sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Embargo

Embargo:


"Todos nós sabemos que cada dia que nasce é o primeiro dia para uns, será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais"
(José Saramago)

É com esta frase de José Saramago que o filme Embargo começa, sendo que - curiosamente - nele se retrata um dia que não é o primeiro nem o último do seu protagonista, Nuno, mas que também não será - de todo - um dia mais; é, antes pelo contrário, o dia em que fica como que soldado ao seu carro e dele não se consegue separar.

Sim, leram bem: o protagonista e o seu carro tornam-se uma só entidade.

Apesar de tudo não se preocupem, não estamos perante a versão portuguesa dos Transformers (se bem que em teoria isso daria um filme genial) nem sequer do Herbie. Embargo é um filme baseado, ou mais precisamente livremente adaptado, de um conto da autoria do senhor da citação ali de cima.

Nesse conto, tal como aqui, o protagonista torna-se vítima da sua própria dependência automóvel já que - ao que sei, porque não li o conto original - o carro ganha vida e "absorve-o". No conto essa situação bizarra tem uma mensagem: é frequentemente interpretada como uma alegoria à crescente dependência do Homem em relação às máquinas e - já bem menos alegoricamente - um aviso à navegação quanto ao impacto que uma eventual escassez de petróleo, o alimento das máquinas, poderá ter no nosso quotidiano.

Fui ver o filme dado o autor da obra original mas, para muita surpresa minha, achei que o seu ponto mais fraco é precisamente esta premissa, já que nunca nos é dada qualquer informação sobre como é que Nuno ficou preso, como (SPOILER) se soltou (FIM DE SPOILER) ou o porquê de ter tanto medo de explicar o que se lhe passou e pedir ajuda (nas minhas notas tenho escrito, com vários pontos de exclamação, "rapaz, porque é que não vais aos bombeiros?").

Esta premissa não funciona mas quase tudo o resto está lá...o actor que faz de Nuno (Filipe Costa) interpreta-o da melhor forma possível, como um pintas que vende bifanas enquanto não vende a patente da sua grande invenção, um scanner de pés (!), e mesmo os restantes personagens, inexistentes na obra original, que só nos apresenta o carro e seu condutor, estão criados de forma a transparecer um humor absurdo mas muito acertado e (infelizmente) atípico no cinema português. (De referir o personagem do José Raposo, a fazer lembrar um misto de Luis Filipe Vieira e Manuel Damásio e que é hilariante)

O mérito vai para os argumentistas, que tiveram a feliz ideia de expandir o universo criado pelo Saramago, mas sobretudo deverá ser entregue ao realizador (António Ferreira) que depois do muito elogiado Esquece tudo o que te disse consegue provar que o sucesso da sua primeira longa não foi um golpe de sorte e, na minha modesta opinião, se mostra como uma excelente alternativa à típica divisão do cinema português entre o "intelectualóide" e o "Soraia Chaves nua".

Não o coloco na minha famosa lista de filmes portugueses de que gosto mesmo pelo que disse sobre o elemento central do argumento e por ser um bocado longo demais, mas acreditem que se tivesse uma lista de "filmes portugueses que vi, gostei, recomendo e não me importaria de ver de novo" seria lá que este interessante filme passaria o resto dos seus dias.

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