domingo, 23 de janeiro de 2011

Douro, Faina Fluvial + Aniki Bóbó

Olarelas! Aqui está uma dose dupla justificada pelo facto de também ter visto os dois filmes de seguida, tal como se fosse ao cinema e visse a curta metragem antes do feature film.

Douro, Faina Fluvial:



O ano é 1931 (há 70 anos atrás, portanto), o realizador um senhor chamado Manoel de Oliveira, o senhor é - ainda hoje - realizador de cinema. É português, tem 102 anos de idade (cento e dois!) e, para quem não sabe, é o mais velho realizador ainda no activo, com uma média de quase um filme por ano. Ainda falam do Woody Allen.

Os meus leitores portugueses sabem que hoje em dia os filmes deste senhor são associados a uma sensação de aborrecimento. Curiosamente, este que é o seu primeiro filme é cheio de movimento. Trata-se de um documentário que retrata a vida dos trabalhadores e residentes nas áreas ribeirinhas do Porto e de Vila Nova de Gaia. É uma vida de trabalho, muito dependente da pesca (algo que já acabou, a pesca de 1931 é o turismo de 2011) e que não é propriamente agitada: o que aqui é agitado é a forma como foi editado, com efeitos especiais que à altura seriam state of the art e que fazem lembrar Robert Wiene, Eisenstein ou Buñuel.

Já disse aqui que gosto de documentários porque me permitem ver o mundo através de outras perspectivas, mas neste caso gostei porque serviu de máquina de tempo. Nasci e vivo em Lisboa, mas sinto-me portuense de coração e foi com grande curiosidade que vi este filme. É, 70 anos passados, uma excelente forma de ver como era a vida na cidade onde - 13 anos depois do filme ser filmado - nasceria o meu pai.

Não fosse isso seria um filme que talvez visse numa qualquer sessão da sala de curtas da Cinemateca, assim o seu valor aumentou exponencialmente e se algum de vocês tem uma ligação semelhante a esta invicta cidade só o posso recomendar, para que vejam que a arquitectura é a mesma mas tudo o resto parece ter mudado.



Aniki Bóbó:




Aniki Bebé
Aniki Bóbó
Passarinho, tótó
Birimbau, cavaquinho
Salomão, sacristão
Tu és polícia, tu és ladrão

Esta música é o equivalente de 1942 ao actual um-dó-li-tá, usava-se para seleccionar as equipas para um jogo de polícias e ladrões e deu o nome à primeira longa-metragem de Manoel de Oliveira, 11 anos depois do filme aqui de cima.

O nome do filme deriva de uma canção infantil porque o filme é infantil. Não no sentido actual, claro...não há cá mensagens simplificadas, animais falantes, muitas cores e alegria. Aniki Bóbó é um filme com "hipocrisia e egoísmo" (para citar a descrição do DVD), um filme em que o mundo adulto e alguns dos dramas dos adultos são vistos pelo olhar de um grupo de crianças do Cais de Gaia.

A história é igual a tantas outras (se bem que na altura ainda não era tão pouco original e actualmente os protagonistas não teriam uns 10 anos): dois rapazes, Carlitos e Eduardinho, estão apaixonados por Teresinha, uma rapariga do bairro. Enquanto que Carlitos é simpático Eduardinho é o que hoje se chamaria de bully. O conflito entre os dois vai-se estendendo até ao momento em que algo de muito grave acontece e a situação só se resolve com a intervenção de um adulto.

A história é simples mas tudo o resto é notável: em 1942 Manoel de Oliveira fez um filme mais animado que os seus mais recentes trabalhos (também é normal, era 60 anos mais novo), com um excelente grupo de crianças-actores cuja interpretação está ao nível dos melhores e com uma técnica cinematográfica que - como é normal - é menos refinada que a de hoje mas que, por outro lado, permite um contacto mais próximo com os personagens.

É engraçado ver como ao contrário do cinema infantil de hoje, aqui as crianças esforçam-se por representar como adultos (não é mau nem bom, é só diferente), como os hábitos de então desapareceram totalmente para dar lugar a um mundo actual que pareceria ficção científica para estes miúdos e, acima de tudo, o que já disse acima: a arquitectura daquelas margens do Douro está praticamente na mesma, mas tudo o resto mudou.

Este filme é um marco do cinema português. Ouso até dizer que é o mais importante filme da nossa história, deveria ser visto por todos mas já que não é apenas vos posso sugerir, meus leitores, que se esforcem por vê-lo. Estamos perante história do cinema, história do cinema que ainda por cima é gira de se ver.


P.S.: Uma nota para a excelente edição do DVD. Nunca tinha visto nenhuma película restaurada pela Cinemateca Portuguesa mas posso dizer que estas estão que nem novas.

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