No início deste filme vemos a dedicatória: "Em nome de um povo esquecido".
Pela segunda vez, o realizador Jorge Pelicano pega num tema que lhe é muito caro, o Portugal do antigamente, vivido pelas pessoas de agora. Depois do, superior, Ainda há pastores? abordar a vida das populações do vale de Folgosinho, este Páre, escute e olhe aborda o desaparecimento forçado a que as gentes de Trás-os-Montes estão condenadas.
Inaugurada em 1887, a linha do Tua teve, no seu expoente máximo 134km, desde a aldeia do Tua até Bragança. Hoje, 123 anos depois, e resultado de uma política que - desde "a noite do roubo" em 1991 - tem roubado este serviço público básico às populações, a extensão da linha é de uns míseros 16km. (Se bem que a fonte para estas extensões é a Wikipédia, por isso não posso jurar que seja assim mesmo. Até porque estou com a impressão que a extensão actual é um bocadinho maior.)
Tal como em Ainda há pastores? este filme mostra-nos que ainda há gentes para lá do Marão. Essas gentes, encontradas em aldeias e não na "grande cidade" que é Bragança (o que dtambém deveria ter acontecido) ainda vivem com as tradições antigas, semelhantes àquelas que o meu tio-avô e o meu pai encontraram quando por lá viveram, nos anos 40 e nos anos 70, respectivamente. São pessoas idosas, porque os jovens não podem ficar onde não há escolas nem reais oportunidades de carreira, pessoas que dependem daquela linha para receber os seus remédios, fazer as suas compras, visitar as suas famílias.
O motivo que - presumo - levou à realização deste filme neste momento foi a actual proposta de construir uma barragem no rio Tua que, basicamente, irá acabar com o comboio naquela região. Ao longo do documentário vamos ouvindo as opiniões dos locais (que, quase unanimemente, defendem o comboio sobre a barragem), alguns activistas anti-barragem e, numa quantidade bem menor de tempo, aqueles que defendem que a linha é obsoleta, pode e deve ser substituída por transportes rodoviários e que a barragem é a solução para o desenvolvimento local.
Apesar dessa falha - deviam ter dado mais tempo a quem é a favor - o depoimento que mais me marcou foi o de um pró-barragem. Não o famoso "só falta aqui é cimento" do Sócrates, mas sim o momento em que, em plena Assembleia da República, o Ministro do Ambiente (do Ambiente!) diz algo como "o ambiente não pode parar a economia".
É chocante e foi a partir desse momento que comecei a pensar que, no meu país, os políticos pensam ao contrário. O autarca de um dos concelhos afectados negativamente pelos cortes na linha, a capital de distrito mais isolada do país, defende que a linha não tem razão porque não transporta passageiros/mercadoria suficientes. Não deveria ser ao contrário? Talvez se houvesse mais comboios (e a horários úteis) estes pudessem ser mais usados por aqueles que apenas têm duas opções: ou o comboio com preços razoáveis ou táxi em que cada viagem custa 1/10 das suas reformas.
E agora falando do documentário em si, que estou muito politizado. (Desculpem-me os leitores que não vivem em Portugal, mas teve de ser) O filme não é genial...é muito longo e - na minha opinião - por vezes aborrecido (aquelas citações pecam por demasia), mas a mensagem é importante e deve ser partilhada por todos. É importante que Portugal continue a ser o rectângulo que tem sido ao longo dos últimos 900 anos e não apenas um L definido ao longo da faixa costeira, como em poucas gerações poderá vir a ser.
Portugal é Lisboa, é Porto, mas também é Bragança ou a ilha do Corvo, nos Açores. Que continue assim por muito tempo! Não se esqueça este povo esquecido.
Esta é das criticas que fizeste que mais gostei de ler.
ResponderExcluirTenho de começar a ser mais político, está visto
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