segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Gesto

Gesto:


Esta SMR não é uma crítica ao filme, é uma carta ao seu protagonista  (António Coelho), que conheço de outros tempos e outras andanças.

"Caro António,

Talvez não te lembres de mim à primeira e por isso devo apresentar-me. Chamo-me João e fui teu formador no projecto MOVA, no CED Jacob Rodrigues Pereira. Talvez de lembres de mim pelo meu nome gestual, relacionado com a minha poupa de cabelo.

Durante esse projecto tive o prazer de te mostrar a ti e aos teus colegas que não são algumas limitações físicas ou sociais que nos impedem de sermos pessoas completas, com projectos de vida bem estruturados e capazes de conviver com o mundo exterior. Infelizmente tive de sair antes do final do projecto mas soube, pelos colegas que me sucederam, que foi um sucesso. Fiquei feliz por sabê-lo, pois desde a altura em que primeiro entrei em contacto convosco que acho o CED Jacob Rodrigues Pereira uma grande escola e os seus alunos grandes exemplos de inteligência, cultura e vontade de aprender.

Escrevo-te pois ontem à noite voltei a ver-te. Desta vez vi-te num filme mas reconheci-te de imediato. Foi bom ver que continuas a sonhar alto, como já na altura demonstravas fazer e que não desistes do teu sonho de cinema. Houve um dia em que vos mostrei um filme do Charlie Chaplin e já na altura demonstraste um interesse especial na análise daquelas imagens.

Mas ontem, ao ver-te como a "estrela" do teu próprio filme lembrei-me sobretudo de outra coisa. No final da minha colaboração no projecto passámos um fim de semana juntos na Colónia d'O Século, lembras-te? Pois eu nunca mais me esqueci da conversa que tivemos os dois numa das noites. Não tinhas o intérprete por perto por isso usámos o telemóvel para falar por escrito e no final disseste-me que gostavas de mim e da minha colega por sermos ouvintes mas estarmos a dar formação a jovens surdos como tu e (alguns d)os teus colegas. Pois hoje, passados uns dois anos e tal digo-te que ao ver o filme Gesto sou eu que te agradeço, pela inspiração que foste na tua crença de que todas as barreiras são ultrapassáveis.

Espero, muito honestamente, que o teu sonho continue vivo e que um dia nos encontremos por aí, tu realizador e eu ainda aqui a escrever as minhas críticas de cinema. Boa sorte!"


P.S.: Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou ontem, dia 23 e infelizmente já não volta a passar, mas se o mundo for justo voltarão a ouvir falar dele e terão oportunidade de o ver noutra ocasião. É um filme que, tendo algumas falhas, serve como uma ponte para o outro mundo que é a comunidade surda portuguesa.

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