quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Fantasia Lusitana



Se tivesse de reter apenas uma só frase deste filme essa frase seria de Antoine Saint-Exupéry (sim, o do Principezinho), que descreve o Portugal que visitou nos anos 40 como "um paraíso triste".

Saint-Exupéry é um dos três autores estrangeiros cujas descrições do Portugal dos anos 40 são usadas como voz off a este interessantissimo documentário de João Canijo. As imagens que as acompanham são de fantasia, a tal fantasia lusitana que o Estado Novo promovia incessantemente e que - como ouvimos nas palavras dos nossos interlocutores estrangeiros - estavam longe da realidade.

O contraste é chocante. Usando imagens de arquivo da RTP e da Cinemateca vamos acompanhando alguns eventos importantes dessa altura, como a Exposição do Mundo Português (a Expo dos nossos pais ou avós), as visitas das grandes estrelas internacionais ao Casino do Estoril ou, mais tarde, a inauguração do Cristo-Rei. Em todas estas reportagens passa a mensagem de que Portugal é uma pátria milenar, salva dos horrores da Segunda Guerra Mundial pela política de neutralidade (i.e., apoiar ambos os lados, consoante pendesse balança) do "salvador da pátria" Salazar, e que voltará aos seus dias de glória num futuro próximo, se Deus quiser.

As descrições feitas por Saint-Exupéry (bem com Alfred Döblin, autor de Berlin Alexanderplatz, e Erika Mann, filha de Thomas Mann) acerca da sua passagem por este cantinho à beira mar plantado são, contrariamente às reportagens de que falei acima, isentas da censura do Estado e - como tal - infelizmente mais realistas. Portugal é descrito como um paraíso, realmente, um porto de abrigo para todos aqueles que tiveram a sorte de chegar cá, fugindo da insana perseguição nazi. É no entanto, como já referi, um paraíso triste, um porto de abrigo onde só se fica enquanto não se apanha outro barco, para terras mais fecundas, onde os sonhos se podiam tornar realidade.

Sempre me interessei muito por história e, por causa disso, sempre falei muito com o meu avô (nascido em 1916) sobre a vida que tinha nesses tempos. Ele infelizmente já faleceu e nunca viu este filme, mas tivesse-o visto e decerto diria que as descrições sonoras são mais realistas que o que se via na televisão do Estado. O famoso mito urbano de uma sardinha por família não é tão mito assim e sempre soube que o meu avô, filho de agricultores da região de Paredes, teve o seu primeiro par de sapatos aos 14 ou 15 anos de idade...

Porque é que somos assim? Não duvidem, o Portugal de 2011 continua a ser o paraíso triste que era em 1940, um país que poderia ser perfeito para viver mas que cada vez mais vejo como um excelente destino temporário, nada mais. Como alguns de vocês saberão, a minha namorada é uma alemã apaixonada por Portugal. Foi ela que me disse - com o distanciamento que nos permite fazer melhores observações - que achava que o problema deste país não são as pessoas, nem os governantes, o problema é a nossa mentalidade colectiva: somos um povo altamente desmotivado e isso reflecte-se no todo.

Tenho de concordar com ela, sabem? Talvez tenha sido o Estado Novo a tirar-nos a fibra que outrora tivemos e que nos levou a descobrir o mundo, ou talvez fosse um mal que já vinha de outros tempos, mas enquanto não levarmos uma desfibrilação colectiva não deixaremos de estar na cauda da Europa, contentes por sermos os mais pobres dos ricos. Não será Deus que mudará o nosso destino, temos de ser nós.

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