sexta-feira, 30 de abril de 2010

Indie Lisboa dia 8: Observatório curtas 1 + Au voleur

Antes de mais, olá Carolina. Bem vinda ao blog.

Hoje foi à minha terceira (e penso que última) sessão de curtas. Das três foi a que gostei menos, e - pontaria! - de todas as sessões a que fui foi a única que teve 2 turmas em visita de estudo. Os miudos devem ter ficado assustados com o cinema independente. Mas avancemos para os filmes.


Plastic Bag:

Tinha lido a descrição do filme e achei que deveria ser um filme chato. Muito me enganei. Não só é o melhor do conjunto, como é um filme bastante bom.

Chama-se Plastic Bag porque o artista principal é um saco de plástico castanho (que ou muito me engano ou não é o da foto, tsc tsc). Aparecem seres humanos, mas sempre secundarizados. Aqui o que interessa é seguir a biografia do tal saco de plástico, desde o seu "nascimento" (quando é usado pela primeira vez, num supermercado) até à sua morte e consequente subida ao Paraíso (quando, depois de deitado fora, chega ao Vórtice, algo que já tinha ouvido falar mas que nunca tinha visto antes...vejam o link, que é assustador).

Posta por palavras a história parece ser altamente secante, uma versão mais longa da famosa cena do American Beauty, mas a verdade é que se torna muito mais interessante que isso. É giro ver o mundo da perspectiva de um saco de plástico, que se apaixona pela sua criadora (a sua primeira utilizadora) e vai vivendo desilusão atrás de desilusão. (Acabei de admitir que um saco de plástico tem sentimentos? Acabei.)

É claro que o saco ter a voz do Werner Herzog (um realizador de que gosto imenso, como muitos de vós já sabem) me despertou ainda mais o interesse, mas independentemente disso é uma história com uma perspectiva filosófica interessante e uma mensagem ecológica explicitamente implícita. Nunca mais olho para um saco de plástico da mesma forma.


Phuket:

A personagem central deste filme é mesmo aquela região tailandesa, que conhecemos pelas praias e pela desgraça que foi o tsunami de 2004. Mas aqui, felizmente, só se tratam de assuntos mais positivos: seguimos Jin, uma actriz sul-coreana que revisita a zona onde apenas tinha estado com os pais na sua infância. Ela e o seu motorista vão falando de como tudo tinha mudado desde então e não nos aborrecem enquanto assistimos aos seus passeios, mas também não acontece nada de marcante ou que se possa chamar história.

Um filme sobre Phuket patrocinado pelo turismo de Phuket e por uma série de hotéis da região e que nem sequer consta na filmografia do realizador. Parece-me estranho e, tanto durante a exibição como agora, fiquei com a impressão que o que vi foi um spot publicitário de 30 minutos disfarçado de curta metragem.


The Day Was a Scorcher:


Uma curta puramente experimental, que obteve os primeiros "mas o que é que é isto, meu?" dos alunos que assistiam à sessão.

É que, realmente, tal como as duas primeiras curtas da sessão do Ben Rivers, este filme faz mais sentido num museu (ou num laboratório de cinema) do que numa sala, já que se traduz unicamente em fotografias que, através de um método de intercalação entre duas perspectivas diferentes, parecem ficar em 3d. No fundo é algo como isto, mas tem um problema grave...numa sala de cinema o constante pulsar da luz branca é um convite ao início de um ataque de epilepsia.

É um estudo de técnica cinematográfica puro. E nem sequer meteram som ao filme, para animar a malta.


One Future:
Foi o segundo filme consecutivo só com imagens paradas. Mas ao contrário do anterior este é interessante.

É verdade que a sucessão de fotografias quase parece um slideshow do Powerpoint, mas como está muito bem montado e a história que é narrada por cima das imagens é interessante (fala-nos de um mundo parecido com o 1984, do Orwell) a coisa não só se vê muito bem, como dá pena de durar apenas 7 minutos.


O estrangeiro:


Curta metragem do realizador português Ivo Ferreira (conhecido do grande público por ter sido preso no Dubai, aqui há uns anos e - menos - por realizar o filme Águas Mil, de que falei num post anterior), este O estrangeiro foi rodado em Macau e trata da procura da busca de um português que escrevia ao protagonista desde esse território, em meados da década de 90.

Filmado na Macau actual (tão diferente da Macau que era portuguesa até 1999), este filme é - parece-me - mais uma procura das memórias desse tempo e não tanto de uma pessoa real. Não conheço a biografia do autor, mas cheira-me que viveu em Macau e - como tantos outros que por lá passaram - ficou com uma grande paixão por uma cidade que agora já não existe.


A Letter to Uncle Boonme:

O segundo filme tailandês da secção, aqui não temos uma passeio bucólico por uma região balnear, mas sim memórias de um conflito filmado na aldeia de Nabua, na fronteira entre a Tailândia e o Laos.

Conhecida como a aldeia das viúvas, dado um massacre ocorrido por lá algures nos anos 60 (perpetrado pelo governo tailandês, num esforço anti-comunista...curioso, dada a situação actual do país), esta aldeia é aqui apresentada como totalmente vazia. Apenas vemos (e ouvimos) um grupo de soldados que lêem uma carta escrita ao tio Boonme, que não percebi bem quem era.

Na verdade, não percebi muito bem nenhuma parte do filme, desde o autor das cartas à razão pela qual aparece um "monkey ghost" (que tem direito a crédito e tudo!) no meio da selva. É um dos possíveis vencedores da Palma de Ouro de Cannes, este ano, mas parece-me demasiado poético para conseguir tal galardão.


e agora a longa do dia


Au voleur:


Filmado na fronteira franco-alemã, Au voleur é acima de tudo uma história de amor.

É verdade que essa palavra nunca é dita ao longo do filme. Se tivesse de descrever o protagonista (interpretado pelo Guillaume Depardieu, que tinha o nariz do pai, coitadinho) não poderia deixar de usar a palavra ladrão. Ladrão de objectos e de corações, porque se por um lado Bruno ganha a sua vida roubando tudo a que puder deitar mão, de relógios a carros, é durante uma noite de descanso num bar que rouba aquilo que mais releva para o filme, o coração de Isabelle (interpretada por Florence Loiret Caille, que já tinha visto - e gostado - em Parlez moi de la pluie), a quem - curiosamente - já tinha roubado uma pulseira.

Até então Isabelle aparentava ser uma professora-substituta de alemão acomodada com a sua vida errante e a sua solidão, mas o seu fascínio por Bruno leva-a a mudar de paradigma. Por uma série de coincidências azaradas, Bruno é procurado por um assalto que cometeu e Isabelle decide evadir-se com ele. Aprendem a viver juntos, e acaba por ser ela a salvar a vida do seu novo amor, literal e (na minha interpretação) metaforicamente.

É um filme que não vai ficar na minha memória por muito tempo, o que não é bom mas também não é necessariamente mau (o A Religiosa Portuguesa infelizmente vai). Está bem realizado (excelentes planos em contra-luz!) e tem duas interpretações muito bem conseguidas, mas se Bruno teve apelo suficiente para levar Isabelle consigo, a realizadora (Sarah Leonor) precisa de encontrar uma história mais marcante para me deixar rendido ao seu talento.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Indie Lisboa dia 7: Baara + Le jour où Dieu est parti en voyage

Baara:


Um blog de cinema que tem um post com uma crítica a um filme Maliano de 1978 começa a entrar por campos de cinema muito alternativo. (In)Felizmente mantenho a minha vertente pouco intelectual porque não consigo falar muito sobre o filme. Isto porquê? Porque estava quase a dormir.

Atenção. Eu estava (e estou) cheio de sono porque ontem não consegui dormir quase nada, não porque o filme é mau. Vejam a hora a que estou a escrever isto hoje e percebem o que estou a dizer.

Inserido na secção Herói Independente do Indie, este ano dedicado à secção Forum, da Berlinale, este que foi o primeiro filme produzido naquele país africano começa com um aviso "Qualquer semelhança de nomes ou eventos é pura coincidência". Ora, pareceu-me um aviso estranho e, como tal, fiquei com a impressão que deve haver uma qualquer semelhança e que não será coincidência nenhuma.

A história não é nada por aí além (ou então foi o meu sono que a tornou assim) mas o filme não deixa de ser bastante interessante, por mostrar uma realidade diferente, não só em termos geográficos (Mali, com as suas tradições tão específicas) como temporais (a luta de classes ocorrida nos primeiros momentos da industrialização do país). Um dia que volte a passar sou capaz de rever.

Tenho é de deixar um recado à organização: eu sei que a película é antiga mas deviam ter isso em conta e se não estava em condições não exibiam o filme...o som esteve em níveis quase inaudíveis e escusado será dizer que os problemas com a imagem que obrigaram à interrupção da sessão por duas vezes não deveriam ocorrer num festival que quer (e pode) estar entre os melhores.



Le jour où Dieu est parti en voyage:


Mesmo com o sono de que falei acima não desisti e vi mais um filme. Já sabem, por isso, que as críticas de hoje são um bocadinho menos esclarecidas. É que como em relação ao Baara, este Le jour où Dieu est parti en voyage sofreu do mesmo problema (só para mim, claro). É um filme interessante, que um dia gostarei de rever mais desperto.

Também passado em África, mas sendo uma co-produção franco-belga, este filme - cujo título não vou repetir por ser demasiado longo - mostra-nos o genocídio no Ruanda de uma perspectiva diferente daquela que os (excelentes) Hotel Rwanda e Shooting Dogs.

Enquanto que estes dois filmes mostram os eventos de uma perspectiva colectiva (Hotel Rwanda) ou de estrangeiros (Shooting Dogs) aqui temos a história de Jacqueline, uma mulher tutsi que consegue escapar à vaga inicial de assassínios e se vê obrigada a sobreviver nas mais duras condições.

Imaginam-se a ouvir mulheres crianças a ser abatidas a tiro e não poder emitir um som, sob pena de serem encontrados?
Imaginam-se a ver os vossos dois filhos mortos, e nem sequer vos deixarem lavar-lhes o sangue que os cobre? Nem sequer poder chorar, ou serão descobertos?
Imaginam-se a ver esses mesmos filhos a ser atirados para a rua pela mulher que ocupou a vossa casa? E a vê-los serem recolhidos por uma camioneta tal qual um saco do lixo?
Imaginam-se a preferir morrer que viver?

Jacqueline passa por tudo isso e tudo isso lhe deixa grandes marcas psicológicas. Não lhe retira o instinto de sobrevivência, nem o instinto de protector que a impele a ajudar um outro tutsi ferido, mas quase tudo o resto da sua humanidade desaparece. Não sei se esta é uma história real, mas mesmo que não seja é bem provável que muita gente tenha vivido desesperos semelhantes. É triste ver como a humanidade pode ser tão selvagem.

Como já referi, o filme é interessante. Não será tão bom com os outros dois que abordam esta temática e que já referi, mas há algo aqui que é extraordinário...a interpretação de Ruth Nirere no papel principal. Para uma actriz que teve aqui o seu primeiro papel em cinema consegue, quase sem palavras, transmitir-nos todo o desespero e pré-insanidade que passam por alguém que vive estas trágicas circunstâncias.

Indie Lisboa dia 6: Castro + A religosa portuguesa

Castro:


Se há coisa que aqueles que me conhecem sabem é que eu e o humor absurdo temos uma relação de grande proximidade. Não é uma relação exclusiva (por isso, meninas, não se abstenham de vir falar comigo e declarar a vossa paixão) mas estamos juntos e felizes há muito tempo.

Dito isto, há que dizer que me fartei de rir em Castro, o último filme do realizador argentino Alejo Moguillansky.

Inspirado livremente no texto "Murphy", de Samuel Beckett, em Castro temos dois conjuntos de personagens: os perseguidos (Castro e Célia, a sua namorada giríssima) e os perseguidores (Samuel, Acuña e Rebecca, a sua não menos sexy ex-mulher).

Castro é um diletante inveterado, sempre com esquemas para se ir safando ("ganarse la vida es lo mismo que desperdiciarla") e que procura não ceder à pressão da namorada para que arranje um emprego. Célia é, de longe, o personagem mais normal...pelo menos é a única pessoa que não dorme em armários, nem usa estranhos códigos envolvendo guarda-chuvas, e é - também de longe - a que está numa posição mais próxima da dos espectadores, sem perceber o que se está a passar.

Do outro lado da trama temos os perseguidores, que a dada altura já nem devem saber porque é que perseguem. São eles os responsáveis por uma das principais características do filme: o ritmo e o quase slapstick que o definem, dada a excelente coreografia orquestrada por Luciana Acuña. É preciso ver para perceber.

No final de contas, e a 5 dias do fim do festival, este Castro tem o título de A surpresa do Indie quase garantido (e se for ultrapassado é muito bom sinal) e é um dos filmes que mais gozo me deu ver nos últimos tempos.

Se puderem vão mesmo vê-lo. É reposto dia 29 (esta 5ª feira) às 21h45 no cinema Londres e se não gostarem obrigo-me a ver um filme daqueles com cães a falar e faço aqui a crítica. Sim, seria tortura mas estou assim tão confiante no filme.

(¡Felicitaciones Alejo, te busqué al final de la película para hablarmos, pero saliste demasiado rapido!)



A religiosa portuguesa:


Antes da exibição deste filme, e já que era a sua ante-estreia nacional, subiram ao palco o realizador, o produtor e a actriz principal. A actriz esteve calada, o realizador agradeceu ao Indie e a quem devia agradecer e o produtor resolveu lançar uma farpa tão comum no cinema português: criticou o ICA - Instituto do Cinema e do Audiovisual - por apoiar filmes "de qualidade duvidosa". Depois agradeceu ao mesmo ICA por ter apoiado financeiramente este filme.

Neste aspecto estou com o tal produtor: este filme não é de qualidade duvidosa. Aliás, tenho a certeza absoluta que este é o pior filme que já vi na vida. Eu sei que é um statement forte, mas é a mais pura das verdades.

Deve ter sido em meados da década de 90 a última vez que me tinha sentido assim numa sala de cinema. Na altura fui com o meu pai (de quem herdei a paixão pelo cinema) ao cinema King e vimos o Der Rosenkönig, do Werner Schroeter. Na altura era bastante mais jovem e ainda não me tinham passado pelos olhos tantas centenas de filmes, mas tanto eu como o meu pai nos sentimos totalmente gozados (não há outra palavra) pelo realizador.

Ontem, 27 de Abril de 2010, essa sensação voltou. E o recentemente falecido Werner poderá finalmente descansar em paz, sabendo que já não tem tão infame lugar na minha lista de realizadores. Agora, essa (des)honra é toda de Eugène Green e aconselho-o a esperar sentado pela saída do lugar. É se demorou para aí uns 15 anos para o outro ser deposto, para ultrapassar este filme vai ser preciso muito, mas muito esforço.

Este filme é de um pretensiosismo atroz, disfarçado de formalismo estético. Nada é espontâneo, nada é real e nada é - to put it simply - bom. É uma obra "só para intelectuais" (como um personagem lhe chama), os quais honestamente gostaria de conhecer...é que analisar a mente de quem ache que esta é uma boa forma de gastar dinheiros públicos deve ser o equivalente a estar na pele de Hiram Bingham quando descobriu Machu Picchu...a sensação de explorar um mundo novo.

Não seria possível ter os actores a dizer as deixas como se fossem seres humanos e não autómatos que olham fixamente para a câmara enquanto dizem palavra a palavra? Não seria possível ter - uma vez que fosse - duas pessoas a falar ao mesmo tempo? Sabem, como as pessoas fazem? Não seria possível dar ao filme um ritmo que não fizesse com que um diálogo do Porto da Minha Infância, do mal-amado Manoel de Oliveira, parecesse um filme de acção vertiginosa? Não seria possível tanta coisa que simplesmente nem sequer passou pela cabeça dos cineastas, ou se calhar passou mas resolveram emular o César Monteiro e o público que se foda? Será demais pedir expressividade num filme?

Não consigo, nem quero, dizer muito mais. Apenas que é realmente um desperdício de dinheiro dos contribuintes (sim, não se esqueçam, leitores portugueses, que todos nós contribuímos para que isto fosse feito) e de tempo dos espectadores que como eu caíram na esparrela o irem exibir comercialmente este filme e não darem oportunidades a realizadores que fazem obras que se conseguem ver (já não peço mais), como qualquer outro dos que já aqui analisei.

E digo mais uma coisa. Estou contente comigo mesmo, porque precisei de fazer um grande esforço para não usar a palavra merda durante esta crítica. E até agora tinha conseguido.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Indie Lisboa dia 5: The Cat, the Reverend and the Slave + La mujer sin piano + Cinema emergente curtas 1

The Cat, the Reverend and the Slave:

Razão #1 pela qual quis ir ver este documentário: o Second Life.

Desde há coisa de dois anos que, nunca percebi bem porquê, a televisão portuguesa dá imensa atenção a este mundo virtual onde supostamente podemos viver a vida com que sempre sonhámos. A primeira vez que vi uma reportagem sobre o assunto resolvi ir espreitar aquilo e tão depressa me inscrevi naquilo como me desliguei de vez. Bastaram poucos minutos para ver que aquilo era um hype criado pelos media em que muita gente caiu.

Passados cerca de dois anos, e depois de ver este documentário, continuo a achar a mesma coisa.

Os entrevistados são pessoas reais que dedicam muitas horas do seu tempo a viver naquele mundo, que para eles é real. Tal como o título indica, os utilizadores do Second Life que conhecemos mais a fundo são um que tem um avatar de gato, que se sente um gato (é, por isso, um furry) e que anda com orelhas e cauda de gato na rua; um pastor evangelista que tem uma igreja enorme no Second Life, onde diz que Deus também está (pergunto-me qual será o avatar de Deus) e um homem que gosta de se vestir de mulher e que no Second Life é escravo de um dominador e ao mesmo tempo dominadora de três escravas (uma confusão, portanto).

Todos os três se revelam pessoas solitárias e que usam o SL (como lhe chamam) para contactar com mais gente. Mas o que mais me espantou foi mesmo um grupo de mães suburbanas, com ar saudável e até atraente (o que é estranho, dado o estereótipo de utilizadores de tais programas) que caem na mesma esparrela (ninguém me convence do contrário!) e decidem fazer uma das coisas mais parvas de que há memória...plantar árvores no Second Life, para alertar os utilizadores para as questões ambientais. Plantem árvores reais, senhoras!

Razão #2 pela qual quis ir ver este documentário: Goreanos

Aqui há uns meses, um dos artigos da primeira página da Wikipedia era sobre este estilo de vida inspirado nuns livros de que nunca tinha ouvido falar antes. Ao que percebi, o pessoal que segue isto à letra vive uma relação de sado-maso permanente, em que em vez de ter um marido ou mulher tem um dono ou escravo.

Gajo curioso que sou, e porque o tema me interessa (demasiado Marilyn Manson quando era jovem?) fiquei atento quando reencontrei este termo na descrição do filme.

Infelizmente quase não se fala do assunto, por isso também não me vou alongar mais. Fiquei na mesma, ou aliás, fiquei com a ideia que aquilo era mais uma brincadeira que um compromisso real como pensava antes que era.

Razões pelas quais não gostei lá muito do documentário:

Mais uma vez é um daqueles documentários cuja destreza na realização é praticamente nula. Não digo que fizesse melhor, e de certeza que os realizadores fizeram o melhor que conseguiram com os meios que conseguiram, mas este filme sofre do mesmo problema que o Um lugar ao Sol.

Para além disso, nos últimos 15 minutos debruçam-se sobre um outro mundo alternativo, desta vez real, que é criado todos os anos nos Estados Unidos, o festival Burning Man. Mais uma vez, é um tema que me interessa bastante (tive colegas de San Francisco que foram e me disseram que aquilo é mesmo outra onda) mas neste contexto ficou estranhíssimo. Deu a ideia que os realizadores acharam que o documentário estava curto e meteram por lá mais umas imagens sobre aquilo, por ser apenas moderadamente próximo do tema que abordaram no resto do filme.


La mujer sin piano:

Estou em risco de me tornar mais um crítico "normal"...pela 2ª vez em 2 dias vejo-me obrigado a fazer referências a filmes do Luis Buñuel. Foi ontem com o Origin of the Species e hoje por causa deste La mujer sin piano.

A proximidade vai muito para além da origem geográfica do filme. Não sei se terei sido só eu, mas enquanto olhava para a Rosa de Carmen Machi recordava-me da Sevérine, interpretada pela Catherine Deneuve em Belle de Jour. Ambas as mulheres têm vidas marcadas pela monotonia, e ambas procuram escapar a esse tédio através de uma mudança radical.

Mas enquanto que Sevérine faz escapadelas diurnas, Rosa tem uma só escapadela durante a noite que vivemos neste filme. E é uma escapadela bem menos marota, digamos.

Rosa é uma dona de casa quarentona e desesperada que também é depiladora. Mas quando a conhecemos melhor percebemos que os seus sonhos são mais altos que a sua realidade. Rosa pode não ter piano mas é uma excelente pianista, está cansada da vida monótona que tem com o marido e decide fugir. Nunca sabemos como vai ficar a sua vida no futuro, mas vê-se que aquela noite foi importantíssima para ela...descobriu novas gentes, novos mundos e descobriu uma nova vertente da sua personalidade.

Já eu descobri um novo realizador espanhol a seguir atentamente. Este La mujer sin piano é uma excelente lição sobre como contar uma história aparentemente simples de uma forma profunda e surpreendentemente tocante.



Passemos agora às curtas do dia, vistas na sessão Cinema emergente curtas 1:

The Armoire:


Um filme que nos é "vendido" como sendo um thriller (uma criança desaparece! é encontrada morta!) mas que é comédia e musical em (quase) igual medida. Uma boa surpresa com uma fantástica palete de cores.


Licht:


Seguimos uma senhora idosa que aparenta ter alzheimer ou assim. A história não é nada de especial, mas gostei imenso da fotografia, que poderia descrever dizendo que provavelmente seria assim que uma câmara da Polaroid captaria imagens em movimento.


Os olhos do farol:

(não encontrei imagem, mas vejam o trailer aqui)

Foi a curta que mais me puxou para esta sessão. É uma produção portuguesa sem qualquer diálogo (boa estratégia de internacionalização!) e que conjuga perfeitamente uma animação fabulosa com uma banda sonora muito bem conseguida.

É essa música, aliada à muita expressividade dos bonecos animados que nos faz viver as aventuras daquela filha de um faroleiro taciturno. Sem ser preciso uma única palavra. Muito, muito boa.


Muzica in sange:


O título não está mal escrito. É a expressão romena para a frase que estavam a pensar: música no sangue.

Infelizmente confirmei o que já temia...tenho algum problema com cinema romeno. Tirando o 4 luni, 3 saptamâni si 2 zile - que é excelente - acho que nunca gostei de nenhum. Este é outro exemplo...não é que seja mau, mas não me conta nada de especial nem me faz sentir nada.


Watts and Volts:


Outra boa surpresa desta sessão. Em Watts and Volts temos a história de um casal do bairro de Watts, em Los Angeles. Ele tem pose de gangster, mas está mais interessado em poesia e em brahmacharya. Ela é quem realmente controla a relação...ele grita com ela, eles discutem, mas é ela quem acaba sempre por levar a sua avante.

É uma história divertida e até romântica. Tem uma fotografia muito boa, mas o que se destaca acima de tudo é a banda sonora, tão boa que nem parece de uma curta.


Carne:

(mais uma vez não encontro imagem adequada. Fica o trailer, que não faz justiça ao filme)

Todas as edições do Indie têm uma curta completamente alucinada. O ano passado foi o Visionary Iraq, este ano já está encontrada, é novamente portuguesa e chama-se Carne.

A melhor forma que encontro para o descrever é Carmelitas Descalças meets Reservoir Dogs. Isso mesmo, tem uma freira, tem Jesus à chapada à freira por ser uma maluca, tem um diálogo entre os dois composto apenas por citações da Bíblia (que deixaria o Tarantino orgulhoso), tem uma cena de engate hilariante, tem referências ao Magnolia e tem, sobretudo, uma boa disposição que muita falta faz ao cinema português.

Para mim a melhor curta até agora! Só espero é que o humor tenha sido intencional.

Indie Lisboa dia 4: Foco Cinema Emergente - Ben Rivers 2 + Putty Hill + Lebanon


Ben Rivers é um cineasta contemporâneo inglês cuja filmografia de curtas metragens é bastante extensa. Pela sua atitude DIY (a que sou muito ligado, pelo meu passado socio-cultural) e pelas suas técnicas de produção verdadeiramente indie ganhou direito a ser o realizador-foco da secção Cinema Emergente desta edição do festival.

Mas chega de falar da pessoa, passemos aos filmes.

Old Dark House:

Uma pelicula puramente experimental, sem história nem personagens, mas que me agradou bastante pelo conceito: ecrã quase integralmente preto em que as únicas fontes de iluminação são uma ou mais lanternas que, como que dançando, nos mostram uma casa em ruínas.


House:

Tal como a anterior, esta curta ficaria melhor num museu que numa sala de cinema. O próprio realizador, aliás, confessou durante a conversa com o público que esta era uma instalação.

O conceito é o mesmo e ouso dizer que será quase uma sequela, em que apenas muda o cenário (uma casa assombrada) e a qualidade dos efeitos especiais.


This Is My Land:
O primeiro personagem deste ciclo de curtas é Jake Williams, uma pessoa real (isso mesmo, o da foto) que vive sozinho numa floresta escocesa, onde o realizadou o descobriu e onde o ouvimos a explicar como se pode viver aquele tipo de vida.

Já não é tão experimental, mas mantém o estilo propositadamente antiquado de Ben Rivers (que filma apenas com câmaras dos anos 50/60) e é, talvez, o mais esteticamente apelativo deste conjunto.


Origin of the Species:

Das 6 curtas que vi hoje, esta foi a que gostei mais. Intercala close-ups da natureza (a fazer lembrar o Un chien andalou, da dupla Buñuel/Dalí) com testemunhos filosóficos de um outro solitário, obcecado pela evolução das espécies e o sentido da vida.


A World Rattled Of Habit:

Menos interessante mas mais divertida que a a anterior, aqui conhecemos Oleg, pai de um amigo do realizador, dotado de um sentido de organização muito peculiar. Valeu pelas gargalhadas.


May Tomorrow Shine The Brightest Of All Your Many Days As It Will Be Your Last:

(não encontrei fotos do filme, vejam lá o quão obscuro é!)


Tem o melhor título, mas foi a que menos gostei.

Talvez por overdose de curtas, talvez por incapacidade própria, não consegui perceber o significado por detrás destas (belíssimas) imagens de mulheres-soldado e idosos-soldado.



e, agora sim, toca a seguir para as restantes sessões do dia.


Putty Hill:

A coisa descarrilou desde o início. Por motivos alheios à organização do festival, a sessão começou com 45m de atraso, o que me lixou os planos de jantar. Mas, mais uma vez, a satisfação dos meus leitores vem antes da alimentação! (Noutro dia falava em candidaturas ao prémio Nobel, hoje sugiro que aproveitem a vinda do Papa para me canonizarem!)

Anyway. O atraso não seria significativo de nada não fosse o filme em si também ser estranhamente longo. Digo estranhamente longo porque, objectivamente, não o é...dura 82m, nada que não seja comum. O problema é que há uma cena em que aposto que muita gente pensa que o filme deveria acabar mas não acaba e, infelizmente, extende-se por mais 20 desnecessários minutos.

A temática até é interessante: o evento central é o funeral de um jovem que morreu de overdose e ao longo do filme vamos observando as reacções dos seus amigos e familiares. A estética também é agradável: acompanhamos maioritariamente um grupo de jovens pelos suburbios de Baltimore e o look fez-me lembrar o Larry Clark (do Kids, por exemplo) sem o sexo a rodos. Finalmente, a metodologia é bastante original, já que mistura técnicas de documentário com uma história de ficção. Não me lembro de ouvir o realizador a fazer perguntas directas aos personagens em qualquer outro filme de ficção.

Se não fosse aquela cena final desnecessária a avaliação seria positiva, assim tenho de dizer que preferiria ter comido sem ser à pressa.

(Curiosidade: já sabia que os funerais nos EUA são bem menos formais que na Europa, mas neste filme assisti ao primeiro karaoke de funeral da minha vida. Será que acontece mesmo?)


Lebanon:


Este filme de Samuel Maoz foi o primeiro dos que apelidei como "filmes que vou ver nem que me caia o braço" que tive o prazer de ver neste Indie Lisboa. E bem que valeu a pena!

Em Lebanon seguimos um grupo de soldados israelitas que participam na Guerra do Líbano de 1982. Não são soldados especialmente bons, já que cometem demasiados erros, mas como compõem um grupo que comanda um tanque os erros lá vão sendo apaziguados pelo ferro que os envolve e protege.

E quando digo envolver é mesmo envolver. Uma das características mais marcantes do filme é a claustrofobia permanente, isto porque a grandíssima maioria do filme é filmado no interior do tanque em que estes soldados se deslocam. "E quanto é a grandíssima maioria, ó escriba?" perguntam vocês. E eu respondo-vos "Olhem para cima"...porque a imagem do poster é a única que não é filmada dentro do tanque.

Convivemos por isso com o mesmo óleo e fumo que os soldados e nunca vemos mais que eles, já que mesmo quando nos é dada oportunidade de espreitar cá para fora apenas o fazemos na perspectiva do soldado que controla as armas - através de um monóculo - com as imensas limitações de perspectiva que daí advêm. Há uma cena, então, que é especialmente sufocante: o tanque é atacado e, tal como os soldados, nunca sabemos de onde nem por quem...seguimos lá dentro, com eles, a conduzir à velocidade máxima e verdadeiramente a chocalhar por todos os lados até atingir um local seguro.

Mas este aspecto sendo importante não passa de forma. O conteúdo deste filme é a experiência pela qual os soldados passam. Como disse acima, são soldados que cometem demasiados erros, mas nunca nos devemos esquecer que são soldados à força. Tal como já tinha acontecido em Vals Im Bashir, o filme é baseado nas experiências do realizador enquanto jovem que se viu naquela guerra como parte do serviço militar obrigatório. Cometem os erros que eu cometeria, erros que derivam da incapacidade de matar e acima de tudo do terror que os seus olhos espelham tão bem neste que é, até agora, o melhor filme que vi neste Indie.

Não é um tão obscuro como outros filmes de que já falei aqui; desde que ganhou o Leão de Ouro do Festival de Veneza do ano passado que tem vindo a ser falado, tanto aliás que vai passar nas salas portuguesas fora do festival. Quem não o tenha visto ainda que o apanhe no cinema, porque é daqueles filmes que deve ser visto no grande ecrã, para que nos sintamos verdadeiramente dentro daquele sufoco. Num ecrã mais pequeno deve perder grande parte do impacto.

Vão é preparados. Houve quem o chamasse um pesadelo, mas ninguém disse que a guerra fácil.

sábado, 24 de abril de 2010

Indie Lisboa dia 3: Lourdes + Man tänker sit

Lourdes:


Lourdes é um filme sobre uma senhora que não se chama Lourdes (não nos é dado o seu nome, na verdade) mas a qual acompanhamos durante uma peregrinação ao santuário mariano francês.

Para quem não sabe, Lourdes é uma localidade nos Pirinéus franceses onde se diz que em 1858 uma jovem começou a ver aparições da Nossa Senhora e que, desde então, é um dos principais destinos religiosos do mundo. Mas este filme não é (só) sobre religião.

Ao contrário do que poderíamos pensar, a nossa protagonista anónima não é especialmente religiosa. Como confessa a uma voluntária da Ordem de Malta que a acompanha, faz estas peregrinações porque é a única forma que tem de viajar. É que, como ela diz, é difícil viajar quando se é tetraplégico.

A primeira parte do filme é, por isso, mais baseada na solidão da protagonista e dos seus companheiros de viagem, contrastante com a boa disposição e aparente alegria de viver dos voluntários que as acompanham e a fúria consumista que envolve o santuário. Mas, a partir mais ou menos do meio do filme, a religião aparece, sob forma de um aparente milagre.

A nossa protagonista até então esteve sempre numa cadeira de rodas, mas a meio de uma noite levanta-se e começa a andar. Será milagre? O médico que ela consulta, passo obrigatório no processo de reconhecimento de milagres, diz-lhe que não...que ela tem esclerose em placas e que aquele tipo de melhoras pode acontecer mas são apenas temporárias. Um optimista, portanto. Os seus companheiros de viagem, por outro lado, vêm aquilo como prova do amor de Deus pelos homens, e o filme não nos dá uma resposta...deixa-nos um final em aberto, que poderá ser preenchido consoante as nossas crenças religiosas.

É esse um dos pontos fortes neste filme da austríaca Jessica Hausner, mas o protagonismo todo é para a interpretação de Sylvie Testud, que em grande contenção de movimentos e palavras nos transmite um enorme leque de emoções.

Uma excelente interpretação num filme bom mas que para mim, ateu convicto, talvez tenha um bocadinho menos de profundidade do que para alguém que seja religioso. Gostaria de saber a opinião de um crente. Há por aí algum ou alguma que queira ver o filme e partilhar?


Man tänker sit:


O título inglês "Burrowing" significa escavar. O título sueco "Man tänker sit" significa algo como pensar sobre si mesmo. Dos dois o sueco é o mais apropriado, porque o filme faz-nos pensar sobre nós próprios, não porque nos sentimos tocados pela história mas porque neste filme não acontece nada e damos por nós a pensar noutras coisas.

Eu sei que nem sempre os filmes têm de ter uma narrativa convencional, mas aqui não há nada de nada, já que passamos todo o filme a acompanhar habitantes de uma cidade onde não se passa nada, a fazer nada de especial. Não estranhei, por isso, que fosse o primeiro filme deste Indie em que vi gente a sair e o primeiro em que dei por mim a olhar para o relógio.

Já tive oportunidade de por aqui confessar a minha paixão pela Suécia e por tudo o que é sueco, mas assim não.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Indie Lisboa dia 2: Um lugar ao Sol + Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta + George Washington

Um lugar ao Sol:


(Estes filmes do Indie têm este problema, encontrar os posters on-line, mas esta imagem é do filme)

Antes de mais, deixem-me dizer que fiquei contente por finalmente ver um filme brasileiro, dado o número de leitores brasileiros que tenho. (oi! tudo bem?) Agora que já disse, siga para a SMR.

A principal razão porque resolvi ir ver este documentário foi, curiosamente, referida por um dos seus intervenientes: grande parte dos outros filmes/documentários sobre o Brasil focam-se na miséria, na pobreza dos seus cidadãos, enquanto que este tenta mostrar o outro lado: como é ser rico no Brasil e, especificamente, nas últimos andares dos prédios junto às praias do Rio de Janeiro, onde só vivem mesmo os mais privilegiados.

"Onde eu vivo não é na realidade o Brasil", diz esse entrevistado. E é mesmo assim...é notório que estas elites não são na realidade o Brasil. Não se pode ser o Brasil quando o comentário que se faz sobre os tiroteios nas favelas é "Adoro ver o bang bang cá de cima. As balas tracejantes têm cores tão bonitas". Felizmente já tive a sorte de ir ao Brasil e sei que não é assim, há muita miséria, há muita riqueza mal distribuída, mas há sobretudo uma alegria de viver contagiante. E neste Um lugar ao Sol não fui contagiado por ninguém.

Mas o pior mesmo é que o documentário é chato. É interessante ouvir a opinião daqueles entrevistados, mas as opções estéticas do realizador (entrevista --> separador com música e imagem com câmara estática --> entrevista --> repete) não são as que mais me agradam. Isso e aqueles zooms, enquanto os convidados falam, que pareceriam inspirados na nouvelle vague, se a inspiração fosse voluntária.Assim sendo, foi um tiro ao lado. É um tema interessante (e é esse o maior mérito do filme, ter uma perspectiva diferente) mas tirando

Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta:



Segundo documentário do dia, segundo documentário falado em português, mas desta feita em português de Angola, da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Se há coisa importante que Portugal fez no mundo foi precisamente isto, espalhar a sua língua (mas não tanto a sua cultura) por todos os continentes.

Neste documentário, da também portuguesa Diana Andringa (nascida em Angola), fala-se antes de um momento e de um local muito negro na história do meu país: o campo de trabalho de Chão Bom, mais frequentemente conhecido por Tarrafal.

Foi aqui que, até há 36 anos, o Estado Novo (ditadura que sufocou Portugal durante 41 anos) aprisionou em condições sub-humanas alguns dos seus opositores, fossem eles portugueses comunistas ou cidadãos das (então) colónias que lutavam por um direito que era seu: a independência e auto-determinação dos seus povos.

Nós portugueses gostamos de nos denominar como um povo de brandos costumes, mas enquanto ouvia as descrições das torturas infligidas aos presos e os métodos de fuzilamento daqueles que não sobreviveram senti-me feliz por já não vivermos debaixo de um regime que de branda só tinha a mundividência.

O regime acabou a 25 de Abril de 1974, as colónias tiveram a sua independência e estes presos foram libertados. Eu, pela minha parte tenho alguma pena de não ter vivido esse dia de libertação, mas se se costuma dizer que quem esquece a sua história está condenado a repeti-la, então desejo sinceramente que este filme sirva para que este passado recente não se repita, nem no futuro distante.


George Washington:



Mais uma vez tenho um recadinho antes de começar com a SMR propriamente dita: ó senhores que fizeram a programação do Indie, para a próxima quando dizem que um filme passa às 00h de Sábado pensem que as pessoas interpretam isso como sendo na noite de 6ª para Sábado e não (como afinal parece que queriam dizer) de Sábado para Domingo.

Sim, porque fui para o cinema com a ideia de ir ver o Orly e não este filme, mas aparentemente só passa amanhã.

Felizmente não apanhei uma estopada. Soube que não ia ver o filme que tinha programado quando fui buscar o bilhete, cerca de 20m antes da sessão começar e resolvi não ler nada sobre o filme. Foi, por isso, uma surpresa absoluta...não sabia mesmo nada, nem a origem, nem se era ficção ou documentário, nada. (Por causa do título, até pensei que pudesse ser algum documentário histórico)

O que descobri foi um filme muito low-fi, que é triste e acolhedor em doses iguais. Nele, vamos seguindo um grupo de jovens que vivem abaixo do limiar da pobreza num qualquer vilarejo do interior dos EUA. Em George Washington (o nome do personagem principal, também ele uma criança...como podem ver no poster) os adultos são totalmente secundários...o que aqui interessa é observar este grupo de putos de 12/13 anos e as suas reacções ao que se vai passando, desde o amor à morte.

Uma coisa que achei curiosa foi perceber que este filme é um dos primeiros do David Gordon Green, realizador do Pineapple Express, uma comédia completamente estúpida de que gostei bastante. Aqui a estupidez não existe, o filme é profundo e muito contido. Os planos bem compostos e a banda sonora ambiental juntam-se ao excelente grupo de actores, que me deram a impressão de ser amadores mas que são de excelente qualidade.

Indie Lisboa dia 1: Greenberg + It came from Kuchar

Greenberg:



Não foi o filme que abriu oficialmente o Indie Lisboa (honra dada ao português Fantasia Lusitana, que podia ter um título menos pornográfico) mas este Greenberg fez um excelente papel enquanto primeira fita a ser exibida nesta que é a 7ª edição do meu festival de cinema favorito.

Tendo a dura função de seguir o muito aplaudido The Squid and The Whale (que nunca vi, pelo que não opino), o realizador Noah Baumbach pegou no Ben Stiller e, segundo a tradição de actores cómicos a fazer filmes sérios, fez dele Roger Greenberg.

E quem é Roger Greenberg? É um quarentão neurótico (talvez não seja o termo psiquiatricamente correcto, por isso perdoa-me Zé, se estiver errado) que, cansado de viver "uma vida que não planeou" resolve "não fazer nada durante uns tempos". Conhecemo-lo em Los Angeles, cidade onde nasceu e cresceu mas onde já não vive, em casa do seu mais bem sucedido irmão, Phillip, onde aproveita para se tentar reencontrar enquanto revê os seus amigos do passado.

Roger Greenberg não tem uma vida semelhante aqueles com quem cresceu, tal como eu não tenho (e talvez por isso me tenha identificado tanto), pelo que quando os revê não os reencontra, são apenas estranhos.

Ao longo das 6 semanas que passa na casa do irmão, Roger tenta matar a solidão com a companhia de Florence, a assistente pessoal da família (interpretada pela Greta Gerwig, que não conhecia mas que faz um bom papel enquanto rapariga especializada em momentos akward) e de Ivan (Rhys Ifans), um ex-band mate e o único amigo de antigamente que sobra. (Sobrará?)

Com eles, e sobretudo com os erros que vai cometendo, Roger vai tentando também vencer as suas incapacidades sociais e, neste caso, o final em aberto não nos explica como ficará a sua vida depois daqueles dias de house sitting. O que fica claro é que este é um filme ideal para quem está em processo de auto-descoberta (como o vosso escriba) e que é, de longe, a melhor interpretação do Ben Stiller.

Não virá a ser um clássico do cinema, mas é um filme agradável de se ver, leve mas que me deixou a pensar...tal como o slogan do Indie diz, é um filme que não acaba quando termina.


It Came From Kuchar:


Ora aí está! É precisamente por filmes como este It Came From Kuchar que gosto de festivais de cinema.

É um documentário, realizado por uma senhora chamada Jennifer M. Kroot, mas rapidamente esta realizadora perde todo o protagonismo. Aqui as verdadeiras estrelas são a dupla de realizadores (e irmãos gémeos) George e Mike Kuchar, estrelas no mundo do cinema undergound e praticamente desconhecidos nos restantes círculos.

Eu próprio devo admitir que nunca tinha ouvido sequer falar neles. Mas agora estou tão bem impressionado e rendido ao que foi apresentado do seu trabalho que vou querer (e hei-de) ver tudo o que conseguir encontrar deles.

Sem sequer ter ainda procurado (porque é tarde e amanhã tenho de ir trabalhar cedo) aposto já que vai ser complicado encontrar uma retrospectiva dos seus filmes...pérolas quase home made, filmadas em 8mm, com nomes como Sins of the Fleshapoids, The Devil's Cleavage ou Thundercrack e onde tanto vemos as sobrancelhas mais ousadas da história do cinema, a mãe dos realizadores a ser atacada com fezes de cão (falsas!) ou uma paixão incompreendidasentre um protagonista e ... um gorila!

Este documentário mostra-nos um apanhado da sua (extensíssima) obra focando-se na relação de ambos com os pais, as suas personalidades distintas, as suas relações de amor/ódio com a sexualidade mas sobretudo o seu humor. Tal como alguém diz durante o filme, enquanto que os outros filmes underground da altura (os irmãos Kuchar são contemporâneos e fazem parte da mesma "cena" que o Andy Warhol, por exemplo) eram muito snob, estes eram marcados pelo humor, mas nunca deixando de ter aspectos mais profundos que merecem análise e discussão.

De certeza que vos falarei mais sobre eles, por agora apenas vos aconselho vivamente a procurarem tudo o que puderem sobre eles, nem que seja para me dizerem onde encontrar os filmes.

Estou com aquela excitação de quem acabou de descobrir um tesouro nada deprimente. Se o quiserem descobrir também ainda vão a tempo de ver a segunda exibição do filme, dia 26 às 23h59 no cinema São Jorge

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Indie Lisboa 2010




Faço o segundo post desta noite só para avisar os meus leitores que, a partir de amanhã e até dia 2 de Maio, este blog vai ter (ainda) mais actividade.

A organização do Indie Lisboa, reconheceu o meu trabalho e resolveu conceder-me uma acreditação para o festival. Procurarei honrar a confiança que depositaram em mim vendo MUITOS filmes. (Se tudo correr bem, 3 por dia, em média)

Farei updates diários, mas quanto ao conteúdo sabem com que contar. As melhores críticas da internet. Pelo menos as melhores que vocês lêm...ou, pronto, as melhores que vocês lêm e são escritas por mim.

Vemo-nos no Indie!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Páre, Escute e Olhe

Páre, Escute e Olhe:


No início deste filme vemos a dedicatória: "Em nome de um povo esquecido".

Pela segunda vez, o realizador Jorge Pelicano pega num tema que lhe é muito caro, o Portugal do antigamente, vivido pelas pessoas de agora. Depois do, superior, Ainda há pastores? abordar a vida das populações do vale de Folgosinho, este Páre, escute e olhe aborda o desaparecimento forçado a que as gentes de Trás-os-Montes estão condenadas.

Inaugurada em 1887, a linha do Tua teve, no seu expoente máximo 134km, desde a aldeia do Tua até Bragança. Hoje, 123 anos depois, e resultado de uma política que - desde "a noite do roubo" em 1991 - tem roubado este serviço público básico às populações, a extensão da linha é de uns míseros 16km. (Se bem que a fonte para estas extensões é a Wikipédia, por isso não posso jurar que seja assim mesmo. Até porque estou com a impressão que a extensão actual é um bocadinho maior.)

Tal como em Ainda há pastores? este filme mostra-nos que ainda há gentes para lá do Marão. Essas gentes, encontradas em aldeias e não na "grande cidade" que é Bragança (o que dtambém deveria ter acontecido) ainda vivem com as tradições antigas, semelhantes àquelas que o meu tio-avô e o meu pai encontraram quando por lá viveram, nos anos 40 e nos anos 70, respectivamente. São pessoas idosas, porque os jovens não podem ficar onde não há escolas nem reais oportunidades de carreira, pessoas que dependem daquela linha para receber os seus remédios, fazer as suas compras, visitar as suas famílias.

O motivo que - presumo - levou à realização deste filme neste momento foi a actual proposta de construir uma barragem no rio Tua que, basicamente, irá acabar com o comboio naquela região. Ao longo do documentário vamos ouvindo as opiniões dos locais (que, quase unanimemente, defendem o comboio sobre a barragem), alguns activistas anti-barragem e, numa quantidade bem menor de tempo, aqueles que defendem que a linha é obsoleta, pode e deve ser substituída por transportes rodoviários e que a barragem é a solução para o desenvolvimento local.

Apesar dessa falha - deviam ter dado mais tempo a quem é a favor - o depoimento que mais me marcou foi o de um pró-barragem. Não o famoso "só falta aqui é cimento" do Sócrates, mas sim o momento em que, em plena Assembleia da República, o Ministro do Ambiente (do Ambiente!) diz algo como "o ambiente não pode parar a economia".

É chocante e foi a partir desse momento que comecei a pensar que, no meu país, os políticos pensam ao contrário. O autarca de um dos concelhos afectados negativamente pelos cortes na linha, a capital de distrito mais isolada do país, defende que a linha não tem razão porque não transporta passageiros/mercadoria suficientes. Não deveria ser ao contrário? Talvez se houvesse mais comboios (e a horários úteis) estes pudessem ser mais usados por aqueles que apenas têm duas opções: ou o comboio com preços razoáveis ou táxi em que cada viagem custa 1/10 das suas reformas.

E agora falando do documentário em si, que estou muito politizado. (Desculpem-me os leitores que não vivem em Portugal, mas teve de ser) O filme não é genial...é muito longo e - na minha opinião - por vezes aborrecido (aquelas citações pecam por demasia), mas a mensagem é importante e deve ser partilhada por todos. É importante que Portugal continue a ser o rectângulo que tem sido ao longo dos últimos 900 anos e não apenas um L definido ao longo da faixa costeira, como em poucas gerações poderá vir a ser.

Portugal é Lisboa, é Porto, mas também é Bragança ou a ilha do Corvo, nos Açores. Que continue assim por muito tempo! Não se esqueça este povo esquecido.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

The Candidate + Bakjwi

The Candidate:


Desde muito jovem (mesmo!) que me interesso pela política, mas também desde jovem que me apercebi que o que estraga a política são os partidos. Tornam os ideais em números e quando isso acontece a vontade de mudar as coisas acaba sempre por se esbater.

Prova disso é este filme já antigo (1972) em que o Robert Redford é seleccionado como "carne para canhão" por um partido que está condenado a perder as eleições e que é rápida e completamente absorvido pela máquina política que nem ele, nem na verdade ninguém, consegue controlar. As suas ideias iniciais vão-se perdendo e, no final, o próprio candidato se pergunta "What do we do now?"

Apesar do tema, o filme é um bocado datado e não me conseguiu interessar lá muito. O Robert Redford podia ser alto ícone sexual na altura (ainda hoje é o crush da minha mãe) mas as suas interpretações na verdade nunca esteve ao nível do seu sex appeal. O restante cast é tão pouco marcante que não me recordo de ninguém e o próprio argumento pega no tal tema que me interessa imenso mas explora-o de uma forma muito estranha, se bem que talvez propositada...tal como o candidado Bill Mckay somos atirados para a corrida eleitoral sem qualquer preparação.

Fico contente por o poder tirar da minha lista de filmes clássicos a ver, mas para além dessa razão não há muitos mais motivos pelos quais o possa recomendar 38 anos depois da estreia. Talvez quando saiu se percebesse melhor porque é que ganhou o Óscar de melhor argumento original.



Bakjwi:


Já apelidado de Twilight sul-coreano, este Bakjwi, Thirst no título inglês, é muito mais pesado que os vampiros mais panhonhas da história do cinema.

Em comum com a saga criada por Stephenie Meyer só mesmo o facto de ter vampiros e uma história de amor. Mas tudo o resto é diferente...mesmo a própria história de amor, que tem muito (e bom) sexo e que na verdade é mais uma obsessão e que - como tudo o resto no filme - é verdadeiramente doentia.

É que (quem é mais atento já sabe isto) esta história de um padre vampiro (Kang-ho Song, com um cabelo à Fernando Alvim) é-nos trazida pelo mais famoso realizador sul-coreano: Chan-wook Park, o mesmo do excelente Oldboy e do igualmente bom mas menos marcante (para mim) Sympathy for Mr. Vengeance...dois filmes que, digamos, não se tornaram famosos pelos seus arco-irís e unicórnios sorridentes. Aqui, o filme não é tão violento, mas dos três é - de longe! - o que me deixou mais enjoado.

E quando digo enjoado é mesmo enjoado. Já há muito que não saía assim de um filme e só o realizador vos poderia dizer se isso é bom ou mau, por isso vão ao Google Translate, metam isto em coreano e mandem-lhe um e-mail. Agora a sério...o filme nem sequer tem violência em demasia, mas as quantidades de sangue são tais que eu passei a achar que se calhar era mais sensível do que anteriormente pensava ser. Digamos que fiquei a perceber porque é que foi, provavelmente, o filme mais aplaudido da edição 2010 do Fantasporto.

Este aspecto, aliado ao facto do filme ser muito (demasiado) longo, faz com que tenha de alertar os meus queridos leitores. Vão vê-lo apenas se quiserem mesmo, este não é um filme para se ir ver quando se está numa de cinema pipoca. É um bom filme, está excelentemente realizado (o senhor Chan-wook tem jeito, coitadinho) mas ainda assim está longe do excelente Låt den rätte komma in, com o qual tem sido frequentemente comparado.

sábado, 17 de abril de 2010

The Imaginarium of Dr. Parnassus

The Imaginarium of Dr. Parnassus:


Algures durante o dia 22 de Janeiro de 2008 recebi uma mensagem da minha namorada da altura a contar-me que o Heath Ledger tinha morrido. Era um actor que conhecia (sobretudo por causa do Brokeback Mountain e do buzz que a sua actuação enquanto Joker estava a ter) mas não me sentia demasiado próximo e, confesso, a morte dele passou-me um bocado ao lado.

Agora que já vi esse Joker (que - coisa que se pensava impossível - superou o do Jack Nicholson) e esta que é a sua última interpretação começo a ter a sensação que realmente se perdeu um actor fora de série. Se o Joker é uma criação que quase toda a gente viu, tamanho foi o sucesso do The Dark Knight, este derradeiro papel - mais escondido do grande público - não está abaixo do anterior.

Tendo morrido a meio da rodagem do filme, durante algum tempo pensou-se que este Imaginarium nunca viria a luz do dia. Mas o realizador Terry Gilliam está habituado a desgraças durante as suas filmagens (vejam o excelente documentário Lost In La Mancha, sobre a sua frustrada tentativa de adaptar as aventuras de Don Quixote, como exemplo definitivo do que quero dizer) e resolveu não desistir. Aproveitando a natureza fantástica/mágica do filme, o papel que o Heath Ledger interpreta é-o também pelo Johnny Depp, pelo Colin Farrel e pelo Jude Law. Bem sabem os meus leitores que adoro o Johnny Depp, acho-o o melhor actor da sua geração, mas neste caso quem mais me agradou foi mesmo o Heath.

Porém, e independentemente das circunstâncias trágicas que a que ficará para sempre ligado, este é um filme que merece toda atenção. As restantes interpretações são, também, geralmente boas.

Ao longo do filme, acompanhamos um grupo de saltimbancos - o Dr. Parnassus (Christopher Plummer), a sua filha Valentina (Lily Cole, muito estranha...o que não é necessariamente mau), os seus ajudantes Anton (um excelente Andrew Garfield) e Percy (Verne Troyer, que de certeza que reconhecerão se carregarem no link). Temos ainda o Diabo, excelentemente interpretado pelo músico Tom Waits e, finalmente o já falado protagonista - Tony - que se junta ao grupo em circunstâncias bizarras mas que vai ter um papel importantíssimo a desempenhar.

Esta é uma história tipicamente Gillianesca (já que para além de realizada pelo ex-Monty Python, também foi escrita por ele) baseada numa premissa muito especial, o Imaginarium do tal Dr. Parnassus, um homem profundamente espiritual condenado - através de uma aposta com o Diabo - à imortalidade.

O Imaginarium é uma "coisa" (não o sei descrever melhor) mágica que permite àqueles que nele entrem ver tudo o que imaginarem realizado, e são essas sequências de fantasia que representam as cenas mais marcantes do filme, apesar dos efeitos especiais por vezes deixarem escapar que podiam ser melhores.

É verdade que gosto muito de muitos tipos de filmes, mas a meio da sessão dei por mim a pensar "isto é cinema puro". E é, este Imaginarium é um maravilhoso exemplo de cinema enquanto forma de criar mundos novos para que os possamos visitar.

Pela magnífica e derradeira interpretação do Heath Ledger e, acima de tudo, pela inteligência como esta história conseguiu superar a perda do seu protagonista este é um filme que merece ser visto. É certo que não receberá uma aprovação unânime, muitos acharão que é demasiado estrambólico, mas já que me lêem sigam o meu conselho...vale mesmo a pena ver.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

The Blind Side + Date Night

The Blind Side:

Respondendo logo à pergunta: não, não merecia o Óscar. Na minha opinião, roubaram a Gabourey Sidibe para o dar à Sandra Bullock, uma espécie de Robin Hood ao contrário. Sim, Robin Hood. Robin Hood porque onde o Precious trata de pobreza real, crua e feia, neste The Blind Side a pobreza é falsa, polida e quase que romantizada.

Mas avancemos com a SMR. Devo confessar que achei o filme melhor do que estava à espera, mas não deixa de ser um trabalho genérico, daqueles perfeitos para passar pela TVI num qualquer Domingo à tarde.

A história é sobejamente conhecida...Big Mike (Quiton Aaron) é um jovem negro (ou afro-americano, como a brigada do politicamente correcto preferiria) com um background de pobreza, droga e violência. Nunca se percebe bem como, mas é retirado à família e cai quase de pára-quedas (numa das muitas questões que teria dado jeito terem explorado mais a fundo) numa escola privada, onde estudam os filhos de Leigh Anne Tuohy (sim, a nossa Sandrinha), uma mulher sulista com o chamado pelo na venta e que o decide adoptar.

A partir daí acompanhamos as relações familiares dos Tuohy's, mas infelizmente tal nunca é feito com uma profundidade minimamente satisfatória. Vamos acompanhando a sua evolução no futebol americano (o verdadeiro Michael Oher ainda hoje é um jogador da NFL) mas todo o avançar do filme é despachado e são raros os momentos em que nos sentimos próximos daquele bom gigante.

Big Mike é realmente gigante, e também é bom, mas - e isto foi das coisas que mais me irritou no filme - também é mostrado como se fosse quase um atrasado mental. Há uma cena que me fez lembrar um episódio do Esquadrão Classe A em que o B.A. adormece sempre que ouve a palavra eclipse...aqui, o Big Mike não sabe jogar futebol, mas assim que ouve a palavra "família" ou "confiança" torna-se um candidato a MVP. Será por isso que o Michael Oher verdadeiro não gostou da forma como foi interpretado?

The Blind Side é um filme que não veria se não fosse pelo Óscar, um filme que confirmou que o Óscar não é merecido (até o puto Jae Head, que faz de filho da Sandra Bullock, tem uma interpretação mais marcante...e irritante) e um filme que podem bem esperar para ver numa ocasião em que não tenham realmente mais nada que fazer.



Date Night:


Steve Carrel e Tina Fey são, actualmente, dos melhores representantes da comédia norte-americana. Tê-los juntos é praticamente suficiente para vender um filme, e este Date Night sabe disso.

É por saber que não era preciso terem grande argumento para vender o filme que o filme, adivinharam, não tem grande argumento. Em Date Night eles são o casal Foster que, por causa de uma série de eventos um bocado a dar para o irrelevante, são confundidos pelo casal Triplehorn. O problema é que o casal Triplehorn anda a ser perseguido por uns mafiosos, por causa de uma série de coisas um bocado a dar para o irrelevante, e assim este Date Night torna-se, ao contrário do que o nome poderia indiciar, um filme de perseguições e gangsters.

E ainda bem! Porque a parte "familiar" deste filme é, de longe, o seu elo mais fraco...ao ponto de a dada altura (e quem vir o filme vai perceber o que estou a falar) entrar por uma perseguição adentro e destruir completamente o ritmo do filme.

Mas disse ali em cima e mantenho o que disse: numa comédia com o Steve Carrel e a Tina Fey o argumento não interessa lá muito, já que ao longo dos 88 minutos deste (curto) filme lá nos vamos rindo com uma série de cenas (improvisadas?) que estão naquele contexto mas poderiam estar em tantos outros. E mesmo as cenas com os convidados mais famosos (Mark Wahlberg, James Franco e Mila Kunis), que são dos pontos mais altos do filme, servem para adiantar a história mas poderiam ser inseridas noutro argumento qualquer.

Digo convidados porque este Date Night é mesmo um filme de e para os dois protagonistas. Tem o mérito de ter a melhor conjugação entre um strip-tease e uma robot dance de sempre, mas de resto é - como julgo que já disse - genérico. Uma comédia divertida, mas que não atinge o patamar (elevado) em que as expectativas colectivas a tinham colocado.