sábado, 25 de fevereiro de 2012

Midnight in Paris



O último filme do Woody Allen que tinha visto antes deste Midnight in Paris tinha sido o You Will Meet a Tall Dark Stranger. Como podem ver pela SMR que lhe fiz, não gostei do que vi na altura e, por isso mesmo, acabei por não me interessar neste seu mais recente filme. Já estreou há uns tempos e eu ignorei-o, mas acontece que obteve tantos elogios que não pude continuar a fazê-lo.

E agora é a altura de fazer o mea culpa. Midnight in Paris é um excelente filme, trata Paris com a mesma paixão que o Woody Allen dedicou a Nova Iorque e, parece que funcionou bem, deixou-me com uma vontade imensa de voltar à cidade das luzes.

A história base não faz grande sentido: Gil (Owen Wilson, actor que normalmente detesto mas que aqui foi bem escolhido) está de férias em Paris com a noiva e a sua família. Gil é um argumentista de Hollywood que deseja passar para a mais nobre (?) arte de escrever romances e sofre da mesma condição que o protagonista do livro que está a tentar escrever. Essa condição, não médica mas muito frequente, é a nostalgia: Gil vê o passado como os anos dourados e sonha viver naquela que considera ser a época de ouro da cultura mundial, os anos 20 do século XX, uma época que teve o seu epicentro precisamente na cidade de Paris.

Inexplicavelmente, Gil é transportado todas as noites até à sua época de sonhos e começa a privar com todos os seus ídolos (T.S. Eliot, Hemingway, Dalí, Picasso, etc.) enquanto que de dia vive no Paris moderno. A cada noite que passa Gil tem as suas ideias mais claras: talvez Inez (Rachel McAdams) não seja a pessoa mais indicada para ele e, também talvez, a nostalgia seja parte da condição humana...as pessoas que conhece nos anos vim confessam a Gil que se aborrecem no "presente" e gostariam antes de viver na Belle Époque do final do século XIX.

Muitas têm sido as críticas que dizem que Midnight in Paris é, também ele, um olhar nostálgico ao tempo dos ídolos do realizador (que nasceu em 1935) mas eu tenho as minhas reticências. Na minha interpretação, Midnight in Paris não é só um Paris je t'aime (o argumento reitera o quão bonita é a cidade e as imagens confirmam-no constantemente) mas sobretudo uma mensagem positiva sobre o presente. Quando Gil conversa com Adriana (Marion Cotillard) quase no final, a conclusão a que ambos poderiam ter chegado era de que o nosso presente, por muito chato que nos pareça, será um dia a idade de ouro de uma geração futura. Não é por acaso que a moda é cíclica e que o 9gag está cheio de posts tipo "no meu tempo é que era bom".

Para além da má experiência com o You Will Meet a Tall Dark Stranger as viagens no tempo foram a razão que me deixou de pé atrás. A ideia de Woody Allen e viagens no tempo assustava-me um bocado, por muito que o Sleeper tenha mais ou menos a ver com isso e eu o tenha adorado. Em mãos menos competentes esta aposta poderia ter corrido mal, mas o Woody mostrou que já anda há muitos anos a virar frangos (adoro esta expressão!) e conseguiu tratá-la muito bem: a transição temporal porque Gil passa é totalmente irrelevante - ao ponto de não ser debatida - e isso permite que nos foquemos apenas nos personagens. É uma pequena suspension of disbelief mas vale muito a pena.

Com todo o seu charme, a cidade que o acolhe e com um conjunto de grandes interpretações (sobretudo de Corey Stoll como Hemingway e o regressado Adrien Brody como um Salvador Dalí obcecado com rinocerontes) Midnight in Paris fez-me ter prazer em dizer que estava errado - devia tê-lo visto antes - e abriu novamente a porta aos filmes do nova-iorquino mais famoso do cinema. Volta, Woody Allen, estás perdoado.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Trivia Berlinale 2012

E já está! A Berlinale 2012 já acabou, com dois prémios importantes para filmes portugueses (parabéns João Salavisa e Miguel Gomes!) e com uma grande surpresa como Urso de Ouro.

Eu também aprendi umas quantas coisas e, antes de partir para a minha semaninha de férias, deixo-vos aqui algumas delas:

+ O Delphi Filmpalast está perto, mas ainda não ultrapassou a sala 1 do São Jorge como a minha sala de cinema favorita;
+ Uma sala com quase 1800 lugares e uma tela com 21m de comprimento redefinem o conceito de "grande ecrã";
+ Com sorte no timing cruzamo-nos com a Meryl Streep;
+ Arranjar bilhetes não é assim tão complicado como dizem...
- dito isto, é preciso ter oportunidade de ir para a fila a meio do dia e algum tempo a perder;
- Queixamo-nos tanto da desorganização dos festivais portugueses mas aqui é igual, com atrasos na maioria das sessões a que fui;
- O Friedrichstadt-Palast tem as piores cadeiras de que há memória;
- Como é sempre em Fevereiro a Berlinale vai acabar por me limitar o visionamento dos filmes "comerciais" que costumam estrear nesta altura de prémios;
- Cinestar Cubix never again!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

The Man that Got Away

The Man that Got Away:


The Man that Got Away foi o vencedor do DAAD Short Film Prize e, por mero acaso de logísitca, o último filme que vi na Berlinale 2012. Trata-se de uma curta-metragem musical que nos conta de uma forma muito inovadora a história de Jimmy, tio do narrador e um dos muitos homens que viveram a sua homosexualidade em segredo.

Com o prémio que acabou por vencer vem uma bolsa de estudo para estudar cinema em Berlim e, presumo eu, uma maior facilidade de obter financiamentos para filmes futuros. Ora, não faço a mínima ideia qual foi o orçamento desta curta, mas posso dizer-vos que o que mais me impressionou na mesma foi a forma de contar a história com o mínimo recurso a cenários possível: a história do tio Jimmy e do seu encontro com Judy Garland é integralmente contada enquanto actores e actrizes descem a rampa de um qualquer silo-auto canadiano.

Eu que nem costumo gostar de musicais fiquei satisfeito com este. Para além da realização inventiva as letras das músicas são divertidas e as coreografias dançadas de uma forma tão (propositadamente?) trapalhona que se tornam interessantes. O único grande problema é ter-se esticado demais...ao contrário de tudo o que até então se estava a passar, o último capítulo da história do tio Jimmy é contado tipo dança contemporânea, sem música e durante demasiado tempo. É uma pena, pois acaba por manchar o que poderia ter sido uma boa despedida da Berlinale.

Loxoro

Loxoro:



Já há vários anos que conheço a obra do escritor peruano Mario Vargas Llosa. Nos seus livros este autor costuma ter histórias individuais com eventos históricos e foi com isso que conheci alguma da realidade peruana. A realizadora de Loxoro, Claudia Llosa, é sobrinha do grande escritor e faz com os seus filmes um trabalho semelhante. Em La Teta Asustada mostra o Perú rural e com Loxoro dá-nos a conhecer a realidade transexual da capital do país, Lima.

Não é a primeira vez que digo que no formato de curta-metragem o drama não funciona tão bem. O ser humano necessita de tempo para sentir empatia e sem empatia pelos protagonistas não se consegue contar uma história tão triste como esta. A busca de Makuti pela sua "filha" Mia seria perfeita para uma eventual longa que, se alguma vez existir, me terá como espectador.

Isto porque fiquei bastante impressionado com o estilo de realização. Claudia Llosa mostra uma grande proximidade com a realidade que retrata (fruto de muita investigação, de certeza) e as dificuldades por que aquela comunidade tem de passar (ao ponto de terem de falar numa língua própria, o Loxoro que dá nome ao filme) são tristemente perfeitas para um filme, mas por agora só temos mesmo uma pequena introdução.

Loxoro ganhou o Teddy Award para melhor curta-metragem com temática LGBT. Espero que daqui a uns anos uma longa com o mesmo tema possa ganhar prémio semelhante.

Licuri Surf

Licuri Surf:



Ora aqui está uma coisa que nunca me tinha acontecido. Enquanto via esta curta, vencedora de uma menção honrosa da Berlinale, fiquei com a ideia (mas não a convicção) de que se tratava de um documentário mas ao ler o seu resumo nada indica que tal o seja. Em que ficamos?

Vou avançar para a teoria do documentário, e dentro dos documentários um surf-film bastante fora do comum. Licuri é o nome do nosso narrador, um membro da tribo Pataxó, nativa do estado brasileiro da Bahia. O que torna a sua história interessante é a grande paixão da sua vida, o surf.

Normalmente associamos a prática do surf com caucasianos de classe média-alta/alta, com equipamento caríssimo e muitos autocolantes publicitários. Ainda mais, os surf-films costumam ser baseados em surfistas profissionais cuja vida é viajar pelo mundo à procura da onda perfeita. Aqui a realidade é totalmente diferente e foi isso que me fez gostar tanto de a conhecer.

Licuri não é o único pataxó a surfar as ondas da Bahia. Ele e alguns membros da sua tribo vivem junto à costa e desde crianças que têm as ondas como principal companheiro de brincadeiras. Não precisam de pranchas caras - um pedaço de madeira ou de esferovite basta para aprender e mais tarde usam as pranchas feitas localmente - nem de equipamento dispendioso, bastam uns calções e estão prontos para a acção. Creio que nem sequer vi leashes, mas não posso garantir.

Para além de nos apresentar a cena surf local, Licuri Surf mostra-nos também uma surf-trip deste grupo tão improvável. Em vez de Bali vão até ao estado de São Paulo, onde as ondas são mais fortes que na Bahia, e em vez de aviões usam uma carrinha a cair de podre. Licuri Surf é um interessante testemunho sobre uma sub-cultura muito específica e enquanto tal são 15 minutos muito bem passados mesmo para aqueles que, como eu, não se conseguem pôr em cima de uma prancha.

Rafa

Rafa:


A 18 de Fevereiro de 2012 João Salaviza entrou no restrito grupo de cineastas que já ganharam os grandes prémios dos dois maiores festivais de cinema da Europa. Depois de com Arena ter ganho a Palma de Ouro de Cannes (em 2009) para melhor curta-metragem, venceu agora em o Urso de Ouro da Berlinale, novamente para melhor curta-metragem.

O realizador considera Rafa a terceira parte de uma trilogia iniciada com Arena e continuada por Cerro Negro, de 2011. Devo começar por confessar que não vi a segunda destas três curtas, mas no que toca a Rafa e Arena não posso deixar de concordar que existem pontos em comum. Apesar de não terem uma história em comum e não se encontrarem na mesma realidade geográfica, sem dúvida que Rafa poderia ser um vizinho do protagonista de Arena, tal como este poderia ser o desconhecido pai do sobrinho de Rafa.

Interpretado por Rodrigo Perdigão (um não-actor cuja escolha é tão acertada que nem deve ter tido de representar), Rafa é um miúdo de 13 anos que vive na Margem Sul com a mãe, a irmã (Joana de Verona, que tinha visto antes em Como desenhar um círculo perfeito) e o sobrinho. Um dia a mãe é detida por conduzir sem carta e Rafa põe-se a caminho da esquadra para a trazer de volta a casa.

Sendo eu nativo de Lisboa é natural que consiga aprofundar-me mais sobre o filme do que se este tivesse outra origem qualquer. O que mais me agradou em Rafa é precisamente o oposto do que me fez dizer mal de Tabu ou de tantos outros filmes portugueses: nesta curta os personagens falam como portugueses normais (em. vez. de. falar. assim.), comportam-se como portugueses normais e reagem como portugueses normais. Ao contrário do típico realizador português, que parece viver numa redoma de vidro em que só os intelectuais podem entrar, nota-se que João Salaviza vive no mesmo país que eu conheço e de que tanto gosto. Ao mostrar as nossas falhas mostra também o nosso charme.

Dito isto, tenho de fazer uma menção à forma como Rafa acaba. É um final abrupto e aberto, mas que - dadas as incógnitas que deixa - acaba por não ser o mais adequado. Ao contrário de outras curtas premiadas que vi na mesma sessão (e que vou analisar daqui a uns minutos) Rafa peca por ter 3 ou 4 minutos a menos. Fora isso, 5 estrelas e prémio bem atribuído. Sou só eu que estou ansioso por ver uma longa deste realizador?

Vilaine Fille Mauvais Garçon

Vilaine Fille Mauvais Garçon:



O título inglês desta curta-metragem francesa é Two Ships e não tem nada a ver com o título francês. Two Ships? Porquê? A minha interpretação é feita em português e diz-me que talvez tenha a ver com dois navios à deriva.

Laetitia e Thomas são esses dois navios que se encontram à deriva perante as tempestades que a vida lhes atira para cima. Laetitia é uma comediante falhada que tem a seu cargo um irmão com profundas limitações mentais, Thomas é um desenhador falhado que vive na mesma casa que o avô e o pai, ambos bastante mais cool que ele. Acabam por conhecer-se numa festa qualquer de um dia qualquer e agarrar-se um ao outro na esperança de que a vida conjunta seja melhor que a soma das suas partes.

Com um look analógico muito anos 80 (uma característica comum a quase todas as curtas vencedoras desta Berlinale), a primeira curta de ficção da realizadora Justine Triet mergulha tão fundo no realismo que se torna desagradável. Não que o cinema tenha de ser sempre bonito, mas para pausas desconfortáveis, insucesso profissional e solidão humana mais vale ficarmo-nos pela vida real. Vilaine Fille Mauvais Garçon ganhou o European Film Award 2012 para a melhor curta-metragem mas não me convenceu.

Gurehtto Rabitto (The Great Rabbit)

Gurehto Rabitto:


Tendo em conta o estilo de animação de Gurehto Rabitto - orgulhosamente 2D numa altura em que o 3D é a regra no cinema comercial - o facto deste filme de Atsushi Wada ter ganho o Urso de Prata para curtas metragens na Berlinale 2012 pode ser visto como um voto de esperança no futuro da animação tradicional.

Wada não optou apenas por um 2D extremo (quase sem perspectiva) mas por animar esta curta totalmente à mão, conferindo-lhe traços tipicamente japoneses mas com um toque mais de surrealidade. A história do filme é toda ela surreal - a lembrar aquelas animações checoslovacas dos anos 80 que víamos no programa do Vasco Granja - e decerto simbólica, mas confesso que não consegui apanhar o significado por detrás dos símbolos.

"Se acreditam no Grande Coelho significa que acreditam em tudo, se não acreditarem no Grande Coelho significa que não acreditam em nada" é a citação do realizador que dá início ao filme. No meu caso a questão não foi se acreditei ou não, eu não percebi o Grande Coelho e, por muito interessante que a animação seja, mesmo com meros 7 minutos de duração acabei por me aborrecer.

Berlin Today Award 2012: A Little Suicide

A Little Suicide:


Inserido na iniciativa Berlinale Talent Campus o Berlin Today Award serviu como competição de curtas metragens entre 2005 e 2012. Os candidatos eram emparelhados com produtoras alemãs, era-lhes dado um tema e um limite de 10 minutos, e os melhores cinco eram apresentados ao público durante a Berlinale. Este o tema foi "every step you take" e esta foi uma das curtas finalistas.

A Little Suicide é um curiosíssimo filme em que a animação e a imagem real se misturam de uma forma muito inovadora, num compósito de filmagens, stop-motion e time-lapses que levou 5 meses da vida da realizadora Ana Lily Amirpour para um resultado de 10 minutos. Nele seguimos uma anónima barata que, conhecendo o ódio que a raça humana tem pela sua espécie, deseja morrer.

Ora, pensa ela, nada melhor que me colocar em situações em que os humanos me desejem matar. Acontece que a nossa amiga barata escolheu o pior dia de todos para provar a sua teoria existencialista. No dia em que a barata decide morrer todos os humanos que encontra são (relativamente) simpáticos consigo e, resumindo e concluindo, não a matam.

Eis senão quando a barata acorda. Ao seu lado está a sua mulher e as suas centenas de baratas-bebé. Tudo foi um pesadelo? Parece que sim, até que...

Com a excelente animação que já referi e uma mensagem positiva e de tolerância, A Little Suicide será decerto um excelente acrescento a festivais de animação e/ou programação infantil de futuros festivais de cinema.

Berlin Today Award 2012: Five Ways to Kill a Man

Five Ways to Kill a Man:



Inserido na iniciativa Berlinale Talent Campus o Berlin Today Award serviu como competição de curtas metragens entre 2005 e 2012. Os candidatos eram emparelhados com produtoras alemãs, era-lhes dado um tema e um limite de 10 minutos, e os melhores cinco eram apresentados ao público durante a Berlinale. Este o tema foi "every step you take" e esta foi uma das curtas finalistas.

Sam é um jovem adulto, nos seus 20 e muitos anos. No caso em concreto aparenta ser um expatriado anglófilo em Berlim mas na verdade isso não conta muito, o que conta para Five Ways to Kill a Man são os pequenos gestos do dia a dia.

Nesta curta metragem o realizador Christopher Bisset lança uma pergunta: como seria viver com as consequências dos nossos pequenos luxos ocidentais? Ao longo do dia em que a acção decorre Sam sabe que ao água aberta enquanto lava os dentes o aquário onde guarda os peixes fica mais vazio, que terá que entreter as crianças asiáticas que lhe fizeram os ténis bem como a mulher brasileira que trabalhou para ter o seu café, que terá de levar consigo animais mortos em marés negras e um balão com a poluição do seu automóvel e, last but not the least, visualizar o facto do atum que come ter influência na vida dos golfinhos.

No final do seu dia Sam deita todas essas externalidades no camião do lixo mas Christopher Bisset consegue deixar-nos a pensar no assunto através desta abordagem inventiva e bastante bem humorada. Five Ways to Kill a Man é um excelente exemplo de como se pode ser sério e leve ao mesmo tempo.

Um filme muito bem feito, terra-a-terra, e com um conteúdo interessante é mesmo a minha onda, pelo que não é de estranhar que esta tenha sido a minha curta favorita da Berlinale 2012.

Berlin Today Award 2012: Batman at the Checkpoint

Batman at the Checkpoint:


Inserido na iniciativa Berlinale Talent Campus o Berlin Today Award serviu como competição de curtas metragens entre 2005 e 2012. Os candidatos eram emparelhados com produtoras alemãs, era-lhes dado um tema e um limite de 10 minutos, e os melhores cinco eram apresentados ao público durante a Berlinale. Este o tema foi "every step you take" e esta curta foi a vencedora.

Batman at the Checkpoint não é um filme de super-heróis. Existe um Batman, sim senhor, mas apenas um brinquedo de plástico transportado por Mahmoud, filho de pais palestinos que aguardam a passagem por um check-point israelita. Ao seu lado, na fila exclusiva para israelitas, está o carro dos pais de Yuval. Os adultos olham-se agressiva e desafiadoramente, mas as crianças não ligam às separações historico-politico-religiosas e interagem da mesma maneira que muitos de nós o fizemos em semáforos: através de um concurso de caretas.

À primeira vista o realizador Rafael Balulu passa uma mensagem de esperança que, infelizmente, me parece irrealista. É verdade que entre crianças não existe a diferença israelita-palestiniano, mas a última cena é clara numa coisa: uns avançam enquanto outros ficam para trás, sujeitos a inspecção.

O estilo do filme é decente e a mensagem adequada ao público que em princípio o verá, mas nada nele me deixou memórias que recordarei daqui a uns tempos.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Berlin Today Award 2012: White Lobster

White Lobster:


Inserido na iniciativa Berlinale Talent Campus o Berlin Today Award serviu como competição de curtas metragens entre 2005 e 2012. Os candidatos eram emparelhados com produtoras alemãs, era-lhes dado um tema e um limite de 10 minutos, e os melhores cinco eram apresentados ao público durante a Berlinale. Este o tema foi "every step you take" e esta curta obteve uma menção honrosa. 

Em White Lobster o realizador britânico David Lale leva-nos numa viagem até à comunidade de Bluefields, na Nicarágua. Situada na costa oriental do país Bluefields vive do turismo e daquilo que o mar lhes dá, até porque não há muito mais opções...Bluefields não tem sequer ligação terrestre com o resto do país.

Durante os 10 minutos da curta (que também tem uma versão mais longa, fora de competição) ouvimos três testemunhos sobre a única forma de ganhar dinheiro a sério numa zona onde a pobreza é a regra e não a excepção. A primeira das pessoas que conhecemos é um imigrante norte-americano que por lá vive e nos conta que é frequente ver-se centenas de locais sentados na praia à espera que o mar lhes traga a lagosta branca, que vale cerca de $ 4.000/kg e que pode mudar a vida a quem a encontrar.

O segundo testemunho é de um pescador. Este conta-nos que em tempos encontrou um grupo de 64 lagostas brancas, imaginou logo a sua vida melhorar consideravelmente, mas entretanto acabou preso, já que as autoridades lhe confiscaram o produto. Finalmente, o terceiro testemunho é o de um jovem ex-toxicodependente que - sentado nas ruínas da sua casa de família - nos explica o que é o famoso produto. Trata-se de cocaína que vem à costa de tempos a tempos, depois dos cartéis colombianos a terem deitado ao mar quando perseguidos pelas autoridades americanas.

É interessante conhecer estes pequenos pedaços de mundo, mas muito honestamente o filme não me aqueceu nem me arrefeceu.

Berlin Today Award 2012: ABC

ABC:


Inserido na iniciativa Berlinale Talent Campus o Berlin Today Award serviu como competição de curtas metragens entre 2005 e 2012. Os candidatos eram emparelhados com produtoras alemãs, era-lhes dado um tema e um limite de 10 minutos, e os melhores cinco eram apresentados ao público durante a Berlinale. Este o tema foi "every step you take" e esta foi uma das curtas finalistas.

ABC começa com uma citação algo improvável. Diz-nos um taxista da capital da Libéria: "Educate a woman and you educate a family, educate a girl and you educate the future". A realizadora estónia Madli Lääne deslocou-se ao país num projecto de voluntariado e por lá conheceu a história de Vele, mãe adolescente com o sonho de se tornar enfermeira. Entre ela e o realizar do sonho estão 14 anos de estudos, já que Vele faz parte dos 78% de liberianas rurais que não sabe ler nem escrever.

Depois desse primeiro contacto a realizadora voltou à Libéria de câmara na mão e encontrou Vele a partilhar as carteiras da escola com a filha, confiante de que vai conseguir atingir o seu objectivo. A curta documental que saiu desse reencontro tenta transmitir-nos as dificuldades que mulheres como ela têm de enfrentar para conseguir uma educação adequada.

Em termos de conteúdo não posso dizer que tenha ficado maravilhado com esta curta. Não traz nada de novo e não aprofunda minimamente o assunto (mesmo tendo em conta que dura apenas 10 minutos). No entanto, alguns pormenores visuais muito interessantes, como o uso de filtros de cor, deixaram-me curioso quanto ao trabalho desta realizadora.

Gnade

Gnade:



Hammerfest, Noruega, com cerca de 9.000 habitantes, é uma daquelas localidades que à partida não chamariam ninguém. Está acima do círculo polar ártico, a temperatura média anual é de 2.º e durante o período de 22 de Novembro e 21 de Janeiro o Sol nunca se levanta acima do horizonte, num fenómeno a que se chama de noite polar. No entanto, devido à indústria de gás natural que alberga, Hammerfest continua a chamar estrangeiros pela sua prosperidade económica. É o caso de Niels (Jürgen Vogel) e da sua família, protagonistas de Gnade.

Antes da sua partida para os confins da Noruega esta família residia em Kiel, Alemanha, sendo que Niels partia semanas a fio para plataformas petrolíferas onde descansadamente traía a mulher. O seu casamento com Maria (Birgit Minichmayr) está estagnado, senão mesmo morto, e não demora muito até que haja uma nova amante na vida daquele homem. Maria decidiu seguir o marido, levando o filho comum para Hammerfest, mas o casamento parece estar perdido.

Costuma-se dizer que só uma grande desgraça para salvar um amor desgraçado e é isso que acontece nesta história. Durante a noite polar Maria conduz de volta a casa depois de um turno de 24 horas - é enfermeira - e atropela algo. Assustada, resolve fugir e acaba por partilhar o seu segredo com o marido. Maria e Niels têm agora um segredo conjunto que os vai reunir.

Gnade, o título do filme, é a palavra alemã para misericórdia e é esse o tema central do filme. Para além do que se passa entre os pais, também o filho de ambos, Markus, pratica uma acção da qual se arrepende e busca o perdão da sua vítima. Será possível perdoar-se tudo? Será que o ditado "a melhor vingança é viver bem" se aplica em situações tão extremas?

Foram essas as duas grandes perguntas que ficaram a pairar no ar enquanto os créditos finais se desenrolavam e os aplausos iam enchendo a sala. Pegando no microcosmos que é uma família estrangeira numa cidade pequena o realizador Matthias Glasner conta-nos uma história que de tão universal nos toca a todos. Quem de nós não tem um ou dois segredos que fazia melhor em contar? Qual seria a reacção daqueles a quem deveríamos contá-los? Teriam misericórdia de nós?

Por ser um tema tão universal a história de Gnade não prima pela novidade e não são poucas as variações sobre o mesmo. Felizmente a forma como o filme é contado, o ritmo a que os eventos se desenrolam e a humanidade com que os personagens são representados fazem-nos sentir que aquilo se poderia passar connosco e, inevitavelmente, põe-nos a pensar sobre qual seria a reacção que teríamos se fossemos nós a conduzir naquela estrada secundária onde a vida de tanta gente se alterou para sempre.

Isto aliado à paisagem maravilhosa (Glasner optou por tornar Hammerfest bonito quando imagino que facilmente poderia ser mostrado como o oposto) e a uma atmosfera sonora baseada num poderosíssimo coro norueguês fazem de Gnade um grande filme e aquele que mais gostei na secção competitiva da Berlinale 2012.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Rebelle

Rebelle:


Rebelle, filme canadiano na secção competitiva da Berlinale tem muitas semelhanças com Captive, candidato filipino ao mesmo galardão. Serão demasiadas, essas semelhanças? Diria que não, Rebelle e Captive contam o que têm a contar de forma semelhante mas as histórias são suficientemente diferentes para ambos merecerem o visionamento.

A história de Rebelle é ao mesmo tempo mais abstracta e mais real que a de Captive. É certo que não se trata de um argumento baseado em factos reais, mas aquilo que Komona (Rachel Mwanza) narra à criança que tem no ventre acontece todos os dias a meninas como ela.

Foi aos 12 anos que Komona foi raptada da sua aldeia pelo exército do Grand Tigre, num qualquer país francófono do centro africano. O seu baptismo de fogo começa logo ali quando os soldados que a raptam a obrigam a fuzilar os seus pais. Por algum motivo? Nem por isso, apenas para ver se Komono tem o que é preciso para empunhar uma arma. Komona mata-os porque tem de os matar para viver, e torna-se rebelde porque assim o instinto de sobrevivência lho diz. Numa situação de matar ou morrer pouco interessa a afinidade ideológica.

Levadas pelo grupo para o meio da selva as crianças raptadas são apresentadas ao "leite mágico" - uma substância alucinogénica que no caso da nossa protagonista faz com que veja os fantasmas daqueles que vão morrer (aqui representados em sequências oníricas bastante poderosas). Numa sociedade em que a magia ainda é tão prevalente este é um grande poder e, após ter sido a única sobrevivente a um ataque sobre o seu exército, Komona é promovida a war witch (bruxa de guerra?), o que lhe confere acesso directo ao grande líder e uma protecção que normalmente não é dada a mulheres que passam por aquela situação.

É pouco depois desta dita promoção que um dos seus protectores decide fugir da guerra e a aconselha a fazer o mesmo. Muitas war witches são assassinadas depois de uma batalha perdida e Komona não terá destino diferente. Esse protector é um rapaz não muito mais velho mas já com o one mile stare que só muitos anos de guerra podem criar. É também albino, uma característica que muitas culturas africanas vêem como sobrenatural e que lhe conferiram o nome pelo qual o vamos conhecer, Magicien (Serge Kanyinda).

Os dois jovens fogem e o filme perde-se. Se até então estavamos a testemunhar as dificuldades por que passam as crianças soldado do Lord's Resistance Army (só para citar um exemplo verdadeiro) a história passa a focar-se quase em exclusivo no destino dos dois e as intersecções que esse vai ter com o exército que agora os vê como desertores. Ambas as histórias têm o seu valor e seriam interessantes por si só, mas a quebra pareceu-me demasiado abrupta e teve como consequência um desligar emocional logo quando estava a começar a ficar mais interessado.

Filmado na República Democrática do Congo com um elenco de não-actores, a história de Rebelle poderia ter lugar na maioria dos países centro-africanos e é esse o grande mérito que lhe revejo, o de aumentar a notoriedade de um fenómeno actual e mais frequente do que nós, cidadãos de países em que estas histórias são ficção, queremos acreditar. Aqueles que entraram no filme são sortudos, as armas em que pegam são meros adereços, muitos da idade deles andam ainda hoje, neste preciso momento, a mando de exércitos como o do Grand Tigre.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Koi ni itaru yamai (The End of Puberty)

Koi ni itaru yamai:


Todas as expressões que se seguem descrevem parcial mas correctamente Koi ni itaru yamay:
  • criança que se alimenta exclusivamente de comprimidos;
  • stalker que persegue um homem mais velho;
  • professor de liceu leva aluna para sua casa, onde a chega a amarrar;
  • jovem invade quarto de colega de escola para lhe cheirar as cuecas;
  • sexo entre um adulto e uma criança;
  • dois transsexuais;
  • lesbianismo adolescente.
Sim, posto desta forma Koi ni itaru yamay tem tudo para resvalar para terrenos muito desagradáveis mas por milagre ou - mais provavelmente - por um bom trabalho da realizadora/argumentista Kimura Shoko estes tópicos todos são abordados não num drama pesadíssimo, nem num filme porno de legalidade duvidosa mas sim maioritariamente através da comédia.

E enquanto é comédia este filme japonês é mesmo muito bom. Talvez por saber que não tinha um tema nada fácil entre mãos a opção foi torna-lo numa espécie de manga com imagem real em que os personagens e em particular a protagonista são representados de uma forma cartoonesca.

Tsubara está apaixonada pelo seu tímido professor de biologia e através da excelente representação de Wagatsuma Miwako quase conseguimos ver os seus olhos a assumir forma de coração enquanto sorri parvamente. Já o professor Madoka (Saito Yoishiro) é caricaturalmente tímido e tem horror ao contacto inter-pessoal. En (Satsukawa Aimi) é uma rapariga mais experiente sexualtmente que, em consequência, é completamente fria e impessoal excepto com Tsubara, por quem está apaixonada e que constantemente tem de lidar com os ímpetos de Maru (Sometani Shota), seu fã assumido.

São estes os únicos quatro intervenientes de uma história em que o melhor é desligar a parte lógica do cérebro e deixar-nos levar pelo que se vai passando. Aparentemente os jovens não têm pais, o professor não tem mais nada que fazer e ... uma relação sexual faz com que, magicamente, os parceiros troquem de órgãos sexuais. É um filme para todos? Nem pensar, e não estranhei a quantidade de gente que saiu a meio, mas se gostam do vosso humor politicamente incorrecto e tão estranho como o Matthew's Best Hit TV então conseguir divertir-se.

Infelizmente dá ideia que a meio das filmagens a realizadora mudou de opinião e ligou o botão da seriedade. A ideia base do filme continua a ser a mesma, um glorioso disparate que serve de véu a situações normalmente horrendas, e por isso mesmo a tentativa de reflectir um pouco sobre aquela história torna o filme demasiado longo e maçador. Se se tratasse qualquer um dos tópicos que referi acima de forma autónoma então um drama seria o único estilo adequado mas quando num só período de duas horas tudo aquilo acontece só mesmo com a efeitos sonoros tipo jogo da Super Nintendo é que a coisa lá vai.

No final de contas dou-lhe o meu louvor. Pelo risco que tomou em abordar temas tão pesados de uma forma leve e divertida Koi ni itaru yamay é um exercício de funambulismo que duvido que alguma vez vá ter sucesso comercial fora do Japão (no Japão tudo é possível) mas que para um público de festival que queira descansar a cabeça entre duas sessões mais pesadas é um filme a considerar.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Bai lu yuan (White Deer Plain)

Bai lu yuan:


Dizem as regras do chamar a atenção que um texto deve começar com um statement arrojado, pelo que cá vai ele: Bai lu yuan é o equivalente chinês a uma obra da Jane Austen adaptada ao cinema pelo Stanley Kubrick, desde que essa obra envolva uma mulher a urinar na cara de um idoso. Refiro a Jane Austen por ser um filme de época, o Kubrick pela atenção ao detalhe e a urina na cara porque...bem, há uma mulher a urinar na cara de um idoso.

Passando por cima da urofilia, esta nova mega-produção chinesa teve a sorte de me ter parecido semelhante ao City of Life and Death. O sumário do filme não me deixou por demais curioso mas tendo em conta que esse tinha sido um dos meus dois filmes favoritos de 2010 (e o último filme semelhante que vi) dei-lhe uma oportunidade e pus-me a caminho.

Bai lu yuan é, pelo que percebi, uma fértil região agrícola da China, uma espécie de Alentejo mas com Guangzhou em vez de Beja. Durante as quase três horas de filme raramente saímos dessa região e acompanhamos de perto a evolução de Bai Xiao Weng, Lu Zhao Peng e Heiwa desde a sua infância até à 2.ª Guerra Mundial. A relação entre eles começa como tantas outras em filmes "feudais" (Weng é filho do chefe do clã, Peng do administrador da aldeia e Heiwa do servente de Weng) mas acaba por se desenvolver de uma forma que só a história da China no início do século XX poderá explicar.

Baseado num romance histórico com o mesmo nome, esta história fez-me antes pensar em Cisnes Selvagens, um livro bastante popular nos anos 90. Se bem que aqui os grandes intervenientes na história são homens, o seu destino é controlado por uma mulher, Xiao'e (Yu Qi Zhang, cuja interpretação é a melhor do filme). Xiao'e é representativa da inevitável dor que vem com a mudança dentro da grande metáfora que liga os destinos dos três protagonistas aos destinos da China e chega mesmo a ser vista, pelos pobres camponeses da aldeia, como um sedutor diabo que deve ser afugentado.

O que passou pela cabeça do realizador, Quan'an Wang, para desvalorizar os interessantíssimos eventos históricos da revolução republicana chinesa, utilizando-os como meras tangentes, é algo que não consigo explicar, mas a verdade é que o fez e que com isso prejudicou em muito o seu filme. Em vez de um grande documento histórico Bai lu yuan acaba por ser um mediano romance de cordel que terá dificuldade em cativar as audiências por força da sua excessiva duração.

Mas nem tudo é de desaproveitar. A minuciosa atenção aos detalhes de como a população rural do Império do Meio vivia e os frequentes momentos de grande cinegenia fazem com seja um filme bonito de se ver. Se tivesse uma história de jeito a coisa até tinha ficado compostinha.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

My Brother the Devil

My Brother the Devil:


A princípio fiquei surpreendido, o realizador e argumentista de My Brother the Devil afinal é uma realizadora (Sally El Osaini). Parece que não associei uma história de gangues londrinos com uma mulher. Depois fiquei a perceber que a história não era tanto de gangues mas sobretudo focada numa família de origem egípcia que reside no bairro londrino de Hackney.

O pai e a mãe são absolutamente secundários, aqui quem interessa são os filhos. Rashid, é um bem sucedido membro do gangue DMG (Drugs, Money and Guns) enquanto que Mo tenta seguir os passos do mano mais velho. So far so obvious, e o nome do gangue é um bom exemplo da (falta de) profundidade do filme.

Abençoada a hora em que a história acaba por se afastar (levemente) do típico trilho deste género de cinema! Por um motivo que não vou mencionar Rashid afasta-se da vida de banditismo, Mo continua a querer ser parte daquele mundo de dinheiro fácil e - voltando aos clichés - o passado volta para o assombrar.

A tarefa de dar vida a estes irmãos era provavelmente a mais difícil de toda a produção. Qualquer pequeno exagero por parte dos actores poderia transformar o que se quer um drama numa comédia, mas tanto James Floyd (Rashid) como Fady Elsayed (que ao fazer de Mo teve a sua primeira experiência como actor) transmitem autenticidade e conseguem cativar a nossa empatia. No entanto, o segundo elogio que tenho para dar neste texto merece ainda mais intensidade. Não conhecia ainda o seu trabalho mas David Raedeker faz com que a fotografia de My Brother the Devil seja digna do slogan da Kodak - para mais tarde recordar.

Pelo contrário, o filme em geral não vai ficar para a história. Apesar da tal particularidade que não vou revelar a sua história já foi vista milhares de vezes e a meio do filme já todos estamos a adivinhar como será o fim. Para além disso, os toques de melodrama, que em certos momentos me fizeram lembrar telenovelas (em particular quando envolvem um jovem, numa bicicleta, a afastar-se de uma casa), não ajudaram nada ao resultado final.

Apesar de tudo quero que uma coisa fique clara: My Brother the Devil não é mau. Mas também não é bom e, a meu ver, é demasiado singelo e mainstream para um festival como a Berlinale.

Tabu

Tabu:


A noite de 14 de Fevereiro de 2012 ficará na memória de Miguel Gomes, realizador de Tabu, como a da estreia com mais pompa e circunstância que algum dos seus filmes já teve. Aliás, a estreia de Tabu na Berlinale 2012 deve ter sido a estreia mais pomposa que um filme português jamais teve: passadeira vermelha, emissão em directo na televisão, segurança reforçada e fãs à espera (se bem que os fãs estavam à espera da Meryl Streep para outra sessão, mas isso não interessa nada). É uma pena, portanto, que o filme exibido não estivesse à altura do espetáculo montado para ela.

Honestamente já não sei o que dizer mais sobre o prototípico cinema português. Já por várias vezes referi o quanto me custa ver que, filme atrás de filme, a nossa escola de cinema continua a repetir a mesma fórmula, caracterizada pelo formalismo excessivo (a roçar o grotesco), o pedantismo e um desinteresse em cativar o público. Em Tabu Miguel Gomes cai nos mesmos erros, logo ele cujo anterior filme teve bastante sucesso precisamente por se afastar desse molde.

Partilhando o título com um filme dos anos 30, Tabu começa com um prólogo que parece ter sido filmado nessa década. Neste se conta a história de um intrépido explorador que, de coração desfeito, se deixa morrer em plena África e a, partir dessa lenda, partimos para a história propriamente dita. 

Dividido em duas partes (Paraíso Perdido e Paraíso, tal como o seu homónimo) Tabu começa por nos apresentar a Aurora (Laura Soveral/Ana Moreira) enquanto idosa já meio senil, tal como a sua empregada Santa (Isabel Cardoso, o melhor que o filme tem para oferecer) e a sua vizinha Pilar (Teresa Madruga). No leito de morte Aurora pede a Pilar para contactar um homem, Gian Luca Ventura (Henrique Espírito Santo/Carloto Cotta). Ventura e Aurora conhecem-se dos tempos em que ambos tinham fazendas em na África colonial portuguesa e por lá tiveram uma relação intensa que entretanto se diluiu até à inexistência. Ventura, já velho e solitário, acaba por nos contar o porquê recordando os dias tórridos que viveu com aquela mulher.

Começa aqui os dos meus grandes pontos de discórdia com este filme. A segunda parte do filme é integralmente narrada por Ventura, em prejuízo dos diálogos entre os personagens. Não, não é um filme mudo porque se ouvem efeitos sonoros - tanto o som de fundo como a respiração dos actores marcam presença e eles conversam entre si, nós é que não lhes ouvimos a voz.
 
Juntem a isso uma rigidez formal excessiva, que transforma as interpretações em marionetas (e que já vinha da primeira metade do filme) e uma fotografia a preto e branco que não me pareceu ter grande qualidade e ainda menos interesse narrativo e começam a perceber o que quero dizer: Tabu é um exercício de estilo feito por um autor para si mesmo e que - com muita pena minha - acaba por ser um desperdício de tempo, dinheiro e talento.

Bem sei que não represento a crítica cinematográfica mais típica e não é por acaso que resumo o meu blog como "crítica de cinema para quem não paciência para críticos de cinema". Admito até que talvez seja eu a estar errado, já que aparentemente a recepção a este filme noutras publicações tem sido positiva, mas enquanto espectador de cinema não posso recomendar este filme a ninguém. 

Durante a primeira parte do filme Aurora diz algo do género: "Por vezes dão-nos presentes de que não gostamos. Não é por mal, apenas não nos conhecem o gosto". Tabu é o mais recente presente de Miguel Gomes aos espectadores. É provável que a maioria não goste mas não é por mal, apenas não lhes conhece o gosto.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Ang Babae sa Septic Tank (The Woman in the Septic Tank)

Ang Babae sa Septic Tank:


O segundo filme filipino que vi em dois dias consecutivos tem mais em comum com o primeiro do que o país de origem. Dito resumidamente, Ang Babae sa Septic Tank goza com o grupo de filmes a que Captive pertence.

Enquanto que a obra de Brillante Mendoza faz questão de mostrar a miséria e a violência na vida quotidiana num país do Sudeste Asiático, o filme de Marlon Rivera dá a volta a esse cliché que Mendoza e tantos outros realizadores independentes daquela zona do globo vão alimentando e conta-nos a história da produção de Walang-Wala, um filme fictício realizado pelo jovem Rainier (Kean Cipriano) e produzido pelo seu amigo Bingbong (JM de Guzman).

Tal como no caso dos filmes que tenta satirizar, Walang-Wala é um filme que segue a fórmula de sucesso da nova onda de filmes asiáticos: mostra pobreza e violência; é duro, sujo, cheio de takes longos sem diálogo e - o mais importante de tudo - tem um tema que garante polémica. "É disso que os festivais gostam", diz Bingbong, "o filme vai ser um sucesso!".

À medida que a história vai avançando vamos vendo cenas em que os dois cineastas e a sua production assistant (que, enquanto caricatura perfeita que é, está permanentemente calada e é diligente em buscar cafés) tentam tornar Walang-Wala um isco perfeito para o circuito de festivais e a cada nova sugestão temos intercalado o mesmo conjunto de três cenas, com as devidas alterações: a vítima deve ser rapaz ou rapariga? o abusador caucasiano ou japonês? a mãe da criança deve ser mais ou menos mamalhuda? que tipo de filme deve ser?

Não pensem que com tanta repetição das mesmas cenas o filme se torna chato. A única versão aborrecida é aquela que mais se aproxima mais dos filmes parodiados. Essa, devo avisar, é mesmo lenta mas é logo a primeira, pelo que se podem preparar sabendo que depois da tempestade vem a bonança. 

Todo o restante filme é delirantemente divertido e acerta em cheio nos clichés que quer desvendar. Destaco especialmente a cena do casting de Eugene Domingo, uma (verdadeira) estrela de telenovelas nas Filipinas que apesar de ter apenas três tipos de representação ("elevator", "police alert" e "no-acting acting") quer entrar no filme porque "vocês os indie é que estão a dar".

Marlon Rivera tem 46 anos, este é o seu primeiro filme e filmou-o num período de 10 dias com um orçamento de € 60.000. Ang Babae sa Septic Tank tornou-se o maior êxito de bilheteira de sempre no seu país e - ironicamente - puxou o seu realizador para o mesmo circuito de festivais que os seus protagonistas tanto almejam. É um sucesso inteiramente merecido porque este não é apenas o meu filme preferido da Berlinale (até agora) como a maior e melhor surpresa cinematográfica que tive em 2012.

Death Row

Antes de mais um momento fan-boy. Quem diria que eu, pequeno e amador crítico de cinema, iria alguma vez estar presente na estreia mundial do mais recente filme do meu realizador favorito? E, ainda para mais, ter a oportunidade de falar com ele após a exibição? Adoro a Berlinale!
E agora passemos à SMR propriamente dita.

Death Row:


Antes de dizer seja o que for sobre o filme quero fazer um aviso à navegação: sou um veemente opositor da pena de morte e já tive contacto profissional com alguns casos deste tipo. Por esse motivo, é normal que a minha interpretação deste filme seja especialmente afectada pela minha experiência.
Não quer isto dizer, porém, que seja a favor dos criminosos. Como o realizador, Werner Herzog, diz a um dos seus entrevistados "o facto de ser contra a pena de morte não quer dizer que tenha de simpatizar consigo". Herzog é contra a pena de morte mas este não é um filme militante, optando antes por dar voz aos condenados e não às opiniões do cineasta.

Apresentado como um conjunto de 4 episódios completamente autónomos, Death Row aborda as histórias de 4 homens e uma mulher, tendo como característica em comum o facto de estarem no corredor da morte de um dos 34 estados dos EUA que ainda têm a pena capital como uma pena possivel para certos crimes. Três dos entrevistados confessam os seus crimes, dois lutam até hoje por ver provada a sua inocência, nenhum quer morrer às mãos do Estado.

Dos quatro episódios aquele que mais me tocou foi o de Hank Skinner, o homem que podem ver na foto acima e um dos dois que continuam a clamar a sua inocência. Este homem foi condenado à morte pelo homicídio da sua namorada e dos dois filhos desta, esteve a 20 minutos da hora da sua execução e conseguiu uma extensão dos seus recursos por lhe ter sido recusada a entrega de provas que poderiam estabelecer a sua inocência e qual é a sua atitude perante a vida? Diz apenas que ou passa a vida a chorar ou a rir e já chorou demais. A sua personalidade, a sua crença na inocência e numa eventual libertação, bem como a sua vitória perante o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América lançarão, de certeza, muitos conflitos morais na mente dos espectadores pró-pena de morte.

Os restantes três episódios (James Barnes, George Rivas & Joseph Garcia e Linda Carty) apresentam histórias mais difíceis de abraçar: Barnes confessa os seus hediondos crimes, Rivas & Garcia pensam que a sua condenação é exagerada e Linda Carty clama inocência mas a sua história é mais macabra. Herzog consegue ainda assim mostrar um lado mais humano daquelas pessoas, dirigindo com mestria as perguntas (espontâneas) que foi fazendo naquelas conversas de 50 minutos que foi autorizado a ter com os cinco condenados.

Se há mérito neste filme é esse. O formato prejudica-o um pouco já que parece ser uma espécie de material-bónus para a edição em DVD do seu anterior filme sobre o tema, Into the Abyss (de 2011) mas ao colocar estas pessoas perante as câmaras, bem como aqueles que os acusam e os defendem, Herzog consegue manter-se numa linha da qual seria muito fácil resvalar. A opinião dos espectadores sobre o assunto não vai mudar depois de ver Death Row, mas todos nós ficaremos com uma melhor impressão do que passa pela cabeça de quem sabe a data em que vai morrer.

Ao longo do filme Herzog pergunta frequentemente com que sonham dos condenados e esses  sonhos passam-se, infalivelmente, fora das prisões que os detêm. Porquê?, acaba por perguntar a Joseph Garcia. A resposta é tocante de tão simples que é: sonham com o mundo lá fora porque acordados vivem um pesadelo constante, um pesadelo do qual não sairão vivos.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Captive

Captive:


O realizador filipino Brillante Mendoza sobre do mesmo fado que o jogador Lucho González. Ambos têm nomes que dão para o trocadilho fácil e enquanto que os jornalistas desportivos portugueses se fartam de dizer que o Futebol Clube do Porto tem um jogador de "lucho" também a crítica cinematográfica várias vezes descreve o trabalho deste filipino como brilhante.

Captive é o seu primeiro filme após a dupla de sucesso Lola/Kinatay e o primeiro em que pode contar com uma estrela internacional para chamar ainda mais atenção para o seu trabalho. Não que necessite disso, já que os seus filmes anteriores contavam apenas com actores filipinos e não deixaram de ser brilhantes. (see what I did there?)

Mal as luzes se apagam e o filme começa somos transportados de volta a 2001 e até um resort turístico em Palawan, no Sul das Filipinas onde testemunhamos o rapto de cerca de três dezenas de pessoas que estavam no sítio errado à hora errada. Tal como eles, de início não sabemos o porquê daquela acção e damos por nós tão perturbados como decerto aquelas pessoas estariam. Felizmente, porém, as explicações são dadas e não auguram uma saída rápida para aquele problema: os raptores fazem parte da milícia islâmica Abu Sayyaf, que reclama a ilha de Mindanao como um estado islâmico e ninguém será libertado sem o pagamento de um resgate.

O que ninguém sabe naquela altura é que ali começam para alguns dos raptados os mais duros 377 dias que jamais tiveram de enfrentar. Na tentativa de negociar resgates mais altos os terroristas foram libertando alguns dos seus reféns mas mantiveram os estrangeiros (mais valiosos) e em particular Thérèse Bourgoine (Isabelle Huppert), uma missionária/cooperante francesa.

Em situações de rapto está comprovado que existe um fenómeno psicológico chamado de Síndrome de Estocolmo. Dizem os especialistas que esse síndrome se manifesta através da necessidade que as vítimas têm de se identificar com os raptores, muitas vezes apoiando honestamente a sua causa ou - em casos mais extremos - estabelecendo relações emocionais com os mesmos. É um fenómeno atraente para o mundo do cinema, pelas possibilidades narrativas que trás, mas que felizmente não tem lugar neste filme. Brillante Mendoza sabe humanizar personagens como poucos e é isso que volta a acontecer nesta história.

Thérèse é uma mulher forte que tem os seus momentos de desespero (como quando é visitada por uma equipa de jornalistas, para fazer uma prova de vida), assim como os terroristas são tão capazes de actos profundamente cruéis como de pequenas simpatias como transportar com especial cuidado Soledad, uma idosa com quem Thérèse viaja e que o grupo de raptores e raptados chama de "avózinha". Mendoza não faz o filme para censurar os terroristas ou vitimizar ainda mais as vítimas mas sim para contar a história do que é passar mais de um ano às voltas nas selvas de Mindanao.

Em consequência disso o filme tem um ritmo relativamente lento. Mendoza leva-nos até às profundezas daquela selva e mostra-nos diferentes episódios pelos quais o grupo tem de passar. Imagino que os dias na selva fossem psicologicamente cansativos, pela rotina e pelo constante pairar da ameaça que aquele grupo representa e o realizador tenta - e sucede - recrear o que se passou com aquele grupo de gente.

Sim, este é um daqueles filmes com o famoso crédito "baseado em factos reais". A história de Captive encontra correspondência nos Sequestros de Dos Palmas e é bem provável que nunca tenham ouvido falar nele. Ainda assim, através de Captive, o maior medo de Gracia Burham (outra das raptadas, que no filme tem outro nome) não teve seguimento: houve quem se preocupasse com eles e fizesse um filme para que a sua história não fosse esquecida.

Highway

Highway:


Quando dei a minha primeira olhada pelo programa da Berlinale deste ano um dos principais critérios que tive em conta foi o procurar conhecer o cinema de alguns países mais alternativos. Nesse sentido Highway foi uma escolha fácil: vou ver o meu o meu primeiro filme do Nepal, pensei eu, e logo com uma história me pareceu extremamente apelativa.

Highway é uma espécie de road-movie que tem origem na necessidade do seu protagonista, Manoj, viajar de Darjeeling a Kathmandu no período máximo de 36 horas. É essa a duração máxima dos efeitos de uma poção que tomou para aumentar a sua fertilidade e Manoj e a mulher tentam ter filhos há 4 anos. Manoj e os seus companheiros de autocarro têm pressa de chegar a Kathmandu e terão de improvisar para ultrapassar as sucessivas barreiras à sua progressão. 

É que em princípio o autocarro em que viajam chegaria a tempo, as duas cidades distam cerca de 650km uma da outra e segundo o Google Maps a viagem dura 12 horas e 53 minutos. O problema é que no Nepal as viagens por estrada não são assim tão simples. Há que contar com os sucessivos bandh que bloqueiam as estradas daquele país e não deixam o autocarro de Manoj chegar calmamente ao seu destino. "E o que são bandh?", perguntam vocês. São uma forma de manifestação bastante típica daquela região em que os organizadores cortam as estradas durante dias a fio para que o trânsito deixe de fluir.

Quando li o sumário imaginei Highway como uma corrida contra o tempo sempre com um ritmo acelerado numa mistura de comédia e acção, mas estava enganado. Esta é a primeira longa metragem do seu realizador (Deepak Rauniyar) e isso nota-se sobretudo na tentativa de contar tudo e, consequentemente, acabar por não contar nada. Numa tentativa de aprofundar as razões que levam aquelas pessoas a fazer a viagem o filme perde-se e acaba por secundarizar aquilo que deveria ser o seu centro, o autocarro e seus ocupantes.


Talvez em mãos mais experientes esta tentativa de malabarismo tivesse tido mais sucesso mas infelizmente Deepak Rauniyar não teve mãos para o que quis contar. A edição do filme aproxima-se perigosamente do amadorismo e a dada altura os espectadores estão tão perdidos que não conseguem desfazer o novelo de histórias. Existe ainda assim uma redenção: se enquanto história de ficção Highway é fraco, enquanto espelho da vida no Nepal actual tem algum interesse.

Uma nota final para a forma como o orçamento para o filme foi obtido. Através de doações individuais numa plataforma online o realizador conseguiu juntar os $ 33.647 necessários e, só depois de tudo já filmado, chamar a atenção do actor Danny Glover, que acabou por se associar ao projecto enquanto co-produtor. As novas tecnologias abriram a porta a novas formas de financiamento e este é um bom exemplo das novas portas que se abrem para o futuro.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Kid-Thing

Kid-Thing:


Annie (Sydney Aguirre) tem 10 anos e vive com o homem que é seu pai numa qualquer terroiola do Texas. O homem que é seu pai só o é na teoria, porque quanto ao tomar conta da filha, preocupar-se com ela, saber por onde anda ou transmitir-lhe alguns valores está quieto, Marvin (Nathan Zellner, irmão do realizador) é uma criança grande que falha completamente nas suas responsabilidades parentais.

Annie é uma criança-criança mas por vezes faz asneira como gente grande: diverte-se fazendo chamadas anónimas (como tantos de nós fizemos quando éramos mais novos), a roubar doces do supermercado ou a disparar armas de paintball contra o cadáver de uma vaca. Vejam-na como um Calvin, mas sem o Hobbes e no corpo de uma maria-rapaz. Annie tem uma vida complicada e é, ela mesma, complicada.

Um dia em que não tem escola resolve ir passar o tempo para um bosque e começa a ouvir gritos de socorro. Resolve investigar e descobre uma espécie de poço onde aparentemente terá caído Esther, mulher mais velha que agora precisa da ajuda de Annie para sair. Annie, a criança que diz que não tem medo de nada, foge a correr mas volta no dia seguinte e continua a voltar, com comida, bebida e pedidos de atenção. Nunca, porém, com uma escada ou um adulto que possa realmente ajudar.

Porque é que Annie mantém a relação com esta mulher que não vê? Porque é que não a ajuda a sair dali? Será que Esther existe mesmo ou é uma criação da mente daquela criança, uma forma de enfrentar o medo do desconhecido? A resposta é deixada em aberto mas o filme tende a seguir numa direcção que não me agradou particularmente e que o afasta de maior grandeza. Tomem particular atenção à montagem sonora para perceber o que estou a dizer.

Talvez seja embirração pessoal da minha parte mas acho que filmes sobre crianças (que não são a mesma coisa que filmes para crianças, Kid-Thing é um filme para adultos!) devem tentar ser o mais directos possível, sem forçar obscurantismos que não existiriam na mente dos seus protagonistas. As crianças vêem magia e aventura em todo o lado, mas não duplos sentidos para as suas acções. A história de Annie é por si só relevante e a tentativa de forçar simbolismos onde não os devia haver faz com que Kid-Thing nos transmita uma mensagem, mas uma mensagem menos interessante.

Foi sobretudo por isso que fiquei desiludido com Kid-Thing. É um filme tecnicamente bastante competente (com especial louvor para o trabalho a nível sonoro e para a interpretação da protagonista) e que não é propriamente mau, mas a razão que me impeliu a ir vê-lo foi o ter-me lembrado de um filme chamado Curling, do Denis Côté, e querer ver um filme a explorar melhor um tema que me interessa bastante. Infelizmente terei de continuar na minha busca da forma perfeita de mostrar a solidão infantil.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Nuclear Nation

Nuclear Nation:


Se filmes e jogos apocalípticos como o The Road ou a série Fallout nos tentam mostrar o mais realisticamente possível como seria a vida humana após um qualquer apocalipse nuclear, Nuclear Nation - do cineasta japonês Atsushi Funashi - conta nos a história real de um grupo de pessoas sobre as quais esse apocalipse caiu no dia 12 de Março de 2011.

As pessoas em causa são alguns dos ex-residentes da cidade de Futaba, na costa leste do Japão. Na véspera do malfadado dia 12 de Março de 2011 a sua cidade, que em condições normais estaria condenada ao esquecimento, tornou-se notícia por uma das piores razões possíveis: foi das cidades mais afectadas pelo gigantesco tsunami que nesse dia levou consigo milhares de casas e de vidas. Infelizmente para Futaba o pior ainda estava para vir.

Nesse dia 11 de Março, enquanto os sobreviventes tentavam dormir no que restava da sua cidade, não imaginariam que talvez nunca mais lá pudessem passar a noite. No dia seguinte o reactor número 1 da central atómica de Fukushima Daiichi (este nome já é mais conhecido, certo?) não resistiu ao sobreaquecimento consequência do tsunami e explodiu, lançando para o ar uma nuvem radioactiva que punha em perigo tudo e todos. Começava aqui o pior desastre nuclear desde Chernobyl.

Tendo sobrevivido ao tsunami, os Futabenses (?) remanescentes foram evacuados para diversas partes do Japão, tendo muitos deles ido parar a uma escola perto de Tóquio. Foi lá que o realizador os conheceu e é por lá que passamos a grande parte das mais de duas horas do filme.

É também nessa escola, a centenas de quilómetros de Futaba, que está instalada a Câmara Municipal da cidade e onde trabalha o seu presidente, Katsutaka Idogawa, um D. Quixote moderno e real que tem a árdua tarefa de tentar reconstruir uma cidade que simplesmente desapareceu do mapa. Idogawa é o mais próximo que este filme tem de um personagem principal e, posso dizê-lo, uma pessoa que fiquei a admirar pelas suas investidas contra os "moinhos de vento" atómicos.

No Q&A que se seguiu à exibição do filme o realizador (cujo pai sofreu outro apocalipse nuclear, já que vivia em Hiroshima no dia 6 de Agosto de 1945) admitiu duas razões para a existência deste filme: por um lado "denunciar a negligência criminosa do Governo Japonês e da TEPCO" e por outro mostrar um rosto àquela tragédia, depois dos repórteres das televisões terem ido embora.

Só posso dizer que pela minha parte o objectivo foi cumprido. Apesar de sofrer do grande problema do cinema documental asiático - a falta de narração - Nuclear Nation é um filme importante, pela mensagem que transmite, mesmo que essa mensagem seja - analisada objectivamente - bastante deprimente, basta pensar que o acidente de Chernobyl aconteceu em 1986 e Prypiat, a Futaba de então, ainda hoje é uma cidade fantasma. O governo japonês aprovou recentemente uma lei que determina que os terrenos onde Futaba se situava serão utilizados para armazenamento de lixo tóxico de outras zonas do país e não é por acaso que o liceu alberga cada vez menos refugiados (cerca de 500, dos 1400 iniciais). Futaba acabou e Idogawa já está a lutar contra um novo moinho de vento, descobrir onde fundar a sua nova cidade. 

Será uma mudança temporária, diz ele, até voltarem ao sítio de onde saíram naquele malfadado dia 12 de Março de 2011.


(A sessão a que assisti foi a estreia mundial deste filme pelo que é quase certinho que esta é a primeira crítica que lhe é feita em língua portuguesa. Cada vez gosto mais da Berlinale e vocês deviam gostar cada vez mais de mim por vos trazer estes exclusivos. Toca a passar palavra e a promover-me o blog!)