamada Nukutoa, situada no atol de Takuu, território da Papua Nova Guiné mas tão isolada que os seus habitantes têm a sua própria língua e praticam uma religião descrita como a última religão polinésia dos tempos pré-contacto com os exploradores ocidentais ainda intacta.


Essa ilha tem cerca de 400 habitantes e todos eles se debatem com uma questão que pode, a médio prazo, ser de vida ou de morte: a ilha tem uma altitude média baixíssima e por isso tem vindo a sofrer e muito com o aquecimento global. Muitos temem que em breve deixe de existir, por força das cada vez mais frequentes cheias provocadas pelo aumento do nível médio do mar. A tal questão de vida ou de morte é saber se devem ficar ou partir para outra ilha, para uma reserva designada para eles pelo Governo da Papua Nova Guiné.


Para os ajudar a resolver este dilema, uma ilhoa (SMR, a ensinar-vos novas palavras desde 2009)  que vive "na civilização" decide pedir ajuda a dois cientistas neozelandeses. Estes acabam por passar uma temporada na ilha a investigar as causas do problema e as possibilidades de o resolver. As conclusões a que chegam não são conclusivas (passe o pleonasmo): são dois e cada um tem uma ideia diferente, pelo que a comunidade continuou tão dividida como estava.


O realizador (Briar March) não caem no erro de nos apontar numa direcção. Mostram-nos o problema (e há imagens das cheias que são verdadeiramente angustiantes), apresentam-nos as soluções e apresentam-nos o ponto de vista de muitos daqueles para os quais a decisão é inevitável. O espectador logo decide se quer ou não ter uma opinião.


Aquelas 400 pessoas têm de escolher em breve. As cheias são cada vez maiores e mais frequentes, mas por outro lado o mudarem-se para outro lado implica acabar com o modo de vida que sempre conheceram e que os seus antepassados lhes ensinaram. Entretanto vão ficando, com o coração nas mãos, numa ilha de uma beleza incrível e que - como disse ali acima - me deu imensa vontade de visitar. É nestas alturas que penso que deveria ter seguido uma profissão ligada à natureza.



Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e no dia 26, o que quer dizer que já não o vêem nesta edição do festival. Com sorte apanham-no noutra altura.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Golden Dawn

Golden Dawn:


Que grande filme! A sério, que grande grande filme! Dura só 16 minutos mas esses 16 minutos foram suficientes para me encher de vontade de fazer o meu próprio documentário. Haverá melhor elogio que se possa dar?

Golden Dawn apresenta-nos o quotidiano de um grupo de pescadores holandeses algures no Mar do Norte, enquanto tentam ganhar a sua vida naquela que é uma das mais antigas profissões do mundo. O tema em si não difere muito de alguns programas que passam no Discovery Channel, agora que a pesca de alto mar virou moda, mas aqui - ao contrário do que costumo fazer - vou dar mais valor à forma que ao conteúdo.

É que este filme é de uma beleza imensa. Ao mesmo que é frio e maquinal (a pesca e os pescadores não são os temas mais charmosos de sempre) consegue ser, palavras do resumo do Doc, poético na forma como retrata esta actividade. Vê-se que não foi uma obra de realização complexa (diria que foi filmado com uma câmara daquelas que se podem comprar nas lojas) mas a atenção dada à composição de todas as cenas/todos os frames é tanta e a banda sonora, de Filipe Felizardo, é tão boa que conseguem transformar o despejar de duas redes de arrasto numa dança. Repito, o filme acabou e eu só pensava em que temas poderia mostrar num documentário de estilo semelhante.

Maaaaaaaaaaaaaaaas, apesar de todos os elogios que já lhe dei tenho de dar um valente puxão de orelhas à realizadora (Salomé Lamas) por ter deixado que os quadros explicativos finais (não sei que outro nome lhes dar) viessem público com tantos erros de inglês: "Mi" em vez de "My" ou "To" em vez de "Too" e, ainda pior, "No mi son" em vez de sei lá o quê são falhas imperdoáveis para alguém que submete um filme a uma competição.


Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e volta a passar no dia 29, às 18h30, no Pequeno Auditório da Culturgest.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Guañape Sur

Guañape Sur:


O dicionário Priberam da língua portuguesa define guano como sendo "adubo de substâncias orgânicas e, particularmente, do excremento das aves". Trata-se de uma substância tão importante para a economia do Perú que o próprio termo deriva da língua dos seus povos indígenas, o quechua. Hoje já não tão importante como outrora foi mas ainda é explorado comercialmente pelo governo local.

Neste documentário seguimos uma expedição comercial organizada pelo Ministério da Agricultura peruano. A cada onze anos são contratadas várias dezenas de trabalhadores que terão como missão separar o precioso guano da restante porcaria deixada por centenas de milhares de pássaros durante os dez anos anteriores. Como diz o capataz no pep talk inicial, guano não deixa de ser caca e como tal pode trazer doenças àqueles que o aspirem; usem máscaras, é o conselho, mas nem uma única se vê a ser usada durante o filme. Os trabalhadores simplesmente não as usam.

O realizador (alemão, János Richter de seu nome) decide não se focar nesse problema. Aliás, a questão das máscaras e das eventuais consequências para a saúde daqueles homens nem sequer é abordada (eu é que tenho a tendência para pensar nesses assuntos). O foco do filme é a actividade em si, não aqueles que a exercem.

"É uma escolha acertada?" perguntam-se vocês (ou pelo menos perguntei eu). Acho que sim, dados os constrangimentos de tempo a opção por abordar o passado, o presente e o futuro daqueles homens seria demasiado. Assim, deixou-se a prospeção de guano falar por si mesma, acompanhada do constante piar das aves que habitam aquele rochedo e de uma composição visual muito interessante e prometedora para alguém que tem aqui a sua primeira obra.




Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou dias 21 e 24 mas só hoje é que tive oportunidade de escrever a SMR.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

The Redemption of General Butt Naked

The Redemption of General Butt Naked:


The Redemption of General Butt Naked é um documentário que tem nome de filme porno mas que, em dados momentos, podia transformar-se em filme de terror. Fala-nos da história de Joshua Milton Blahyi, guerrilheiro liberiano que ganhou a alcunha de General Butt Naked por liderar um grupo de combatentes que enfrentavam os seus inimigos completamente nus, crentes numa protecção divina que os tornaria invencíveis.

Quando ouvi esta última parte tive de me lembrar de um outro documentário, Invisible Children: Rough Cut. Nesse filme é-nos explicado que também no Uganda o exército de Joseph Kony por vezes combate nu, crente na mesma protecção divina. Isso é, claro, o menos relevante nestes dois importantes filmes, mas não deixa de ser curiosa a ligação, por nos permitir prescrutar a mente de dois monstros que espalham o caos e a dor e mesmo assim se sentem protegidos pelas suas divindades, o diabo na Libéria, deus no Uganda.

Mas neste filme sobre o General Butt Naked o título apresenta uma outra palavra, ainda mais importante para a história que se quer contar: redenção.

Ao contrário do que se passa no Invisible Children aqui o "monstro" é filmado pelos realizadores...Joseph Kony aparece só em alguns frames mas o General Butt Naked é o protagonista do filme, estando em cena na grande maioria do tempo enquanto conta a sua história, espalha a sua nova mensagem e pede desculpa aos que magoou ou aos seus familiar. Os tempos são de redenção para Joshua Milton Blahyi.

Isto porque ao fim de uma série de anos a cometer as maiores barbaridades da guerra civil liberiana Joshua teve uma visão: Jesus apareceu-lhe, fê-lo ver o quão errado estava ao comportar-se assim e mudou-lhe a vida para sempre.

Por vezes a conversão de Joshua parece ser honesta, vê-se que ele acredita nas palavras que diz, faz o que pode para ajudar aqueles que prejudicou (embora mantenha uma série de gadgets e roupas caras num país paupérrimo) e, segundo o filme, foi um dos poucos (senão o único) dos guerrilheiros dessa altura que se apresentou publicamente perante a Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR) criada em 2005 e confessou as atrocidades cometidas. Mas, apesar disso, devo confessar que não consigo acreditar totalmente nele: quando vemos os seus sermões na igreja (Joshua é agora um "ministro" religioso) ou quando o vemos a apresentar as suas desculpas àqueles que magoou podemos testemunhar que sua agressividade continua lá por inteiro...Joshua parece ser um barril de pólvora que por agora está controlado, mas que a dada altura poderá voltar a explodir.

Se assim é ou não não sou eu que posso confirmar, deixo-o para quem convive com ele mais de perto, mas não deixa de ser interessante ver que a grande maioria daqueles a quem Joshua pede desculpa ("Sorry", diz ele, uma palavra demasiado fraca para os horrores que motivou) deseja que ele ainda venha a ser punido pelo que fez. O ter-se apresentado na CVR fez com que fosse indultado pelo que pode andar livremente na Libéria, sem vir a ser perseguido judicialmente mas ainda há muitos que querem que pague pelos males que fez. No final do filme também vocês terão o vosso veredicto.


Este é mais um documentário no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e volta a passar dia 28, às 21h45 no cinema Londres.

Koniec Lata

Koniec Lata:


Koniec Lata (O fim do Verão, em polaco) é uma curta metragem de 32 minutos que nos apresenta a realidade de uma escola militar russa. Nele ouvimos os testemunhos de jovens de 7, 11 e 16 anos e - em geral - vemos como a escola funciona.

Em Portugal existem também algumas escolas militares e apesar de conhecer algumas pessoas que lá estudaram confesso que nunca abordei com elas o assunto. É por isso que aproveito agora para perguntar a algum leitor que tenha essa experiência: é normal haver tanta desumanização dos alunos destas escolas? Em nenhum momento deste filme se testemunha qualquer cena de violência ou de antipatia dos mais velhos para com os mais novos (antes pelo contrário), mas fiquei com a impressão de que as crianças que ali entram saem mais autómatos que adultos. Talvez seja essa a ideia fundamental da instrução militar, mas quando o testemunho incomoda-me.

Tomemos como exemplo o jovem de 7 anos que apresenta o seu testemunho: é comandante da "1.ª tropa" (na escola observada os anos dividem-se por tropas) e tem como funções observar e garantir a organização, respeito e disciplina dos seus camaradas. Até aqui tudo bem, nós também temos delegados de turma (existem na escola primária? Não me lembro), mas um dos corolários dessa sua função é ter de avaliar quinzenalmente os seus colegas, em público (perante a turma e os professores) dizendo-lhes o que fizeram de mal e como deveriam corrigir. Parece-me um pouco demais para sete anos, mas - verdade seja dita - o nosso "comandante" parece gostar.

Por nos mostrar esta realidade tão distante (geografica e mentalmente) este documentário merece ser reconhecido. Está bem filmado, bem estruturado e mostra aquilo que parece querer mostrar desde o início, que as escolas militares (pelo menos as russas) podem ser uma boa solução para educar crianças num país tão grande que faz com que o exército seja a única instituição verdadeiramente nacional, mas essa educação traz como consequência o retirar da juventude aos jovens que recebe.


Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Foi hoje a última das duas sessões.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Susya

Susya:


A história deste filme é simples de contar: um homem palestiniano de 60 anos decide voltar, com o filho de 25, à terra da sua família. Anos antes havia sido expulso pelos militares israelitas e para voltar a ver o que era seu teve de pagar bilhete, pois a sua terra natal foi transformada em espaço arqueológico.

As causas e consequências do que aqui se passa são muito mais profundas: pai, filho e restante família foram expulsos da sua terra por força da política de colonatos israelita e para além do triste que é terem de pagar bilhete para ver a sua antiga casa, ainda acabam expulsos dessa sua visita turística por um grupo de soldados israelitas que os vê como uma ameaça. Trata-se de apenas mais uma pequena peça no enorme (e irresolúvel) puzzle que é a questão israelo-palestiniana.

Esta curta não é nada de especial a nível técnico (dá-nos aquela sensação de "até eu podia fazer isto") mas não deixa de ter o seu interesse por pôr em foco mais um aspecto da ocupação israelita do território palestiniano e do drama que deve ser ser-se expulso do nosso país/da nossa aldeia sem que ninguém possa fazer nada por nós.

Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e volta a passar dia 26 às 18h, na Culturgest.

Gesto

Gesto:


Esta SMR não é uma crítica ao filme, é uma carta ao seu protagonista  (António Coelho), que conheço de outros tempos e outras andanças.

"Caro António,

Talvez não te lembres de mim à primeira e por isso devo apresentar-me. Chamo-me João e fui teu formador no projecto MOVA, no CED Jacob Rodrigues Pereira. Talvez de lembres de mim pelo meu nome gestual, relacionado com a minha poupa de cabelo.

Durante esse projecto tive o prazer de te mostrar a ti e aos teus colegas que não são algumas limitações físicas ou sociais que nos impedem de sermos pessoas completas, com projectos de vida bem estruturados e capazes de conviver com o mundo exterior. Infelizmente tive de sair antes do final do projecto mas soube, pelos colegas que me sucederam, que foi um sucesso. Fiquei feliz por sabê-lo, pois desde a altura em que primeiro entrei em contacto convosco que acho o CED Jacob Rodrigues Pereira uma grande escola e os seus alunos grandes exemplos de inteligência, cultura e vontade de aprender.

Escrevo-te pois ontem à noite voltei a ver-te. Desta vez vi-te num filme mas reconheci-te de imediato. Foi bom ver que continuas a sonhar alto, como já na altura demonstravas fazer e que não desistes do teu sonho de cinema. Houve um dia em que vos mostrei um filme do Charlie Chaplin e já na altura demonstraste um interesse especial na análise daquelas imagens.

Mas ontem, ao ver-te como a "estrela" do teu próprio filme lembrei-me sobretudo de outra coisa. No final da minha colaboração no projecto passámos um fim de semana juntos na Colónia d'O Século, lembras-te? Pois eu nunca mais me esqueci da conversa que tivemos os dois numa das noites. Não tinhas o intérprete por perto por isso usámos o telemóvel para falar por escrito e no final disseste-me que gostavas de mim e da minha colega por sermos ouvintes mas estarmos a dar formação a jovens surdos como tu e (alguns d)os teus colegas. Pois hoje, passados uns dois anos e tal digo-te que ao ver o filme Gesto sou eu que te agradeço, pela inspiração que foste na tua crença de que todas as barreiras são ultrapassáveis.

Espero, muito honestamente, que o teu sonho continue vivo e que um dia nos encontremos por aí, tu realizador e eu ainda aqui a escrever as minhas críticas de cinema. Boa sorte!"


P.S.: Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou ontem, dia 23 e infelizmente já não volta a passar, mas se o mundo for justo voltarão a ouvir falar dele e terão oportunidade de o ver noutra ocasião. É um filme que, tendo algumas falhas, serve como uma ponte para o outro mundo que é a comunidade surda portuguesa.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

DocLisboa 2011

Aviso à navegação! Começa hoje a edição de 2011 do Doc Lisboa.

Não vou poder fazer uma cobertura tão intensa como fiz o ano passado mas conto ver mais filmes e, sabem bem, fazer as respectivas SMR. Vou tentar ao máximo escrever no dia da sessão, mas desde que não se importem com ler a SMR sem ser no dia estamos todos bem, já que todos os filmes serão marcados com o tag "Doc Lisboa".

Aproveitem o festival e aprendam enquanto vêem cinema. É por isso que adoro documentários!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Doc Lisboa dia 7: nadinha de nada

Hoje tinha planeado ir ver o Skinhead Attitude. Fui hoje à hora do almoço comprar os bilhetes e informaram-me que já estava esgotado.
Como já não vou a mais nenhum filme do Doc este ano aproveito para me despedir (do festival, não das SMR) e sugerir a alguém que tenha visto o filme para me mandar a sua crítica, para eu a publicar aqui.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Doc Lisboa dia 5: Crossing the Bridge: The Sound of Istambul

Crossing the Bridge: The Sound of Istambul:


Há muito que não passava tanto tempo de olhos fechados durante uma sessão de cinema!

Não tenho por hábito dormir em salas de cinema. Por muito cansado que esteja consigo (quase) sempre manter-me de olhos abertos e ver o filme com atenção, sendo a única excepção que me recordo o Topsy Turvy, e mesmo esse só adormeci em condições muito especiais.

Em Crossing the Bridge, um filme de Fatih Akim realizado antes do aqui analisado Soul Kitchen mas só agora exibido (pelo menos perante os meus olhos) também não adormecei. Apanhei-vos não foi, marotos? Passei muito tempo de olhos fechados porque num filme em que a música assume todo o protagonismo valeu a pena apreciar assim mesmo o som que vem do magnífico sistema de som do São Jorge.

Já tinha dito na SMR ao Soul Kitchen que a banda sonora era de primeira qualidade e aqui pude confirmar que o realizador tem muito bom gosto musical. Neste filme resolveu explorar as várias cenas musicais de Istambul, capital do seu país de origem, desde a música tradicional ao hip-hop, e o resultado final é - a nível sonoro - muito bom.

Ao longo da hora e meia do filme é Alexander Hacke (baixista dos Einstürstende Neubaten) que nos guia pelas ruas de Istambul para nos apresentar algumas das suas descobertas musicais. É curioso que apesar do título e do foco geográfico do filme a cidade em si não tem muito protagonismo, sendo pouco explorada enquanto espaço urbano mas apenas como ponto de encontro de culturas musicais diversas.

É por isso que não somos apresentados a monumentos como a Hagia Sophia ou ruas como a Ataturk Boulevard e quando os vemos é mais por recurso a imagens de arquivo que propriamente com filmagens feitas pelo realizador. O (excelente) trabalho de Fatih Akim neste filme é sobretudo o de fazer uma excelente edição de imagem e som, em que a música, as entrevistas e as opiniões do narrador se fundem de uma forma tão boa que não queremos deixar de conhecer mais aprofundadamente aquela música. O único problema é, a meu ver, o ter optado pela música mais calma para o final do filme...em termos de energia do público a coisa provavelmente funcionaria melhor ao contrário.

Se são apaixonados por Istambul e não se interessam muito por música não vale a pena. Se são como eu (e muitos de vocês são, que eu bem sei) e têm na música uma outra grande paixão toca a ver este filme e a descobrir (consoante o gosto) os Baba Zula, os Duman, os Replikas, o Ceza ou Orhan Gencebay (vale a pena carregar no link nem que seja só para ver O bigode). Eu gostei de os descobrir e posso confirmar que já estou a fazer as minhas próprias explorações.


O filme passa de novo dia 23 às 23h.


P.S.: Um pormenor que quase ninguém reparou, aposto, é que foi o Andrew Bird a fazer a edição de filme. Não é o Andrew Bird que muitos de vocês podem conhecer do meio musical, mas isso não interessa nada!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Doc Lisboa dia 4: Claude Lévi-Strauss: Return to the Amazon

Claude Lévi-Strauss: Return to the Amazon:



Já conhecia o nome de Claude Lévi-Strauss há uns tempos. Não me lembro em que contexto ouvi falar dele mas devo confessar que quando vi o nome no programa no Doc não o associei a nada, tanto que nem estava nos meus planos ir ver este filme. (Ia ver o Hitler's Hit Parade, que estava esgotado hoje...deviam ter posto este filme numa sala maior, senhores organizadores)

Foi, portanto, por acaso que dei hoje por mim no cinema Londres a ver aquele que muito provavelmente será o meu filme preferido desta edição do festival. A descrição não o deixaria antever, as minhas expectativas não o previam mas aconteceu.

Ainda mais que na ficção, a principal razão pela qual adoro documentários é o poder testemunhar histórias que não a minha, ver realidades que não conheço e viver vidas que não vivi e neste filme tive a sorte de ser apresentado à realidade do povo Nambikwara, estabelecido algures na floresta amazónica e estudado pela primeira vez em 1939 pelo senhor que ainda hoje é considerado o pai da antropologia.

Os Nambikwara são um povo indígena que teve o azar (ou a sorte, para quem pense ao contrário de mim) de ver o seu território cruzado pela linha telegráfica logo em inícios do século XX. Claro que isso facilitou o seu encontro com o "homem branco" e a consequente miscigenação cultural (sim, usei a palavra miscigenação). Felizmente ao longo do filme vemos imagens fotográficas e até alguns vídeos filmados por Lévy-Strauss intercaladas com imagens actuais dos restantes Nambikwara e conseguimos aperceber-nos que algumas tradições ainda se mantêm.

Enquanto que noutras ocasiões aproveitaria para falar agora dessas tradições, aqui não o vou fazer - é realmente complicado aprofundar muito as minhas ideias sobre tradições que desconheço e que apenas vi neste filme - mas não quero deixar de referir que fiquei contente por ver que mesmo após anos de "colonização" destes povos indígenas as tradições ainda se mantêm, contra todas aquelas coisas que nós vemos como básicas mas que para gente de outros povos não o é.

Esperemos é que, com a crescente exploração da floresta amazónica para fins económicos, estes povos consigam mais uma vez sobreviver. Honestamente parece-me mais difícil, porque agora o inimigo é maior e mais destrutivo, mas espero estar enganado e daqui a uns anos poder ver uma espécie de sequela deste filme, em que nos mostrem as crianças que vi hoje a viver como adultos da sua cultura.




P.S.: Não, não me esqueci de fazer SMR ao filme de ontem, não vi foi filme nenhum. Fica aliás o aviso que não haverá posts todos os dias do Doc. É verem quando haverá

sábado, 16 de outubro de 2010

Doc Lisboa dia 2: Congo in Four Acts

Congo in Four Acts:



Avaliar um documentário é mais difícil que avaliar ficção, mesmo quando só se diz disparates como eu. É que de tempos a tempos lá vem um daqueles filmes que parece não ter qualquer "factor de redenção" mas que ainda assim tem algum interesse.

Este Congo in Four Acts é um desses casos: nenhum dos seus 4 actos (Ladies in Waiting, Symphony Kinshasa, Zero Tolerance e After the Mine) tem uma temática daquela que nos enchem as medidas. Já vou dizer quais as histórias, mas por agora fica a informação de que são 4 curtas de 4 realizadores congoleses que foram editadas para que se tornassem apenas uma longa.

Quando digo editadas quase tenho de me rir, porque para mim colocar um separador preto com letras brancas entre os filmes sem explicar minimamente o contexto do filme, sem haver algo que se pareça com um narrador e sem haver o mínimo fio condutor não me parece tanto um trabalho de edição como o que na realidade é - utilizar o copy/paste não no Word mas no iMovie.

É assim que caímos em Ladies in Waiting, a primeira das curtas, verdadeiramente de pára-quedas numa maternidade de uma cidade que não é em Kinshasa mas que também não nos é explicado onde é. Aqui o que é interessante ver é o facto de a maternidade aceitar pagamentos em espécie (i.e., deixar os brincos ou a televisão) e o prender as mulheres lá dentro enquanto não pagam as contas.

É assim que caímos em Symphony Kinshasa, o pior dos filmes (já que nem dentro do próprio filme tem o tal fio condutor) mas que tem como mensagem mostrar as quantidades absolutamente gigantescas de lixo que poluem as ruas de Kinshasa e os efeitos das frequentes cheias da cidade.

É assim que caímos em Zero Tolerance, o melhor dos filmes, uma espécie de Cops à congolesa, em que seguimos uma agente da polícia enquanto ela tenta resolver dois crimes que não aconteceriam nos EUA (daí nunca irem aparecer no Cops) dois jovens de 13 anos que violaram e espancaram uma senhora alcoolizada supostamente "para a obrigarem a ir para casa descansar" e outro que - segundo a vítima - violou uma senhora idosa que, segundo o acusado, apenas a estava a proteger, apesar de ser bruxa e lhe querer matar a família toda.

É, finalmente, assim que caímos em After the Mine, em que vemos como a população que sobrou após o encerramento de uma importante mina diamantífera vai sobre vivendo, mas sempre com recurso à única técnica de realização que os realizadores parecem conhecer: ligar a câmara e ouvir as pessoas falar. Este método, de parecer que apenas se ligou a câmara, funciona bem quando a edição e montagem são bem feitas, aqui não.

Nenhum deles tem grande interesse, mas apesar de tudo fiquei satisfeito por através deles ver a realidade de um país onde creio que nunca irei. Também me deu para reflectir um pouco sobre as minhas ideias quanto à ajuda ao desenvolvimento (já tenho um livro sobre o assunto na minha lista de leituras e tudo) mas vou poupar-vos ao sofrimento e não vou expor as minhas ideias aqui, não hoje.

Se quiserem voltar a ver este filme no Doc Lisboa basta deslocarem-se ao Londres dia 17 às 16h30 ou dia 23 às 22h30.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Doc Lisboa Dia 1


Chegou Outubro e voltou o Doc Lisboa, o meu segundo festival de cinema favorito. Devo dizer que em tempos já esteve empatado em primeiro lugar com o Indie, mas já apanhei tantas secas com documentários chineses que o meti em segundo lugar, mas muito muito próximo.

Ao longo destes dias de festival (que decorre até dia 24) tentarei actualizar o blog da mesma forma que fiz no Indie, SMR apresentadas no próprio dia em que vejo o filme, para que quem queira ver o filme ainda o possa fazer em eventuais reposições. Aviso já é que não terei o mesmo ritmo (40 filmes em 11 dias é imbatível!) porque agora tenho bastante menos tempo. Mesmo assim serei cliente assíduo.

Passemos, então ao primeiro filme que vi no Doc Lisboa 2010. Vamos a isso? Vamos!


Oil Rocks:


Existem três tipos de documentários que merecem ser vistos: os que têm um tema interessante e não estão lá muito bem feitos, os que são muito bem feitos e com isso compensam o tema menos interessante e, finalmente, os que têm um tema interessante e estão muito bem feitos. Neste caso diria que estamos perante um filme da primeira categoria.

Não que tenha alguma crítica em concreto em relação ao modo como o filme foi realizado (tirando o não ter respondido a uma questão que é mencionada e merecia ser explorada), mas a sua curta duração e o tom marcadamente neutro, consequência natural da profissão do realizador - jornalista, fazem-me pensar que este filme seria uma excelente reportagem num programa como o 60 minutes.

Mas o que realmente interessa aqui é o tema, e o tema de Oil Rocks, que tem ainda o sub-título de City above the Sea, é a plataforma petrolífera de Neft Daşları no Mar Cáspio, Azerbeijão, nada mais nada menos que a maior plataforma petrolífera do mundo, em área.

O título não é um exagero, Neft Daşları é literalmente uma cidade...ao contrário das plataformas petrolíferas habituais aqui encontramos centenas de estruturas ligadas por cerca de 300km de pontes, encontramos vários prédios de vários andares (onde os trabalhadores vivem), encontramos campos de futebol, encontramos comboios e muitas outras coisas que à partida associaríamos mais a cidades em terra.

Esta plataforma petrolífera foi inaugurada em 1949 (pela União Soviética, portanto) e desde então tem estado permanentemente habitada, a 6 horas de barco da costa, por uma série de pessoas que - mesmo tendo a oportunidade de ir a terra - vivem numa espécie de redoma de vidro e realmente pensam que aquilo é o melhor do mundo, a concretização do ideal da "cidade luminosa" comunista.

Claro que ao editar este filme o realizador (Marc Wolfensberger, que só obteve autorização para filmar durante 12 dias e depois teve de voltar para terra) escolheu mostrar-nos aqueles habitantes que têm histórias mais interessantes, mas não me parece que seja só Alexandra (tão feliz com os seus óculos de fundo de garrafa e a "fantástica" casa que lhe providenciaram - que, acabaremos por ver, é um único quarto sem o mínimo de condições) a viver naquela ilusão.

Talvez os trabalhadores mais jovens não se sintam assim, mas o que transparece deste filme é que os cerca de 25oo habitantes de Neft Daşları estão ainda muito imbuídos da ideologia comunista que promovia esta plataforma como a 8ª maravilha do mundo.

É essa a realidade que mais interessa, de facto. Como o realizador explicou na sessão pós-exibição, poderia ter feito um "Greenpeace movie" em relação aos - muitíssimos - problemas ambientais que esta plataforma tem vindo a ter, mas ao focar-se antes nas pessoas Marc Wolfensberger mostrou a(s) cara(s) de uma indústria e de um país em que o indivíduo é facilmente esmagado pelo lucro ou pela propaganda, respectivamente.



Vai voltar a passar, ambas as vezes no cinema Londres, dia 17 (23h) e 23 (16h30).