Hoje foi à minha terceira (e penso que última) sessão de curtas. Das três foi a que gostei menos, e - pontaria! - de todas as sessões a que fui foi a única que teve 2 turmas em visita de estudo. Os miudos devem ter ficado assustados com o cinema independente. Mas avancemos para os filmes.
Plastic Bag:
Tinha lido a descrição do filme e achei que deveria ser um filme chato. Muito me enganei. Não só é o melhor do conjunto, como é um filme bastante bom.
Chama-se Plastic Bag porque o artista principal é um saco de plástico castanho (que ou muito me engano ou não é o da foto, tsc tsc). Aparecem seres humanos, mas sempre secundarizados. Aqui o que interessa é seguir a biografia do tal saco de plástico, desde o seu "nascimento" (quando é usado pela primeira vez, num supermercado) até à sua morte e consequente subida ao Paraíso (quando, depois de deitado fora, chega ao Vórtice, algo que já tinha ouvido falar mas que nunca tinha visto antes...vejam o link, que é assustador).
Posta por palavras a história parece ser altamente secante, uma versão mais longa da famosa cena do American Beauty, mas a verdade é que se torna muito mais interessante que isso. É giro ver o mundo da perspectiva de um saco de plástico, que se apaixona pela sua criadora (a sua primeira utilizadora) e vai vivendo desilusão atrás de desilusão. (Acabei de admitir que um saco de plástico tem sentimentos? Acabei.)
É claro que o saco ter a voz do Werner Herzog (um realizador de que gosto imenso, como muitos de vós já sabem) me despertou ainda mais o interesse, mas independentemente disso é uma história com uma perspectiva filosófica interessante e uma mensagem ecológica explicitamente implícita. Nunca mais olho para um saco de plástico da mesma forma.
Phuket:
A personagem central deste filme é mesmo aquela região tailandesa, que conhecemos pelas praias e pela desgraça que foi o tsunami de 2004. Mas aqui, felizmente, só se tratam de assuntos mais positivos: seguimos Jin, uma actriz sul-coreana que revisita a zona onde apenas tinha estado com os pais na sua infância. Ela e o seu motorista vão falando de como tudo tinha mudado desde então e não nos aborrecem enquanto assistimos aos seus passeios, mas também não acontece nada de marcante ou que se possa chamar história.
Um filme sobre Phuket patrocinado pelo turismo de Phuket e por uma série de hotéis da região e que nem sequer consta na filmografia do realizador. Parece-me estranho e, tanto durante a exibição como agora, fiquei com a impressão que o que vi foi um spot publicitário de 30 minutos disfarçado de curta metragem.
The Day Was a Scorcher:
Uma curta puramente experimental, que obteve os primeiros "mas o que é que é isto, meu?" dos alunos que assistiam à sessão.
É que, realmente, tal como as duas primeiras curtas da sessão do Ben Rivers, este filme faz mais sentido num museu (ou num laboratório de cinema) do que numa sala, já que se traduz unicamente em fotografias que, através de um método de intercalação entre duas perspectivas diferentes, parecem ficar em 3d. No fundo é algo como isto, mas tem um problema grave...numa sala de cinema o constante pulsar da luz branca é um convite ao início de um ataque de epilepsia.
É um estudo de técnica cinematográfica puro. E nem sequer meteram som ao filme, para animar a malta.
One Future:
Foi o segundo filme consecutivo só com imagens paradas. Mas ao contrário do anterior este é interessante.
É verdade que a sucessão de fotografias quase parece um slideshow do Powerpoint, mas como está muito bem montado e a história que é narrada por cima das imagens é interessante (fala-nos de um mundo parecido com o 1984, do Orwell) a coisa não só se vê muito bem, como dá pena de durar apenas 7 minutos.
O estrangeiro:
Curta metragem do realizador português Ivo Ferreira (conhecido do grande público por ter sido preso no Dubai, aqui há uns anos e - menos - por realizar o filme Águas Mil, de que falei num post anterior), este O estrangeiro foi rodado em Macau e trata da procura da busca de um português que escrevia ao protagonista desde esse território, em meados da década de 90.
Filmado na Macau actual (tão diferente da Macau que era portuguesa até 1999), este filme é - parece-me - mais uma procura das memórias desse tempo e não tanto de uma pessoa real. Não conheço a biografia do autor, mas cheira-me que viveu em Macau e - como tantos outros que por lá passaram - ficou com uma grande paixão por uma cidade que agora já não existe.
A Letter to Uncle Boonme:
O segundo filme tailandês da secção, aqui não temos uma passeio bucólico por uma região balnear, mas sim memórias de um conflito filmado na aldeia de Nabua, na fronteira entre a Tailândia e o Laos.
Conhecida como a aldeia das viúvas, dado um massacre ocorrido por lá algures nos anos 60 (perpetrado pelo governo tailandês, num esforço anti-comunista...curioso, dada a situação actual do país), esta aldeia é aqui apresentada como totalmente vazia. Apenas vemos (e ouvimos) um grupo de soldados que lêem uma carta escrita ao tio Boonme, que não percebi bem quem era.
Na verdade, não percebi muito bem nenhuma parte do filme, desde o autor das cartas à razão pela qual aparece um "monkey ghost" (que tem direito a crédito e tudo!) no meio da selva. É um dos possíveis vencedores da Palma de Ouro de Cannes, este ano, mas parece-me demasiado poético para conseguir tal galardão.
e agora a longa do dia
Au voleur:
Filmado na fronteira franco-alemã, Au voleur é acima de tudo uma história de amor.
É verdade que essa palavra nunca é dita ao longo do filme. Se tivesse de descrever o protagonista (interpretado pelo Guillaume Depardieu, que tinha o nariz do pai, coitadinho) não poderia deixar de usar a palavra ladrão. Ladrão de objectos e de corações, porque se por um lado Bruno ganha a sua vida roubando tudo a que puder deitar mão, de relógios a carros, é durante uma noite de descanso num bar que rouba aquilo que mais releva para o filme, o coração de Isabelle (interpretada por Florence Loiret Caille, que já tinha visto - e gostado - em Parlez moi de la pluie), a quem - curiosamente - já tinha roubado uma pulseira.
Até então Isabelle aparentava ser uma professora-substituta de alemão acomodada com a sua vida errante e a sua solidão, mas o seu fascínio por Bruno leva-a a mudar de paradigma. Por uma série de coincidências azaradas, Bruno é procurado por um assalto que cometeu e Isabelle decide evadir-se com ele. Aprendem a viver juntos, e acaba por ser ela a salvar a vida do seu novo amor, literal e (na minha interpretação) metaforicamente.
É um filme que não vai ficar na minha memória por muito tempo, o que não é bom mas também não é necessariamente mau (o A Religiosa Portuguesa infelizmente vai). Está bem realizado (excelentes planos em contra-luz!) e tem duas interpretações muito bem conseguidas, mas se Bruno teve apelo suficiente para levar Isabelle consigo, a realizadora (Sarah Leonor) precisa de encontrar uma história mais marcante para me deixar rendido ao seu talento.