sexta-feira, 22 de junho de 2012

Rabbit Hole

Rabbit Hole:


Tens 30 e tal anos, uma casa de sonho nos suburbios de Nova Iorque, um carro de luxo, um filho e um cão. Estás na tua casa, como tantos outros pais em tantos outros sítios, o teu filho corre atrás do cão como tantos outros miúdos de 3 anos mas acaba morto, atropelado. De repente o vazio. Não há adeus, nem até já nem qualquer hipótese de preparação, apenas um grande vazio para jamais preencher.

Depois do fabuloso Shortbus, que lida com a sexualidade, a perda é o tema de Rabbit Hole, novo (mas já antigo) filme de John Cameron Mitchel, com a Nicole Kidman e o Aaron Eckhart a servir de pais perfeitos a braços com a maior das tragédias.

Becca e Howie lidam por meios diferentes com o que se passada: enquanto que ele procura à força toda manter viva a memória de Danny, ela torna-se fria com o marido e com o mundo procurando sofregamente o contacto com Jason (Miles Teller, a aguentar-se bem entre as estrelas), o jovem que conduzia o carro que matou o seu filho e que não consegue deixar de pensar "e se fosse mais devagar?" apesar de não ter culpa no acidente.

Como muitos casais reais que passam por este drama Becca e Howie entram em crise: têm em comum uma tragédia e o espaço que os cortou a meio, os paninhos quentes e a simpatia dos amigos só os relembram do porquê e mesmo a mensagem de que "Deus precisava de um novo anjo" que o seu grupo de apoio tenta transmitir só lhes dá nojo, não conforto. Tal como a morte de Danny é irreversível, também a dor que terão de transportar é permanente...de início é insuportável, um dia pesará menos mas - como partilha a mãe de Becca - haverá sempre um peso a carregar, onde quer que vão.

Rabbit Hole acaba por ser um excelente estudo sobre o processo de lidar com essa horrível missão. É um filme duro de se ver, cinzento, esbatido e, como é normal dado o tema, sem um final feliz. Como tal, é uma obra importante e poderosa mas, por favor, não o procurem como forma de  entretenimento ou consolo, não conseguirão deixar de pensar "e se fosse eu?"

terça-feira, 5 de junho de 2012

Tyranossaur + Dog Altogether

Tyranossaur:


Normalmente, assim que tenho oportunidade, depois de ver um filme vou à respectiva página de trivia do IMDB e leio alguma informação engraçada relativa ao mesmo. Depois de ter visto Tyrannosaur, primeiro filme realizado pelo actor inglês Paddy Considine, fiquei absolutamente chocado: aparentemente este filme teve bastantes queixas de gente que saiu a meio e tentou reaver o dinheiro. Porquê? Porque este filme não é uma espécie de Jurassic Park em terras de sua majestade.

Por esse motivo, fica desde já o aviso: Tyrannosaur é apenas a alcunha que o protagonista do filme deu à sua falecida mulher. Nada mais que isso.

O protagonista chama-se Joseph, um miserável inglês que não poderia ser mais miserável nem mais inglês. A sua vida está a cair aos bocados e apenas o alcool e uma agressividade ao nível do Clint Eastwood em Gran Torino mantêm a sua vontade de continuar. A sua mulher morreu, o seu melhor amigo está a morrer e a sua última companhia, o seu cão, acaba por sofrer às suas mãos.

Mesmo antes de bater no fundo Joseph conhece Hannah (Olivia Colman, que merece todos elogios que recebeu), uma mulher igualmente miserável mas com fé em algo mais que a cerveja. Hannah poderá inicialmente parecer o oposto de Joseph mas são ambos almas perdidas que precisam de ajuda.

Joseph ajuda Hannah a recuperar de uma relação conjugal violenta, Hannah faz com que Joseph volte a ter um pouco de fé na humanidade, mesmo que não continue a acreditar na sua própria humanidade.

Tal como o mundo de tantos Joseph e Hannah reais, a realidade de Tyrannosaur é pobre, violenta e tão chuvosa como só a Inglaterra pode ser e tal como no mundo real a história destes dois seres que ninguém imaginaria juntos não tem um final feliz. A consolação dos personagens é uma réstia de moralidade que encontram nas profundezas dos seus seres, a consolação dos espectadores só pode ser uma: enquanto retrato da realidade, Tyrannosaur não poderia ser mais pungente...no mundo de Tyrannosaur a tristeza e a raiva são as únicas emoções.



Na mesma sessão deu ainda para ver Dog Altogether, a curta que serviu de teste para Tyrannosaur. É basicamente uma versão mais agressiva da parte inicial da longa mas não deixa de ser engraçado para ver a evolução que a história teve nos 4 anos que separam os dois filmes.

sábado, 2 de junho de 2012

Moonrise Kingdom

Moonrise Kingdom:



No dia 8 de Abril de 2002 vi o The Royal Tenenbaums numa sala do cinema Monumental em Lisboa. Não gostei do filme mas pior do que isso, comecei uma relação muito complicada com os filmes do Wes Anderson. Devo ter visto esse filme por volta das 19h porque me lembro que era essa a hora a que as visitas do Hospital Particular de Lisboa acabavam e eu saí um pouco mais cedo para conseguir chegar à sessão a tempo. Foi a última vez que falei com o meu pai.

Ontem, mais de 10 anos depois, numa sala do cinema Cinestar Potsdamer Platz em Berlim, fiz finalmente as pazes com o Wes Anderson. Obviamente a culpa não é dele, mas desde 2002 que não conseguia desligar-me da relação que tinha entre este realizador e a sensação de "e se tivesse ficado mais uns minutos a conversar"? Entretanto o meu pai morreu, o Wes Anderson fez mais três longas (das quais vi uma - The Darjeeling Limited), eu cresci 10 anos e só ontem consegui desligar essa associação.

O segredo para que isso tivesse acontecido está no facto de Moonrise Kingdom contar uma história que eu gostaria de ter vivido quando tinha os mesmos 12 anos que Sam (Jared Gilman, que poderá ir longe se decidir continuar a ser actor). Sam é um membro altamente impopular dos Khaki Scouts liderados por Ward, um Edward Norton brilhante de tão perdido que torna o seu personagem. Um certo dia, no verão passado, Sam conhece Suzy (Kara Hayward), filha de um dos poucos casais residentes na fictícia ilha de New Penzance. Tornam-se pen pals (o filme é passado em 1965, na era pré-internet) e no ano seguinte resolvem tentar o reencontro e a fuga.

Tanto Suzy como Sam estão longe de ser o que a sociedade gostaria que eles fossem. Ele é um órfão incompreendido no meio de uma família adoptiva que acaba por o abandonar, ela tem tudo o que uma família (disfuncional, não fosse ela liderada pelo Bill Murray e pela Frances McDormand) lhe poderia dar mas confessa a Sam que gostaria de ser órfã como ele, pois nos seus livros os órfãos têm vidas muito mais interessantes.

A fuga de Sam e Suzy conjugada com uma tempestade anunciada pelo estranho narrador põe New Penzance em alvoroço. O polícia da ilha (Bruce Willis, uma grande escolha de casting) junta-se aos pais de Suzy, a Ward e aos seus escuteiros na busca dos fugitivos e essa é metade da história. A outra metade é a do desenvolver da relação entre o casal em fuga.

A fórmula de dividir a história em dois funciona muito bem pois permite-nos divertir-nos com a seriedade com que a fuga é tratada pelos perseguidores enquanto que sabemos o quão pouco desesperado é o estado de espirito dos perseguidos. Sam e Suzy só querem estar juntos e acabam por envolver-se de uma forma bem mais profunda do que se esperaria para duas crianças.

Como disse no início, este filme fez as pazes entre mim e o Wes Anderson por contar uma história de que eu gostaria de ter feito parte. Mas o segredo do sucesso é sobretudo a forma como é contada. O look e a banda sonora dos anos 60 só ajudam a que nos deixemos envolver numa narrativa que conta a história deste puto de 12 anos como se fosse ele mesmo a conta-la.

No final da sessão nem uma pessoa saiu até ao final dos créditos. Uns provavelmente sonhando ser Sam (ou Suzy) numa história de amor tão possível como irreal, outros querendo talvez ser tão cool como o casal Bishop, eu por ter desfeito o nó que me afastava deste grande realizador e por ter acabado de assistir ao meu filme favorito deste ano, todos com um grande sorriso na cara.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

The Dictator

The Dictator:


Acabou-se o estado de graça para Sacha Baron Cohen. Uso propositadamente este termo típico da democracia (e do futebol) para avaliar o seu último filme, sobre um ditador de um país fictício no Nordesde Africano (onde na realidade fica a Eritreia) que se desloca a Nova Iorque para, perante as Nações Unidas, tentar convencer a comunidade internacional de que o seu programa nuclear tem fins meramente pacíficos.

So far so good, não? Um tema bastante comum - tantas vezes já ouvimos esta conversa sobre o Irão ou a Coreia do Norte - analisado de uma forma cómica poderia ser uma boa base para o criador de Borat.

Pois a ideia de fundo pode ser boa mas depois é preciso substância para que as histórias se desenvolvam e neste caso a ideia parece ter sido meter todas as piadas politicamente incorrectas que os argumentistas se lembraram, na ordem pelas quais eles se lembraram delas. Assim, temos as constantes referências ao assassínios de todos os que não agradam ao Major General Aladeen, os pobretanas que vivem nas montanhas e têm sexo com cabras, a misoginia, os colectivos anarco-feministas vegan liderados por uma mulher com pelos no sovaco e por aí em diante.

E agora vêm os membros da brigada anti-PC dizer que eu sou da brigada-PC (politicamente correcto, não Partido Comunista), mas a verdade é que não me senti por uma única vez chocado com as piadas. Considero que tenho inteligência suficiente para entender o humor em situações que à partida poderiam não o ter, mas é preciso que o humor seja de qualidade e não esta mescla de piadas que - estando acima dos Malucos do Riso - não passam a fasquia de um filme do Adam Sandler.

Sacha Baron Coen é um homem inteligente e merece a fama que tem. Há mais de 10 anos que pega em estereótipos e desconstrói-os com piada, mas ao contrário das suas anteriores criações a ter espaço no cinema, o General Major General Aladeen parece ter sido criado à pressa para extrair mais uns milhões do pessoal que ainda vai ver os filmes dele. Eu era uma dessas pessoas mas, como disse, o estado de graça que lhe dei acabou.

Não quer isto dizer que esteja tudo perdido. Consegui rir-me umas 4 ou 5 vezes durante o filme (uma delas devido à constante torrente de insultos à personagem de Anna Faris, estranhamente parecida com o Patton Osswalt) e hei de continuar a prestar atenção aos seus futuros projectos, mas espero sinceramente que as piadas voltem a ser mais inteligentes. Na história cinemática dos ditadores cómicos, o que pouco fala e é a preto e branco ganha claramente a guerra àquele que precisa de barulho e cores berrantes para chamar a atenção.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro

Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro:



Pobreza, droga, crime, violência policial, corrupção. Estas são algumas das realidades transmitidas para o "mundo exterior" pela grande maioria dos filmes brasileiros. Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro não é uma excepção a essa regra, relatando-nos a história de um polícia transformado em político que luta contra a corrupção tanto na polícia como na política.

O inimigo agora é outro, diz-nos o subtítulo do filme e com razão. O protagonista é o mesmo do filme original: Nascimento, capitão no primeiro filme e agora promovido a tenente-coronel; o realizador é o mesmo (José Padilha, que também co-escreveu o argumento dos dois filmes) e muitos dos personagens secundários que sairam vivos do primeiro voltam a aparecer. A grande diferença mesmo, é que no primeiro filme falava-se da luta do BOPE (forças especiais do exército brasileiro) contra a droga e no segundo fala-se da luta de um "caveira" contra o sistema instalado.

Devo confessar que não me recordo bem das minhas opiniões sobre o primeiro filme e infelizmente na altura em que o vi ainda não escrevia aqui. No entanto, se bem me lembro a impressão com que fiquei foi a de que se tratava de mais um filme da nova vaga de cinema brasileiro que surgiu no pós-Cidade de  Deus. Esta sequela afasta-se um pouco dessa escola e aproxima-se mais de um qualquer thriller americano. Com as devidas diferenças, o filme que me veio à mente foi o The Insider e vou já explicar porquê

A luta do tenente-coronel Nascimento é solitária. A dada altura tem a ajuda de amigos, colegas e até inimigos mas a luta é sempre sua e o filme sofre um pouco com isso. Toda a história é contada da sua perspectiva (sendo inclusivamente narrada por Wagner Moura, actor que faz de Nascimento), o que impossibilita a história de se afastar um pouco e deixar-nos perceber as coisas melhor. Um bom exemplo disso é a sub-história do Major Rocha e de como passou a controlar as favelas...se calhar fui eu que fui burro mas não percebi como é que ele chegou a essa situação de poder.

Felizmente essa é uma falha menor num filme que nos prende do princípio ao fim com a sua intensidade. A história de Nascimento é levemente inspirada numa pessoa real e em nenhum momento consideramos que os eventos do filme são impossíveis. O seu final é aberto, como infelizmente o serão muitos casos que serviram de inspiração para esta história: na luta contra a corrupção generalizada uma pessoa honesta pode vencer algumas batalhas, mas continuarão a faltar muitas mais até que se ganhe a guerra.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Dark Shadows

Dark Shadows:



Há algo que não funciona em Dark Shadows, o mais recente filme do Tim Burton. A história de Barnabas Collins nunca teria qualquer valor intelectual dado o material adaptado, mas confesso que esperava divertir-me mais.

Dark Shadows é o nome de uma telenovela americana dos anos 70 que conta a história de uma familia do Maine que, entre milhentos problemas típicos das familias de telenovela, tem a particularidade de ser liderada por um vampiro. Teve a duração de 5 anos (bem mais que muitas séries de qualidade de hoje em dia) mas no fundo não passa uma novela que quase ninguém conhecia antes desta adaptação cinemática. Teve a sorte de ser vista por um jovem Johnny Depp e um jovem Tim Burton, que na altura não se conheciam mas decerto passaram tardes sem escola a ver televisão de má qualidade.

Sim, porque aparentemente Dark Shadows a novela caía naquela tão ténue categoria do tão mau que é bom. Eu confesso que nunca me dei ao trabalho de ver um minutito que seja no Youtube mas pelo que tenho lido as interpretações e os efeitos especiais estariam ao nível de um Plan 9 from Outer Space.

A adaptação de Tim Burton resolveu esquecer essa característica essencial. Os efeitos especiais são (propositadamente?) esquisitos mas nunca maus - quando era maus que se pedia - e as interpretações vão pela mesma onda: o Johnny Depp continua a ser o maior mesmo quando quer dar ao seu Barnabas Collins toques de surrealidade (não) propositada e o restante elenco é completamente acessório.

Agora que penso nisso, é precisamente isto que não funciona em Dark Shadows, a gigantesca diferença de tratamento entre Barnabas Collins e todos os outros personagens. Imagino que houvesse a vontade de homenagear no cinema todas as míticas figuras da novela mas uma vez que aqui se tem apenas duas horas o tiro sai pela culatra: no início somos apresentados aos membros restantes da família Collins (incluindo a Michelle Pfeiffer, que já não aparecia há que tempos) , mas logo de seguida é-lhes retirado tempo de antena e a história foca-se em Barnabas e em Angelique (Eva Green, num papel que devia ser da Anne Hathaway), a bruxa que rogou a praga àquela família, há mais de 200 anos. E essa história não tem interesse nenhum.

Tivesse Tim Burton optado por explorar os anacronismos entre um vampiro com 200 anos e o estilo de vida hippie dos anos 70, como fez nos primeiros minutos da história, e a avaliação final deste filme seria decerto melhor. Assim, focando-se acima de tudo numa história de amor eterno não correspondido, as gargalhadas vão desaparecendo e começam a chegar os bocejos. É por esta falta de pontaria que não tenho grandes dúvidas que este Tim Burton, o pior que já vi deste excelente realizador, irá sofrer o mesmo destino que a novela em que se inspira: condenado ao esquecimento até que daqui a umas décadas alguém se lembre de fazer um remake.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

É na Terra, não é na Lua

É na Terra, não é na Lua:


Ilha do Corvo, Arquipélago dos Açores, Portugal. Uma única vila, fundada há 490 anos. População actual: 430 habitantes. O verdadeiro ponto mais Ocidental da Europa, quase tão longe de Lisboa como Berlim. O Município mais masculino do país, com 126 homens para cada 100 mulheres.

É esta a base de trabalho para o mais recente documentário de Gonçalo Tocha, que tem vindo a receber prémios e mais prémios desde que se estreou (como filme vencedor) no DocLisboa 2011. É um filme longo e lento, mas por isso funciona tão bem...adapta-se ao ritmo da ilha que se propôs a documentar e, como bom documentário, não impõe o seu ritmo àqueles que filma.

Sim, porque este filme é muito mais sobre os corvinos (gentílico dos habitantes deste paraíso perdido) que sobre a ilha que os acolhe. Ao longo das suas três horas é-nos dada a conhecer a estrutura da Vila do Corvo, o caldeirão que tão bem define a natureza vulcanica da ilha ou algumas das suas enseadas, mas não haja dúvidas que as verdadeiras estrelas são a Sra. Inês Inêz e os restantes habitantes da ilha.

As suas profissões, o seu artesanato, as suas lendas, o seu passado e as suas esperanças para o futuro são alguns dos temas que o realizador resolveu documentar. A tradição da Nossa Sra. dos Milagres passar 24h em casa de cada um dos habitantes, o facto das eleições terem 1/3 da população como candidatos elegíveis ou a história do veleiro que ali chegou sem ninguém ao comando são pedaços de história que merecem ser preservados e, felizmente, assim o foram através da câmara de Gonçalo Tocha.

Invejo-o por ter tido essa ideia, eu que há anos que nutro uma paixão pouco saudável por ilhas remotas nunca tinha colocado a hipótese de explorar o mais remoto que há no meu país. É na Terra, não é na Lua fez-me despertar o interesse por essa ilha e não foram poucas as vezes que referi "tenho de lá ir antes de morrer" enquanto via o filme.

"OK, mas eu não tenho propriamente interesse em ilhas remotas do Atlântico Norte, será que este filme é para mim?" perguntarão vocês. Sim, é a minha resposta...partindo do pressuposto que se lêem este blog é porque têm alguns interesses em comum com este vosso escriba, acredito que por muito pouco interesse que tenham em pequenos pedaços de terra no meio do imenso mar terão curiosidade em conhecer um pequeno ponto de Portugal - do mundo - que não conhecerão melhor a menos que visitem a ilha em primeira mão.

Este trabalho de Gonçalo Tocha tem - acima de tudo o resto - esse grande mérito. Mais que um trabalho artístico É na Terra, não é na Lua é um testemunho sociológico de uma ilha cuja memória escrita é praticamente inexistente. Não acharia muito estranho que daqui a umas gerações o Corvo seja uma ilha desabitada (já teve 900 habitantes - mas, em abono da verdade, também já teve 300) e este filme será provavelmente o testemunho definitivo dos homens e mulheres que no século XXI, falando a mesma língua, cantando o mesmo hino e sofrendo o mesmo que eu pela selecção nacional, têm uma vida incrivelmente diferente da minha. E é tão bom agora conhecê-la melhor!

sábado, 12 de maio de 2012

Informação

Este blog não está morto.

Por incrível que pareça, estou há 6 meses à espera que a internet seja instalada no meu apartamento. Como agora não tenho tempo para ir para o McDonald's/Starbucks usar a net à borla - como fiz desde Outubro - as SMR estão "congeladas" até que as possa escrever em casa.

Consta que tal instalação terá lugar na próxima semana, mas também me disseram isso em Fevereiro, por isso não sei.

Até lá vejam muitos filmes, que eu hei de voltar com muitas SMR.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Submarine

Submarine:


"Once upon a time...". É assim que as histórias da carochinha começam em língua inglesa, uma versão do nosso "Era uma vez".

Submarine, filme oriundo do Reino Unido sobre um jovem galês não começa com "Once upon a time" nem tem um tema apropriado a histórias da carochinha, mas sem dúvida que tem o seu quê em comum com estas: talvez a sua mensagem mais profunda (Oliver não quer que nada mude na sua vida não perfeita, mas equilibrada) ou talvez pelo inventivo visual explorado pelo realizador Richard Ayoade. O que é certo é que há algo em Submarine que desce à nossa memória e fica guardado no mesmo baú que histórias bem mais antigas.

Oliver (Craig Roberts) é a personalização do narrador da canção Disco 2000, dos Pulp, e narra-nos mesmo a sua história. Vive com os pais numa pequena vila do País de Gales, onde frequente um liceu no qual ocupa um lugar intermédio da hierarquia social: é suficientemente esquisito para correr o risco de ser gozado pelos colegas mas, por outro lado, é alvo de um certo culto da sua personalidade. Tudo corre relativamente bem até que de uma assentada um novo vizinho chega e Lloyd conhece, corteja e se apaixona por Jordana (Yasmin Paige), uma rapariga do mesmo calibre a quem Oliver promete tornar-se no melhor namorado do mundo.

Só que o novo (e estranho) vizinho não deixará Oliver cumprir a sua promessa. trata-se de uma antiga paixão da sua mãe que - ao reatar-se - provoca um grande abalo no casamento dos pais. Oliver, precocemente adulto como é, vai tentar resolver a questão e acaba inevitavelmente por prestar menos atenção a Jordana, também ela a passar por graves problemas familiares.

Tudo aquilo é areia a mais para a sua camioneta. Como em todas as histórias da carochinha, o nosso protagonista acaba por aprender uma lição: a sua vida poderia não ser perfeita mas não era propriamente má e agora só deseja tê-la de volta. Só que - sabemos nós - a simplicidade da infância, uma vez perdida, não volta mais.

Submarine tornou-se um daqueles sucessos lo-fi, a par com alguns filmes independentes americanos dos últimos tempos (estou a pensar em Me and You and Everyone We Know, por exemplo) mas é ao mesmo tempo mas clássico e mais inovador que estes. Oliver é um fruto dos anos 70 que nasceu na década errada enquanto que o trabalho de realização torna Submarine suficientemente humano, inteligente e original para que algo que poderia ser uma pseudo-chachada acabe por tornar-se uma boa experiência de cinema.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Lola

Lola:



Datado de 2009, Lola foi o filme responsável por trazer Brillante Mendoza e o cinema filipino para as luzes da ribalta. Tal como os filmes posteriores deste realizador, a sua história baseia-se na realidade do seu país natal, usando o dia-a-dia dos seus cidadãos como inspiração para histórias que, depois de adaptadas, dão cinema de grande qualidade.

Ao contrário da protagonista de Lola Rennt, esta Lola - de apelido Sepa (interpretada por Anita Linda) - anda bem devagar. Trata-se da avó de uma triste vítima mortal durante um assalto mal sucedido, que assume as rédeas da sua família quando se torna necessário organizar o seu funeral e promover o julgamento do seu assassino, Mateo (Ketchup Eusébio, actor com o melhor nome de todo o sempre!). A sua antagonista é outra Lola - desta vez Puring de apelido (interpretada por Rustica Carpio) -, a avó de Mateo, que pretende convencer Lola Sepa a desistir do processo contra o seu neto.

A duplicação do nome Lola não é coincidência, já que este não se trata de um nome próprio mas sim da palavra "avó" em Tagalog. Estão assim frente a frente duas avós de Manila, que podem não andar à pancada (desenganem-se aqueles que queriam ver uma espécie de wrestling geriátrico) mas que não desistem de ajudar as suas respectivas famílias até esgotarem as suas forças. São a força motriz deste filme e parecem ser uma grande força motriz da sociedade filipina.

Digo isto porque apesar de nunca ter visitado este país fiquei com a impressão que Brillante Mendoza a retrata de forma bastante fidedigna. Usando uma estética de documentário que realça o realismo da sua história, Mendonza conseguiu Lola dos clichés da violência e da pobreza (que, no entanto, marcam a sua presença por serem reais) e criou uma história longa e lenta, mas real, humana e encantadora. Não será um filme de massas, mas recompensa e muito aqueles que se aventurem para lá da artrite.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Trolljegeren - Troll Hunter

Trolljegeren - Troll Hunter:


Desde que em 1999 saiu o Blair Witch Project que muitos filmes (de terror mas não só) seguem a sua fórmula: recebemos este filme nos nossos escritórios e não sabemos quem são as pessoas no filme, mas achámos por bem editá-lo e estreá-lo em sala.

Se a formula funcionou bem nessa altura, em que parte do marketing de Blair Witch era mesmo o não se saber se aquilo tinha sido mesmo filmado amadoramente ou era um filme, passados 13 anos o nível de sucesso já não é o mesmo. Especialmente quando o tema é tão pouco realista e - problema meramente técnico que advém da melhoria das câmaras actuais - a qualidade das imagens é tanta que se parece mais com um filme de Hollywood que com algo amador.

A premissa de Troll Hunter está explicada no seu título. Um grupo de estudantes da universidade de Volda decide filmar um documentário sobre uns ataques de ursos que ocorreram nas redondezas e durante as filmagens ouvem falar de um ainda mais estranho caçador. Resolvem segui-lo e este decide mostrar-lhes o que realmente faz.

A partir daí seguimos os três documentaristas a seguir Hans (Otto Jespersen, a única intepretação de jeito no filme), o caçador que por sua vez persegue os trolls pelo Norte da Noruega. Cada espécie troll tem a sua personalidade, os seus pontos fracos e, consequentemente, uma forma diferente de ser apanhado (tal como são descritos na mitologia nórdica, que eu confesso desconhecer totalmente). Pontos em comum são poucos, mas diz que nenhum gosta de cristãos e - mais importante ainda - todos se transformam em pedra quando expostos à luz solar a outra qualquer luz intensa.

Com esta premissa Troll Hunter até podia ser divertido. O conceito é engraçado, os troll estão muito bem desenhados (uma mistura de CGI com imagem real) e é sempre divertido ver pessoas a chorar enquanto admitem que são cristãos no armário, mas algo no trabalho de André Øvredal não funciona: como já disse, a opção por um filme de found footage não convence nem por um segundo, as interpretações dos documentaristas são bastante fracas e até mesmo a opção por colocar uma música de Kvelertak (uma das minhas bandas favoritas) nos créditos finais falha por ser tão deslocada do contexto.

Troll Hunter podia ter corrido bem, e houve decerto quem gostasse o suficiente para promover o inevitável remake americano, mas eu não fiquei nada convencido. Talvez se o tivesse visto no grande ecrã tivesse sido melhor.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

50/50



Cancro. A pior palavra que se pode ouvir da boca de um médico e um dos meus maiores medos. Não é algo que se queira jamais ouvir, e muito menos quando ainda nem se tem 30 anos de idade.

Foi isso que aconteceu, porém, ao argumentista de 50/50, Will Reiser. Ouviu a pior das palavras da boca de um médico ainda muito novo e - ainda pior - o cancro era daqueles com muitas sílabas, o que, segundo a lógica de um dos amigos do protagonista desta história, faz com que seja dos piores. Will Reiser sobreviveu para literalmente contar a história e ainda bem que o fez, pois 50/50 é um daqueles filmes que nos toca profundamente, mesmo sem nos apercebermos de tal.

O papel de Reiser é atribuído a Joseph Gordon-Levitt e o do seu amigo Seth Rogen a Seth Rogen. Sim, neste filme Seth Rogen interpreta em frente à câmara aquilo que fez em vida real...estar lá para um amigo com uma doença potencialmente letal e tentar lidar emocionalmente com isso. Para quem está habituado a vê-lo apenas a dizer disparates vai sair daqui desiludido...Rogen continua a dizer disparates mas em 50/50 apresenta uma maior profundidade emocional que na soma de todos os seus anteriores filmes.

O que é que fariam se soubessem que tinham cancro? O que é que fariam se o vosso melhor amigo tivesse cancro? A realidade é avessa a bucket lists, e, ao contrário de outros filmes, Adam (não foram usados nomes reais) apenas deseja que Kyle o ajude a viver o dia-a-dia o mais normalmente possível. As constantes tentativas de o animar só o desanimam e os esforços de Katherine (uma terapeuta interpretada por Anna Kendrick) só são úteis quando se transformam numa amizade. Adam só quer ser o mais normal possível e que o deixem sê-lo.

Dizem os especialistas que as tragédias pessoais são enfrentadas em cinco fases: Negação, Cólera, Depressão, Negociação e Aceitação. Adam passa por elas com a ajuda (mais ou menos escondida) daquele amigo que todos nós deveríamos ter e no final (SPOILER) acaba por sobreviver ao seu inferno pessoal.

Infelizmente grande parte daqueles que ouvem a terrível palavra da boca do médico não têm a sorte de Will Reisner teve. As sessões de quimioterapia que Adam frequenta vão tendo cada vez mais ausências e isso é, quase sempre, sinal de que alguém perdeu a luta. Este filme não nos vai ajudar a curar quaisquer doenças que tenhamos, mas faz-nos sentir-nos bem por saber que alguns de nós o venceram e, caso as malfadadas palavras alguma vez nos sejam dirigidas, a esperança numa cura é um importante tónico para que ela venha a ter lugar. Por isso, mas não só, recomendo este filme.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Soirrée Arrested Cinema

Ora bem, este vai ser um texto difícil de escrever. 
As soirrées Arrested Cinema são um espaço do festival Cinéma du Réel dedicado aqueles documentaristas que vivem em zonas do globo em que o seu trabalho não só não é respeitado, como não é aceite. A temática da sessão deste ano foi o conflito que ainda hoje decorre na Síria e - apesar do programa falar de quatro curtas-metragens - foram passadas duas curtas e uma longa. Os nomes dos realizadores não foram revelados, por medo de represálias, tal como não o foi o título da longa (ou pelo menos eu não o apanhei). Apesar de tudo, vou tentar falar do que vi.


Hama 82 e Taarik Al Kawafel:

-não há posters nem imagens disponíveis-

Estas duas curtas-metragens têm o mesmo estilo de filmagem e edição, aparentando ser do mesmo realizador. Ambas pegam em incidentes do passado (nomeadamente o Massacre de Hama, em 1982, que eu desconhecia totalmente) e estabelecem paralelos com o que se está a passar actualmente através de imagens de arquivo e entrevistas.

Num tipo de filmes como este a análise à sua forma é o menos importante. O que me impressionou nestas curtas foi a concretização do velho adágio que diz que quem esquece a história está condenado a repeti-la: o massacre de Hama foi ordenado pelo Hassad pai, o mundo esqueceu-o e agora o Hassad filho está a tratar de fazer algo semelhante em Homs. Os sírios começaram por manifestar-se pacificamente (vêem-se imensas crianças!) contra o regime que os oprime, como o fizeram muitos tunisinos ou egípcios. A diferença é que não contam com o apoio do resto do mundo (graças à Russia e à China) e continuam a sofrer os brutais ataques do exército que supostamente existe para os proteger.


Longa-metragem sem título, de Oussama Mouhammed:

O que era para ser um projecto a quatro mãos financiado pela academia dinamarquesa de cinema sobre o feminismo na Síria acabou por se tornar um documento de um só cineasta sobre a repressão iniciada em 2011 pelo regime de Bashar Al Hassad. Pena é que pouco ou nada seja dito sobre a mesma nesta longa que, infelizmente, tomou o lugar a duas outras curtas nesta sessão.

O realizador Oussam Mouhammed chegou a Paris há muitos poucos dias, fugido da violência da Síria e só esse facto garantiu-lhe muita simpatia da plateia antes do seu filme começar. Infelizmente, a obra que apresentou - que, confessamente, é ainda um work in progress - é muito fraca e quase um insulto aos restantes realizadores que se debruçaram, decerto melhor, sobre o tema em questão e se viram excluídos da sessão. Desta longa pude retirar que o realizador e os seus amigos gostam muito de si próprios, se acham muito importantes e artísticos, não sabendo quando parar de filmar ou - pelo menos - editar o filme.

O que poderia ter sido um testemunho interessante de como o tema de um filme pode mudar totalmente devido a factores externos acaba por ser um triste espetáculo ao qual daria o título de "Como olhar para o meu próprio umbigo enquanto o meu país está a ser desfeito pelo seu líder". Uma oportunidade tristemente perdida, que levou muita gente a abandonar a sala em vez de debater um tema tão importante como este.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Autrement, la Molussie

Autrement, la Molussie:


Apesar de ter ganho o mais importante prémio do festival, não considero esta obra do francês Nicolas Rey um verdadeiro documentário. Para mim esse género de filmes precisa de passar uma mensagem sobre algo do mundo real e este não é o caso neste filme.

Partindo do livro "Die molussische Katakombe", do escritor-filósofo alemão Günther Anders, em que dois prisioneiros partilham histórias sobre a Molussia, fictício país dominado por um ditador fascista - tal como a Alemanha natal do autor na altura em que o escreveu, os anos 30 -, Nicolas Rey filmou 9 capítulos em 9 bobines diferentes, as quais conjuga de forma aleatória em cada uma das sessões.

Tal ideia pode ser vista como um mero gimmick - até eu o acho um bocadinho, confesso - mas acredito que até acaba por trazer algumas diferenças interessantes a cada visualização. As 9 bobines - todas elas autónomas, analógicas e filmadas em câmaras sui generis - permitem uma observação avulsa que no final apresenta uma ligação narrativa desconexa mas com a proximidade de fazer parte da mesma obra completa.

As imagens de Autrement, la Molussie são quase sem excepção de uma beleza etérea profunda e o conteúdo das narrações que as acompanham é muito interessante (deu-me pena saber que o livro não está traduzido para nenhuma das línguas que entendo) mas realmente não posso as posso considerar um verdadeiro documentário e, como tal tenho de vos deixar o aviso de "conteúdo por vezes demasiado artístico".

Enquanto discussão filosófica do fascismo Autrement, la Molussie atinge o objectivo (tal como - presumo - o livro que lhe serviu de inspiração), enquanto conjunto de imagens bonitas de se observar também, e muito, mas Autrement, la Molussie pertence muito mais a um museu que a uma sala de cinema.


(talvez por isso a sessão a que assisti tenha sido na sala de cinema de um museu?)

Cinéma du Réel

Olá olá! Cá estou eu de novo depois de uns dias de férias.

No passado fim de semana estive em Paris e acabei por aproveitar para ver duas sessões do festival Cinéma du Réel, o festival de documentários mais importante da Europa. 


As respectivas SMR serão publicadas aqui e, novamente, no c7nema.net.
Até já!

segunda-feira, 26 de março de 2012

Juan de los muertos

Juan de los muertos:


Tendo mais a ver com Shaun que com Dawn of the Dead, Juan de los muertos (título inglês: Juan of the Dead) é uma paródia aos filmes de zombies vindo da improvável Cuba. O protagonista da história é Juan, um bon-vivant que tem tudo menos ar de herói (por isso mesmo Alexis Diaz de Villegas foi uma excelente escolha por parte do realizador) e que terá de improvisar para sobreviver ao apocalipse zombie que caiu sobre Havana e (quem sabe) o resto do mundo.

Mas Juan não está sozinho, tem consigo a sua filha e um conjunto de vizinhos altamente improvável (dentro do qual Lázaro - Jorge Molina - é o meu preferido, de tão parvo que é). Como bons cubanos que são, Juan e o seu grupo vão tirar proveito da situação criando uma empresa de exterminação de zombie. "Juan de los muertos, matamos a sus entes queridos" passa a ser um jingle comercial.

Partindo desta premissa, que depois evoluí para uma luta pela sobrevivência do grupo, Juan de los muertos não desilude. Tem muito mais piadas que sustos, mas acho que ninguém que veja este filme tem outra ideia em mente.

Transpor toda a historiografia zombie para um relaxado país tropical como Cuba é uma ideia bem sucedida (além do trocadilho do título) e muitas das gargalhadas derivam precisamente desse contexto, o chamado peixe fora de água. Por isso mesmo, torna-se difícil descrever o filme sem estragar muitas das cenas e recomendá-lo para além da equação que me levou a ir vê-lo: filme de baixo orçamento + zombies + Cuba! Se acham piada a essa premissa, vão gostar do filme.

Curiosamente, algo que me surpreendeu foi a quantidade de conteúdo político. Durante Juan de los muertos a televisão estatal cubana atribui as culpas do surto zombie a "manobras imperialistas americanas" mas tal (como muitos outros pedaços de diálogo) é usado como crítica humoristica ao regime dos irmãos Castro. Ora, não sei se Raúl será mais fã de cinema fantástico que Fidel, mas ao autorizar esta história (e co-produzi-la com a espanhola TVE), permitindo inclusivamente filmagens em alguns dos mais "sagrados" locais públicos habaneros, o regime cubano parece estar a desempoeirar e a abrir portas ao disparate.

Na minha opinião só tem a ganhar com isso. Já dizia o outro que a vida é demasiado importante para se levar a sério...mesmo quando envolve zombies.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Lola rennt



Lola rennt comete uma proeza provavelmente inigualada no cinema mundial: dura apenas 81 minutos e mesmo assim repete a sua história na integra quatro vezes (com algumas diferenças entre as versões, claro). É um filme ao som do techno que tanto caracteriza Berlim e, com uma average shot lenght de 2,7 segundos, deve o seu sucesso à incrível pica que consegue manter.

A premissa é relativamente simples: Manni, o namorado de Lola, é um daqueles criminosos fraquinhos que só fazem asneira. No caso concreto, Manni perdeu 10.000 marcos (o filme é antigo, agora seriam cerca de € 5.000) que pertenciam a um traficante de drogas e tem cerca de 20 minutos para os arranjar, caso contrário vai nadar com os peixinhos. Desesperado, liga a Lola e esta tem uma ideia. Neste período de tempo vai tentar arranjar o dinheiro e encontrar-se com o namorado a tempo de entregar o dinheiro ao traficante. Como é que vai fazê-lo? Durante o filme são-nos apresentadas quatro versões diferentes, com o ponto comum de envolverem muita correria pelas ruas de Berlim.

Nada em Lola rennt (título inglês: Run, Lola, Run) é especialmente fantástico. Apesar dos dois actores principais (Moritz Bleibtreu e Franka Potente) serem hoje em dia a-listers na Alemanha a verdade é que o filme já é de 1998 e a sua inexperiência à altura nota-se. A história também não é propriamente profunda ou tocante, o que aqui interessa é mesmo o ritmo e nesse campo não terão visto muitos filmes como este...Lola rennt é o equivalente cinematográfico a ver a final dos 100 metros nos Jogos Olímpicos e por ser tão acelerado os seus pontos mais fracos passam depressa enquanto que as boas impressões ficam por mais tempo.

domingo, 18 de março de 2012

Año Bisiesto

Año Bisiesto:


Para entenderem o espírito de Año Bisiesto, filme mexicano que em 2010 ganhou o prémio Caméra d'Or em Cannes o ideal é que oiçam a única música que contém. Chama-se Flores para Ti, surge apenas nos créditos finais mas diz-nos insistentemente que "lamento, desilusión y dolor son también compañeros del amor". Fica a ideia de que essa triste lenga-lenga esteve na cabeça da sua protagonista durante o mês de Fevereiro do ano bisexto em que a história tem lugar.

Laura é uma mulher solitária, perturbada e com alguns comportamentos que mais depressa caberiam numa descrição masculina: alimenta-se à base de sopas aquecidas no micro-ondas, masturba-se doentiamente e (quase) todas as noites traz alguém novo para casa, com quem tem relações sexuais sem sequer conhecer o seu nome. Toda essa rotina altera-se quando conhece Arturo, um homem que a usa para pôr em prática as suas fantasias sado-masoquistas.

A relação entre os dois rapidamente se torna doentia. Laura não apresenta objecções às investidas de Arturo mas não aparenta gostar do que se passa...apenas aceita aquela relação por ser o mais próximo que tem do amor. Laura mente-lhe, como mente a todos os outros com quem se relaciona, fazendo passar a ideia que tem uma vida bem mais interessante e preenchida do que na realidade tem. Na verdade Arturo não o imagina, mas acaba por ser o melhor que aconteceu a Laura.

Quando o final desse Fevereiro se aproxima o calendário em que diariamente Laura marca o passar dos dias vai ficando mais cheio, cada vez mais perto do dia 29. Nesse mais raro dos dias morreu o pai de Laura e, com o aproximar-se do quarto aniversário, Laura deseja juntar-se-lhe. Quer morrer e vê em Arturo e nas suas aventuras a forma perfeita de o fazer.

Como dá para ver pelo que escrevi acima, Año Bisiesto está longe de ser um filme fácil de se ver. Lamento, desilusão e dor são partes integrais desta história, às quais se junta um trabalho de câmara ultra-minimalista e um ritmo avassaladoramente lento. Seca, portanto, pensariam vocês, mas por acaso não. Não considero que esteja ao mesmo nível de Hunger ou de Me You and Everyone We Know (outros dois filmes que venceram este importante prémio para melhor longa metragem) mas, sobretudo pela grande contenção na realização e pelo trabalho da actriz principal (Monica del Carmen, que se expõe física e psicologicamente ao longo da história), Año Bisiesto é um filme muito relevante sobre o desespero a que a solidão das grandes cidades nos pode levar.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Shame

Shame:


Em 2008, quando vi Hunger - a primeira das até agora duas longas do britânico Steve McQueen - levei um murro no estômago que ainda hoje recordo. Em 2012 vi Shame, o seu segundo filme e segunda colaboração com o muito falado mas imerecidamente pouco premiado actor alemão Michael Fassbender e levei mais um murro que, apesar de menos forte, creio ir recordar por alguns anos.

A história de Shame - vergonha, em inglês - é a de Brandon Sullivan, um bem sucedido nova-iorquino com uma adição pouco conhecida: o sexo. Tal como alguns perdem horas a fio em busca de drogas ou novas formas de se embebedar depressa e barato, Brandon destrói o seu computador do trabalho com vírus de inúmeras visitas a sites porno e a sua dignidade recorrendo a prostituição barata mesmo quando tem a hipótese de iniciar uma relação. Para Brandon o sexo não é mais do que o acto físico e o seu corpo ressente-se quando não tem a dose necessária ao saciar dessa necessidade.

Este tema poderia ser facilmente transformado numa comédia adolescente à la American Pie, mas a dupla McQueen e Fassbender voltam a transformar em sublime algo que noutras mãos poderia ser apenas bom. A realização é primorosa (o realizador é também artista plástico e, tal como em Hunger, demonstra dominar a composição visual das suas cenas melhor do que a sua experiência o indicaria) e a interpretação de Fassbender obriga-me a concordar com os muitos que criticaram a Academia por não o ter sequer nomeado para o Óscar de melhor actor. (Mas já se sabia, este tema é demasiado polémico para esse tipo de prémios)

Paralelamente à história de Brandon temos a de Sissy (Carey Mulligan, também ela a confirmar ser uma das grandes actrizes desta geração), sua irmã e mulher profundamente insegura a nível psicológico. O seu passado não nos é transmitido mas apercebemo-nos facilmente que Sissy terá feito muitas escolhas erradas na vida e é por isso que acaba no apartamento do irmão, sem mais para onde ir. É através dela que iremos descobrir que algo de muito errado se passou na infância dos dois. Não sabemos o quê, mas que deixou marcas profundas lá isso deixo...Brandon não consegue relacionar-se com ninguém, Sissy sim, mas de uma forma tão dependente que afasta qualquer paridade entre ambos os membros de um casal.

À volta de Brandon e Sissy passam muitos outros personagens mas nenhum acaba por ficar. Os irmãos Sullivan são prisioneiros do seu passado e Brandon, em particular, desliga-se de tudo e todos de uma forma que não fica muito longe do Patrick Bateman de American Psycho.

No final a impressão que fica é a de que as (muito diferentes) dependências de Brandon e de Sissy são a prova provada daquela frase que diz que não nos podemos sentir mais sós do que no meio de uma multidão. A Nova Iorque que habitam está cheia de "presas" (veja-se a cena inicial e a cena final) mas tanto Brandon como a sua irmã estão fora dali...cada um escolheu um meio de se libertar das âncoras que lhes afundam o espírito e no final fica a pergunta: será que se prova uma outra frase feita, aquela que diz que é preciso bater no fundo para se voltar a subir?

No fundo da cadeira estava eu quando os créditos começaram a rolar. Se o impacto dos filmes se medir por esse critério Steve McQueen pode orgulhar-se de me ter esmagado duas vezes em dois filmes, um sucesso de 100% que me cheira que se vai repetir nos próximos passos da sua carreira.

terça-feira, 13 de março de 2012

Almanya

Almanya:


Explorando o recente filão de filmes chamados "Bem-vindos ao..." este filme foi promovido internacionalmente como Willkommen in Deutschland - Welcome to Germany, mas é importante que fique bem claro que está longe de ser um desses filmes em que se colocam pessoas de uma parte de um país noutra parte (mais bizarra) do país.

É verdade que Almanya vive um pouco daquelas diferenças culturais que eu tento ir indicando no meu outro estaminé, mas o segredo do seu sucesso não são as gargalhadas mas sim o charme com que é retratada a viagem de Hüseyin Yilmaz (Vedat Erincin) e sua família à Turquia de onde emigrou nos anos sessenta, rumo a uma Alemanha. A comédia baseada nessas disparidades é o resultado imediato mas emoções são o que ficam passados uns dias.

Tal como centenas de milhar de seus concidadãos Hüseyin partiu da Turquia ao abrigo da política alemã de acolher gastarbeiter, tal como o fizeram muitos portugueses, espanhóis, gregos ou italianos. O que tinham em comum era o total desconhecimento da sociedade para onde iriam viver (a juntar ao desconhecimento dessa sociedade quanto às suas tradições), o estarem ali para ganhar dinheiro e as saudades das famílias que - invariavelmente - ficaram na terra natal. Mas a história de Hüseyin é uma de sucesso...com tempo e sacrifício lá consegue trazer a família para a Alemanha (a parte do filme contada num flashback bem pensado de tão simples que é) e é na Almanya (nome turco para o país) que os seus filhos e netos crescerão, até à viagem em que - todos juntos - revisitam a aldeia ancestral.

De entre as mensagens passadas por este filme aquela que mais me tocou foi a do neto mais novo de Hüseyin, chamado Cenk, que com a sua expressividade natural transmite as dificuldades de se ser excluído pelos alemães por ser turco e pelos turcos por ser alemão. É uma situação que - dada a crise económica na Europa e o consequente aumento na emigração - poderá vir a acontecer na minha família e na de muitos dos meus amigos e que provavelmente marcou a história familiar da realizadora de Almanya, a turco-alemã Yasemin Samdereli. Aqui é mostrada ao de leve, numa boa sequência de humor, em Almanya os pontos negativos são acessórios e quase totalmente ignorados mas o tópico em si poderia ser uma fonte para filmes bem mais tristes.

A Alemanha é um país duro onde se "cair de pára-quedas" e os alemães têm alguns hábitos que deveriam ser (ainda mais) estranhos para um turco nos anos sessenta (quais? toca a ler o Coisas que se vão aprendendo!) mas é também um país acolhedor. No meio das dificuldades por que aquela família passa, as coisas são sempre mostradas de um prisma positivo e, como tal, Almanya é um bom filme para aqueles que estejam a sentir o apelo de dar o salto e mudar de poiso até terras teutónicas e queiram uma motivaçãozinha extra. Mas - aviso à navegação - as coisas só são assim tão simples no cinema.

domingo, 11 de março de 2012

Das Boot

Das Boot:


Lembram-se de há uns tempos vos ter falado de um filme israelita chamado Lebanon passado integralmente dentro de um tanque? Pois é, nessa SMR falo da claustrofobia constante que se sente ao longo do filme e, nesse aspecto, de certeza que este se inspirou neste clássico do cinema alemão: Das boot. (Lê-se bôt, não boot, como em inglês)

Não sendo tão extremo com Lebanon, a versão de Das Boot que tive o prazer de ver há uns dias também pega em nós e enfia-nos por períodos muito prolongados de tempo numa situação ainda mais claustrofóbica. Durante grande parte das mais de 3 horas e meia juntamo-nos ao Tenente Herbert A. Werner (Herber Grönemeyer) e à tripulação do submarino U-96, da marinha sub-aquática da Alemanha nazi.

Só pelo facto de acabarmos o filme a torcer por aquele grupo de 42 marinheiros, quando a história do século XX faz com que qualquer pessoa de bem seja anti-nazi por defeito prova o mérito do trabalho do realizador Wolfgang Peterson. Verdade seja dita, as afiliações políticas daquela gente são muito fracas (na tripulação existe apenas um nazi convicto, os outros são - no mínimo - indiferentes) e  não passam de um fait divers justificado pelo facto do filme ser baseado num livro que relata a história real do U-96, escrito nem mais nem menos que pela versão real do já referido Tenente Werner.

Mas o que fez deste filme de 1981 um clássico que deve ser visto 31 anos depois é a incrível tensão que se vai acumulando ao longo do mesmo, uma tensão que não sentia a ver um filme há bastante tempo. A história começa em 1941 na cidade de La Rochelle, comando naval alemão na França cooperacionista e - já agora - cidade que recomendo que visitem. Num par de cenas somos apresentados aos homens que vamos acompanhar mas rapidamente estamos dentro do submarino. 

Tal como grande parte de nós imagina, a vida a bordo de um destes navios é tão difícil como aborrecida. Os tripulantes do U-96 estão constantemente a trabalhar (quando não estão a dormir, claro) mas, ao mesmo tempo, estão sempre à espera que algo aconteça. A guerra sub-aquática que Hitler declarou à marinha britânica obriga-os a estar à escuta de cargueiros da marinha mercante e eventualmente atacá-los - uma cruzada infantil, nas palavras do comandante Willenbrock (Jürgen Prochnow) mas os oceanos são muito grandes e encontrar um inimigo é pouco mais fácil que uma agulha num palheiro. Basta pensar que estão debaixo de água (submergir significa estar exposto) num navio em que o único contacto com o exterior é via rádio. Num submarino submerso a visão é muito pouco útil...não há janelas e tudo é tão apertado que o horizonte nunca está a mais de um par de metros.
O realizador optou por criar réplicas fidedignas do submarino original. Isto significa não só um detalhe histórico impecável mas acima de tudo uma grande dificuldade nas filmagens que acabou por compensar na sensação geral do filme. O movimento das câmaras é constrangido pelo pouco espaço existente e não nos é dado um centímetro sequer que não existia nos submarinos reais.

Mas mais cedo ou mais tarde lá se encontra um inimigo e, quando isso acontece, o ritual é o mesmo: investigar se existem navios da marinha de guerra que possam atacar (a resposta, nesta altura da guerra, era invariavelmente sim), alinhar o submarino com o navio à superfície, disparar torpedos e pirar-se dali para fora antes que as cargas de profundidade comecem a rebentar. Tudo isto se passa num ritmo lento, é certo (os submarinos não são propriamente conhecidos pela sua velocidade), mas imaginem o que é assistirmos em tempo real a esta situação. É como vermos a nossa equipa ir aos penalties na Liga dos Campeões, só queremos que ganhem!

Quando a tripulação é enviada numa missão suicida então sim pensamos que vai tudo vai acabar, mas devido a uma resistência heróica (e uma acção praticamente sobre-humana) o U-96 sobrevive. Acho que já o sabiam, caso contrário o livro não tinha sido escrito, não é? Por uma vez fiquei contente que os ingleses não tenham dado cabo do canastro aos nazis, pois esta é uma história que merece ser contada e Das Boot é um clássico que deve ser visto.

Sonnenallee

Sonnenallee:


Era uma vez no Leste. A acreditar na tagline de Sonnenallee, filme de 1999 sobre um grupo de jovens da Alemanha de Leste, a vida era mais fácil e divertida do que aquilo que na realidade deve ter sido. Motivou-me tão pouco interesse que não tenho mais para dizer.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Tinker Tailor Soldier Spy

Tinker Tailor Soldier Spy:


O sucesso de Let the Right One In não passou despercebido. Depois daquela obra-prima o seu realizador, Tomas Alfredson, teve oportunidade de pela primeira vez sair da Suécia e aventurar-se num cinema com mais meios, o inglês. O resultado é Tinker Tailor Soldier Spy, a primeira adaptação ao cinema de um clássico da literatura de espiões escrito pelo maior dos seus mestres: John le Carré.

Antes do cinema este filme o livro (homónimo) já tinha sido transformado numa mini-série da BBC e, dada a grande qualidade da mesma, o maior desafio que se colocou à produção foi o de encontrar os actores certos para interpretar personagens tão icónicos. "Quem interpretará George Smiley?" era a questão do dia durante vários anos, até que Gary Oldman foi escolhido e calou todos aqueles que achavam que Smiley era Alec Guiness e mais ninguém.

Num filme como estes é realmente essencial acertar nos actores. Ao contrário do que os filmes do James Bond indiciam a vida de espião não é mulheres, casinos, Aston Martins e armas potentes...John le Carré foi espião e sabe bem do que fala: ser espião de sua majestade é mais passar imensas horas a ler documentos, outras quantas à espera que alguém entre ou saia de um apartamento e ainda mais horas a pensar. Tinker Tailor Soldier Spy é, nesse sentido, um anti-James Bond; é um filme onde se vê gente a pensar (para parafrasear uma algo que li mas que não me recordo onde) e quem vai à espera de explosões vai ficar muito desiludido.

Feito o aviso, digo-vos que Tinker Tailer Soldier Spy é melhor que qualquer James Bond. Não é tão bom como estava à espera (nem como o Let the Right One In) mas não desilude. A peça fulcral deste jogo de xadrez é George Smiley, espião reformado compulsivamente (depois de um golpe palaciano na cúpula do MI6) e a quem é atribuída a missão de desvendar a identidade de um informador plantado na sua antiga equipa.

Situada em plena Guerra Fria, a acção de Tinker Tailor Soldier Spy torna urgente a descoberta desse informador. Através dele os soviéticos têm acesso às informações mais confidenciais do lado ocidental da cortina de ferro e - como o provam numa cena inicial - não têm problemas em sacrificar quem for preciso para fazer o cheque-mate.

As minhas diversas alusões ao xadrez são propositadas. Não só porque os quatro suspeitos são identificados com as suas respectivas peças, mas sobretudo porque o combate de Smiley é quase sempre intelectual e para suceder terá de ter um melhor conhecimento das regras do jogo e um raciocínio mais rápido que os seus opositores. No MI6 de James Bond ganharia quem corresse mais depressa, aqui é a velha guarda, mais sabida e matreira, que tem a vantagem.

O ritmo do filme segue o da perseguição conduzida por Smiley (e, provavelmente, o do livro) pelo que por vezes torna-se demasiado lento, mas em momento nenhum me senti aborrecido com o que estava a ver. Sinal de que os argumentistas merecem um elogio? Sim senhor, mas não só eles. O realizador usou o mesmo esquema cromático que já tinha mostrado dominar e torna Londres uma tão cidade suja, monocromática e escura que induz a desconfiança e o conjunto de actores (basicamente tudo o que de melhor a Inglaterra tem para oferecer) mantém-se a um nível uniformemente alto.

A impressão com que fiquei foi que o processo por detrás da produção deste filme foi não a de um jogo de xadrez, mas sim um puzzle. Todas as peças foram cuidadosamente montadas para que no final tivéssemos um filme que não é fácil mas que é muito interessante.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Midnight in Paris



O último filme do Woody Allen que tinha visto antes deste Midnight in Paris tinha sido o You Will Meet a Tall Dark Stranger. Como podem ver pela SMR que lhe fiz, não gostei do que vi na altura e, por isso mesmo, acabei por não me interessar neste seu mais recente filme. Já estreou há uns tempos e eu ignorei-o, mas acontece que obteve tantos elogios que não pude continuar a fazê-lo.

E agora é a altura de fazer o mea culpa. Midnight in Paris é um excelente filme, trata Paris com a mesma paixão que o Woody Allen dedicou a Nova Iorque e, parece que funcionou bem, deixou-me com uma vontade imensa de voltar à cidade das luzes.

A história base não faz grande sentido: Gil (Owen Wilson, actor que normalmente detesto mas que aqui foi bem escolhido) está de férias em Paris com a noiva e a sua família. Gil é um argumentista de Hollywood que deseja passar para a mais nobre (?) arte de escrever romances e sofre da mesma condição que o protagonista do livro que está a tentar escrever. Essa condição, não médica mas muito frequente, é a nostalgia: Gil vê o passado como os anos dourados e sonha viver naquela que considera ser a época de ouro da cultura mundial, os anos 20 do século XX, uma época que teve o seu epicentro precisamente na cidade de Paris.

Inexplicavelmente, Gil é transportado todas as noites até à sua época de sonhos e começa a privar com todos os seus ídolos (T.S. Eliot, Hemingway, Dalí, Picasso, etc.) enquanto que de dia vive no Paris moderno. A cada noite que passa Gil tem as suas ideias mais claras: talvez Inez (Rachel McAdams) não seja a pessoa mais indicada para ele e, também talvez, a nostalgia seja parte da condição humana...as pessoas que conhece nos anos vim confessam a Gil que se aborrecem no "presente" e gostariam antes de viver na Belle Époque do final do século XIX.

Muitas têm sido as críticas que dizem que Midnight in Paris é, também ele, um olhar nostálgico ao tempo dos ídolos do realizador (que nasceu em 1935) mas eu tenho as minhas reticências. Na minha interpretação, Midnight in Paris não é só um Paris je t'aime (o argumento reitera o quão bonita é a cidade e as imagens confirmam-no constantemente) mas sobretudo uma mensagem positiva sobre o presente. Quando Gil conversa com Adriana (Marion Cotillard) quase no final, a conclusão a que ambos poderiam ter chegado era de que o nosso presente, por muito chato que nos pareça, será um dia a idade de ouro de uma geração futura. Não é por acaso que a moda é cíclica e que o 9gag está cheio de posts tipo "no meu tempo é que era bom".

Para além da má experiência com o You Will Meet a Tall Dark Stranger as viagens no tempo foram a razão que me deixou de pé atrás. A ideia de Woody Allen e viagens no tempo assustava-me um bocado, por muito que o Sleeper tenha mais ou menos a ver com isso e eu o tenha adorado. Em mãos menos competentes esta aposta poderia ter corrido mal, mas o Woody mostrou que já anda há muitos anos a virar frangos (adoro esta expressão!) e conseguiu tratá-la muito bem: a transição temporal porque Gil passa é totalmente irrelevante - ao ponto de não ser debatida - e isso permite que nos foquemos apenas nos personagens. É uma pequena suspension of disbelief mas vale muito a pena.

Com todo o seu charme, a cidade que o acolhe e com um conjunto de grandes interpretações (sobretudo de Corey Stoll como Hemingway e o regressado Adrien Brody como um Salvador Dalí obcecado com rinocerontes) Midnight in Paris fez-me ter prazer em dizer que estava errado - devia tê-lo visto antes - e abriu novamente a porta aos filmes do nova-iorquino mais famoso do cinema. Volta, Woody Allen, estás perdoado.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Trivia Berlinale 2012

E já está! A Berlinale 2012 já acabou, com dois prémios importantes para filmes portugueses (parabéns João Salavisa e Miguel Gomes!) e com uma grande surpresa como Urso de Ouro.

Eu também aprendi umas quantas coisas e, antes de partir para a minha semaninha de férias, deixo-vos aqui algumas delas:

+ O Delphi Filmpalast está perto, mas ainda não ultrapassou a sala 1 do São Jorge como a minha sala de cinema favorita;
+ Uma sala com quase 1800 lugares e uma tela com 21m de comprimento redefinem o conceito de "grande ecrã";
+ Com sorte no timing cruzamo-nos com a Meryl Streep;
+ Arranjar bilhetes não é assim tão complicado como dizem...
- dito isto, é preciso ter oportunidade de ir para a fila a meio do dia e algum tempo a perder;
- Queixamo-nos tanto da desorganização dos festivais portugueses mas aqui é igual, com atrasos na maioria das sessões a que fui;
- O Friedrichstadt-Palast tem as piores cadeiras de que há memória;
- Como é sempre em Fevereiro a Berlinale vai acabar por me limitar o visionamento dos filmes "comerciais" que costumam estrear nesta altura de prémios;
- Cinestar Cubix never again!