sábado, 18 de fevereiro de 2012

Rebelle

Rebelle:


Rebelle, filme canadiano na secção competitiva da Berlinale tem muitas semelhanças com Captive, candidato filipino ao mesmo galardão. Serão demasiadas, essas semelhanças? Diria que não, Rebelle e Captive contam o que têm a contar de forma semelhante mas as histórias são suficientemente diferentes para ambos merecerem o visionamento.

A história de Rebelle é ao mesmo tempo mais abstracta e mais real que a de Captive. É certo que não se trata de um argumento baseado em factos reais, mas aquilo que Komona (Rachel Mwanza) narra à criança que tem no ventre acontece todos os dias a meninas como ela.

Foi aos 12 anos que Komona foi raptada da sua aldeia pelo exército do Grand Tigre, num qualquer país francófono do centro africano. O seu baptismo de fogo começa logo ali quando os soldados que a raptam a obrigam a fuzilar os seus pais. Por algum motivo? Nem por isso, apenas para ver se Komono tem o que é preciso para empunhar uma arma. Komona mata-os porque tem de os matar para viver, e torna-se rebelde porque assim o instinto de sobrevivência lho diz. Numa situação de matar ou morrer pouco interessa a afinidade ideológica.

Levadas pelo grupo para o meio da selva as crianças raptadas são apresentadas ao "leite mágico" - uma substância alucinogénica que no caso da nossa protagonista faz com que veja os fantasmas daqueles que vão morrer (aqui representados em sequências oníricas bastante poderosas). Numa sociedade em que a magia ainda é tão prevalente este é um grande poder e, após ter sido a única sobrevivente a um ataque sobre o seu exército, Komona é promovida a war witch (bruxa de guerra?), o que lhe confere acesso directo ao grande líder e uma protecção que normalmente não é dada a mulheres que passam por aquela situação.

É pouco depois desta dita promoção que um dos seus protectores decide fugir da guerra e a aconselha a fazer o mesmo. Muitas war witches são assassinadas depois de uma batalha perdida e Komona não terá destino diferente. Esse protector é um rapaz não muito mais velho mas já com o one mile stare que só muitos anos de guerra podem criar. É também albino, uma característica que muitas culturas africanas vêem como sobrenatural e que lhe conferiram o nome pelo qual o vamos conhecer, Magicien (Serge Kanyinda).

Os dois jovens fogem e o filme perde-se. Se até então estavamos a testemunhar as dificuldades por que passam as crianças soldado do Lord's Resistance Army (só para citar um exemplo verdadeiro) a história passa a focar-se quase em exclusivo no destino dos dois e as intersecções que esse vai ter com o exército que agora os vê como desertores. Ambas as histórias têm o seu valor e seriam interessantes por si só, mas a quebra pareceu-me demasiado abrupta e teve como consequência um desligar emocional logo quando estava a começar a ficar mais interessado.

Filmado na República Democrática do Congo com um elenco de não-actores, a história de Rebelle poderia ter lugar na maioria dos países centro-africanos e é esse o grande mérito que lhe revejo, o de aumentar a notoriedade de um fenómeno actual e mais frequente do que nós, cidadãos de países em que estas histórias são ficção, queremos acreditar. Aqueles que entraram no filme são sortudos, as armas em que pegam são meros adereços, muitos da idade deles andam ainda hoje, neste preciso momento, a mando de exércitos como o do Grand Tigre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário