sexta-feira, 30 de abril de 2010

Indie Lisboa dia 8: Observatório curtas 1 + Au voleur

Antes de mais, olá Carolina. Bem vinda ao blog.

Hoje foi à minha terceira (e penso que última) sessão de curtas. Das três foi a que gostei menos, e - pontaria! - de todas as sessões a que fui foi a única que teve 2 turmas em visita de estudo. Os miudos devem ter ficado assustados com o cinema independente. Mas avancemos para os filmes.


Plastic Bag:

Tinha lido a descrição do filme e achei que deveria ser um filme chato. Muito me enganei. Não só é o melhor do conjunto, como é um filme bastante bom.

Chama-se Plastic Bag porque o artista principal é um saco de plástico castanho (que ou muito me engano ou não é o da foto, tsc tsc). Aparecem seres humanos, mas sempre secundarizados. Aqui o que interessa é seguir a biografia do tal saco de plástico, desde o seu "nascimento" (quando é usado pela primeira vez, num supermercado) até à sua morte e consequente subida ao Paraíso (quando, depois de deitado fora, chega ao Vórtice, algo que já tinha ouvido falar mas que nunca tinha visto antes...vejam o link, que é assustador).

Posta por palavras a história parece ser altamente secante, uma versão mais longa da famosa cena do American Beauty, mas a verdade é que se torna muito mais interessante que isso. É giro ver o mundo da perspectiva de um saco de plástico, que se apaixona pela sua criadora (a sua primeira utilizadora) e vai vivendo desilusão atrás de desilusão. (Acabei de admitir que um saco de plástico tem sentimentos? Acabei.)

É claro que o saco ter a voz do Werner Herzog (um realizador de que gosto imenso, como muitos de vós já sabem) me despertou ainda mais o interesse, mas independentemente disso é uma história com uma perspectiva filosófica interessante e uma mensagem ecológica explicitamente implícita. Nunca mais olho para um saco de plástico da mesma forma.


Phuket:

A personagem central deste filme é mesmo aquela região tailandesa, que conhecemos pelas praias e pela desgraça que foi o tsunami de 2004. Mas aqui, felizmente, só se tratam de assuntos mais positivos: seguimos Jin, uma actriz sul-coreana que revisita a zona onde apenas tinha estado com os pais na sua infância. Ela e o seu motorista vão falando de como tudo tinha mudado desde então e não nos aborrecem enquanto assistimos aos seus passeios, mas também não acontece nada de marcante ou que se possa chamar história.

Um filme sobre Phuket patrocinado pelo turismo de Phuket e por uma série de hotéis da região e que nem sequer consta na filmografia do realizador. Parece-me estranho e, tanto durante a exibição como agora, fiquei com a impressão que o que vi foi um spot publicitário de 30 minutos disfarçado de curta metragem.


The Day Was a Scorcher:


Uma curta puramente experimental, que obteve os primeiros "mas o que é que é isto, meu?" dos alunos que assistiam à sessão.

É que, realmente, tal como as duas primeiras curtas da sessão do Ben Rivers, este filme faz mais sentido num museu (ou num laboratório de cinema) do que numa sala, já que se traduz unicamente em fotografias que, através de um método de intercalação entre duas perspectivas diferentes, parecem ficar em 3d. No fundo é algo como isto, mas tem um problema grave...numa sala de cinema o constante pulsar da luz branca é um convite ao início de um ataque de epilepsia.

É um estudo de técnica cinematográfica puro. E nem sequer meteram som ao filme, para animar a malta.


One Future:
Foi o segundo filme consecutivo só com imagens paradas. Mas ao contrário do anterior este é interessante.

É verdade que a sucessão de fotografias quase parece um slideshow do Powerpoint, mas como está muito bem montado e a história que é narrada por cima das imagens é interessante (fala-nos de um mundo parecido com o 1984, do Orwell) a coisa não só se vê muito bem, como dá pena de durar apenas 7 minutos.


O estrangeiro:


Curta metragem do realizador português Ivo Ferreira (conhecido do grande público por ter sido preso no Dubai, aqui há uns anos e - menos - por realizar o filme Águas Mil, de que falei num post anterior), este O estrangeiro foi rodado em Macau e trata da procura da busca de um português que escrevia ao protagonista desde esse território, em meados da década de 90.

Filmado na Macau actual (tão diferente da Macau que era portuguesa até 1999), este filme é - parece-me - mais uma procura das memórias desse tempo e não tanto de uma pessoa real. Não conheço a biografia do autor, mas cheira-me que viveu em Macau e - como tantos outros que por lá passaram - ficou com uma grande paixão por uma cidade que agora já não existe.


A Letter to Uncle Boonme:

O segundo filme tailandês da secção, aqui não temos uma passeio bucólico por uma região balnear, mas sim memórias de um conflito filmado na aldeia de Nabua, na fronteira entre a Tailândia e o Laos.

Conhecida como a aldeia das viúvas, dado um massacre ocorrido por lá algures nos anos 60 (perpetrado pelo governo tailandês, num esforço anti-comunista...curioso, dada a situação actual do país), esta aldeia é aqui apresentada como totalmente vazia. Apenas vemos (e ouvimos) um grupo de soldados que lêem uma carta escrita ao tio Boonme, que não percebi bem quem era.

Na verdade, não percebi muito bem nenhuma parte do filme, desde o autor das cartas à razão pela qual aparece um "monkey ghost" (que tem direito a crédito e tudo!) no meio da selva. É um dos possíveis vencedores da Palma de Ouro de Cannes, este ano, mas parece-me demasiado poético para conseguir tal galardão.


e agora a longa do dia


Au voleur:


Filmado na fronteira franco-alemã, Au voleur é acima de tudo uma história de amor.

É verdade que essa palavra nunca é dita ao longo do filme. Se tivesse de descrever o protagonista (interpretado pelo Guillaume Depardieu, que tinha o nariz do pai, coitadinho) não poderia deixar de usar a palavra ladrão. Ladrão de objectos e de corações, porque se por um lado Bruno ganha a sua vida roubando tudo a que puder deitar mão, de relógios a carros, é durante uma noite de descanso num bar que rouba aquilo que mais releva para o filme, o coração de Isabelle (interpretada por Florence Loiret Caille, que já tinha visto - e gostado - em Parlez moi de la pluie), a quem - curiosamente - já tinha roubado uma pulseira.

Até então Isabelle aparentava ser uma professora-substituta de alemão acomodada com a sua vida errante e a sua solidão, mas o seu fascínio por Bruno leva-a a mudar de paradigma. Por uma série de coincidências azaradas, Bruno é procurado por um assalto que cometeu e Isabelle decide evadir-se com ele. Aprendem a viver juntos, e acaba por ser ela a salvar a vida do seu novo amor, literal e (na minha interpretação) metaforicamente.

É um filme que não vai ficar na minha memória por muito tempo, o que não é bom mas também não é necessariamente mau (o A Religiosa Portuguesa infelizmente vai). Está bem realizado (excelentes planos em contra-luz!) e tem duas interpretações muito bem conseguidas, mas se Bruno teve apelo suficiente para levar Isabelle consigo, a realizadora (Sarah Leonor) precisa de encontrar uma história mais marcante para me deixar rendido ao seu talento.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Indie Lisboa dia 7: Baara + Le jour où Dieu est parti en voyage

Baara:


Um blog de cinema que tem um post com uma crítica a um filme Maliano de 1978 começa a entrar por campos de cinema muito alternativo. (In)Felizmente mantenho a minha vertente pouco intelectual porque não consigo falar muito sobre o filme. Isto porquê? Porque estava quase a dormir.

Atenção. Eu estava (e estou) cheio de sono porque ontem não consegui dormir quase nada, não porque o filme é mau. Vejam a hora a que estou a escrever isto hoje e percebem o que estou a dizer.

Inserido na secção Herói Independente do Indie, este ano dedicado à secção Forum, da Berlinale, este que foi o primeiro filme produzido naquele país africano começa com um aviso "Qualquer semelhança de nomes ou eventos é pura coincidência". Ora, pareceu-me um aviso estranho e, como tal, fiquei com a impressão que deve haver uma qualquer semelhança e que não será coincidência nenhuma.

A história não é nada por aí além (ou então foi o meu sono que a tornou assim) mas o filme não deixa de ser bastante interessante, por mostrar uma realidade diferente, não só em termos geográficos (Mali, com as suas tradições tão específicas) como temporais (a luta de classes ocorrida nos primeiros momentos da industrialização do país). Um dia que volte a passar sou capaz de rever.

Tenho é de deixar um recado à organização: eu sei que a película é antiga mas deviam ter isso em conta e se não estava em condições não exibiam o filme...o som esteve em níveis quase inaudíveis e escusado será dizer que os problemas com a imagem que obrigaram à interrupção da sessão por duas vezes não deveriam ocorrer num festival que quer (e pode) estar entre os melhores.



Le jour où Dieu est parti en voyage:


Mesmo com o sono de que falei acima não desisti e vi mais um filme. Já sabem, por isso, que as críticas de hoje são um bocadinho menos esclarecidas. É que como em relação ao Baara, este Le jour où Dieu est parti en voyage sofreu do mesmo problema (só para mim, claro). É um filme interessante, que um dia gostarei de rever mais desperto.

Também passado em África, mas sendo uma co-produção franco-belga, este filme - cujo título não vou repetir por ser demasiado longo - mostra-nos o genocídio no Ruanda de uma perspectiva diferente daquela que os (excelentes) Hotel Rwanda e Shooting Dogs.

Enquanto que estes dois filmes mostram os eventos de uma perspectiva colectiva (Hotel Rwanda) ou de estrangeiros (Shooting Dogs) aqui temos a história de Jacqueline, uma mulher tutsi que consegue escapar à vaga inicial de assassínios e se vê obrigada a sobreviver nas mais duras condições.

Imaginam-se a ouvir mulheres crianças a ser abatidas a tiro e não poder emitir um som, sob pena de serem encontrados?
Imaginam-se a ver os vossos dois filhos mortos, e nem sequer vos deixarem lavar-lhes o sangue que os cobre? Nem sequer poder chorar, ou serão descobertos?
Imaginam-se a ver esses mesmos filhos a ser atirados para a rua pela mulher que ocupou a vossa casa? E a vê-los serem recolhidos por uma camioneta tal qual um saco do lixo?
Imaginam-se a preferir morrer que viver?

Jacqueline passa por tudo isso e tudo isso lhe deixa grandes marcas psicológicas. Não lhe retira o instinto de sobrevivência, nem o instinto de protector que a impele a ajudar um outro tutsi ferido, mas quase tudo o resto da sua humanidade desaparece. Não sei se esta é uma história real, mas mesmo que não seja é bem provável que muita gente tenha vivido desesperos semelhantes. É triste ver como a humanidade pode ser tão selvagem.

Como já referi, o filme é interessante. Não será tão bom com os outros dois que abordam esta temática e que já referi, mas há algo aqui que é extraordinário...a interpretação de Ruth Nirere no papel principal. Para uma actriz que teve aqui o seu primeiro papel em cinema consegue, quase sem palavras, transmitir-nos todo o desespero e pré-insanidade que passam por alguém que vive estas trágicas circunstâncias.

Indie Lisboa dia 6: Castro + A religosa portuguesa

Castro:


Se há coisa que aqueles que me conhecem sabem é que eu e o humor absurdo temos uma relação de grande proximidade. Não é uma relação exclusiva (por isso, meninas, não se abstenham de vir falar comigo e declarar a vossa paixão) mas estamos juntos e felizes há muito tempo.

Dito isto, há que dizer que me fartei de rir em Castro, o último filme do realizador argentino Alejo Moguillansky.

Inspirado livremente no texto "Murphy", de Samuel Beckett, em Castro temos dois conjuntos de personagens: os perseguidos (Castro e Célia, a sua namorada giríssima) e os perseguidores (Samuel, Acuña e Rebecca, a sua não menos sexy ex-mulher).

Castro é um diletante inveterado, sempre com esquemas para se ir safando ("ganarse la vida es lo mismo que desperdiciarla") e que procura não ceder à pressão da namorada para que arranje um emprego. Célia é, de longe, o personagem mais normal...pelo menos é a única pessoa que não dorme em armários, nem usa estranhos códigos envolvendo guarda-chuvas, e é - também de longe - a que está numa posição mais próxima da dos espectadores, sem perceber o que se está a passar.

Do outro lado da trama temos os perseguidores, que a dada altura já nem devem saber porque é que perseguem. São eles os responsáveis por uma das principais características do filme: o ritmo e o quase slapstick que o definem, dada a excelente coreografia orquestrada por Luciana Acuña. É preciso ver para perceber.

No final de contas, e a 5 dias do fim do festival, este Castro tem o título de A surpresa do Indie quase garantido (e se for ultrapassado é muito bom sinal) e é um dos filmes que mais gozo me deu ver nos últimos tempos.

Se puderem vão mesmo vê-lo. É reposto dia 29 (esta 5ª feira) às 21h45 no cinema Londres e se não gostarem obrigo-me a ver um filme daqueles com cães a falar e faço aqui a crítica. Sim, seria tortura mas estou assim tão confiante no filme.

(¡Felicitaciones Alejo, te busqué al final de la película para hablarmos, pero saliste demasiado rapido!)



A religiosa portuguesa:


Antes da exibição deste filme, e já que era a sua ante-estreia nacional, subiram ao palco o realizador, o produtor e a actriz principal. A actriz esteve calada, o realizador agradeceu ao Indie e a quem devia agradecer e o produtor resolveu lançar uma farpa tão comum no cinema português: criticou o ICA - Instituto do Cinema e do Audiovisual - por apoiar filmes "de qualidade duvidosa". Depois agradeceu ao mesmo ICA por ter apoiado financeiramente este filme.

Neste aspecto estou com o tal produtor: este filme não é de qualidade duvidosa. Aliás, tenho a certeza absoluta que este é o pior filme que já vi na vida. Eu sei que é um statement forte, mas é a mais pura das verdades.

Deve ter sido em meados da década de 90 a última vez que me tinha sentido assim numa sala de cinema. Na altura fui com o meu pai (de quem herdei a paixão pelo cinema) ao cinema King e vimos o Der Rosenkönig, do Werner Schroeter. Na altura era bastante mais jovem e ainda não me tinham passado pelos olhos tantas centenas de filmes, mas tanto eu como o meu pai nos sentimos totalmente gozados (não há outra palavra) pelo realizador.

Ontem, 27 de Abril de 2010, essa sensação voltou. E o recentemente falecido Werner poderá finalmente descansar em paz, sabendo que já não tem tão infame lugar na minha lista de realizadores. Agora, essa (des)honra é toda de Eugène Green e aconselho-o a esperar sentado pela saída do lugar. É se demorou para aí uns 15 anos para o outro ser deposto, para ultrapassar este filme vai ser preciso muito, mas muito esforço.

Este filme é de um pretensiosismo atroz, disfarçado de formalismo estético. Nada é espontâneo, nada é real e nada é - to put it simply - bom. É uma obra "só para intelectuais" (como um personagem lhe chama), os quais honestamente gostaria de conhecer...é que analisar a mente de quem ache que esta é uma boa forma de gastar dinheiros públicos deve ser o equivalente a estar na pele de Hiram Bingham quando descobriu Machu Picchu...a sensação de explorar um mundo novo.

Não seria possível ter os actores a dizer as deixas como se fossem seres humanos e não autómatos que olham fixamente para a câmara enquanto dizem palavra a palavra? Não seria possível ter - uma vez que fosse - duas pessoas a falar ao mesmo tempo? Sabem, como as pessoas fazem? Não seria possível dar ao filme um ritmo que não fizesse com que um diálogo do Porto da Minha Infância, do mal-amado Manoel de Oliveira, parecesse um filme de acção vertiginosa? Não seria possível tanta coisa que simplesmente nem sequer passou pela cabeça dos cineastas, ou se calhar passou mas resolveram emular o César Monteiro e o público que se foda? Será demais pedir expressividade num filme?

Não consigo, nem quero, dizer muito mais. Apenas que é realmente um desperdício de dinheiro dos contribuintes (sim, não se esqueçam, leitores portugueses, que todos nós contribuímos para que isto fosse feito) e de tempo dos espectadores que como eu caíram na esparrela o irem exibir comercialmente este filme e não darem oportunidades a realizadores que fazem obras que se conseguem ver (já não peço mais), como qualquer outro dos que já aqui analisei.

E digo mais uma coisa. Estou contente comigo mesmo, porque precisei de fazer um grande esforço para não usar a palavra merda durante esta crítica. E até agora tinha conseguido.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Indie Lisboa dia 5: The Cat, the Reverend and the Slave + La mujer sin piano + Cinema emergente curtas 1

The Cat, the Reverend and the Slave:

Razão #1 pela qual quis ir ver este documentário: o Second Life.

Desde há coisa de dois anos que, nunca percebi bem porquê, a televisão portuguesa dá imensa atenção a este mundo virtual onde supostamente podemos viver a vida com que sempre sonhámos. A primeira vez que vi uma reportagem sobre o assunto resolvi ir espreitar aquilo e tão depressa me inscrevi naquilo como me desliguei de vez. Bastaram poucos minutos para ver que aquilo era um hype criado pelos media em que muita gente caiu.

Passados cerca de dois anos, e depois de ver este documentário, continuo a achar a mesma coisa.

Os entrevistados são pessoas reais que dedicam muitas horas do seu tempo a viver naquele mundo, que para eles é real. Tal como o título indica, os utilizadores do Second Life que conhecemos mais a fundo são um que tem um avatar de gato, que se sente um gato (é, por isso, um furry) e que anda com orelhas e cauda de gato na rua; um pastor evangelista que tem uma igreja enorme no Second Life, onde diz que Deus também está (pergunto-me qual será o avatar de Deus) e um homem que gosta de se vestir de mulher e que no Second Life é escravo de um dominador e ao mesmo tempo dominadora de três escravas (uma confusão, portanto).

Todos os três se revelam pessoas solitárias e que usam o SL (como lhe chamam) para contactar com mais gente. Mas o que mais me espantou foi mesmo um grupo de mães suburbanas, com ar saudável e até atraente (o que é estranho, dado o estereótipo de utilizadores de tais programas) que caem na mesma esparrela (ninguém me convence do contrário!) e decidem fazer uma das coisas mais parvas de que há memória...plantar árvores no Second Life, para alertar os utilizadores para as questões ambientais. Plantem árvores reais, senhoras!

Razão #2 pela qual quis ir ver este documentário: Goreanos

Aqui há uns meses, um dos artigos da primeira página da Wikipedia era sobre este estilo de vida inspirado nuns livros de que nunca tinha ouvido falar antes. Ao que percebi, o pessoal que segue isto à letra vive uma relação de sado-maso permanente, em que em vez de ter um marido ou mulher tem um dono ou escravo.

Gajo curioso que sou, e porque o tema me interessa (demasiado Marilyn Manson quando era jovem?) fiquei atento quando reencontrei este termo na descrição do filme.

Infelizmente quase não se fala do assunto, por isso também não me vou alongar mais. Fiquei na mesma, ou aliás, fiquei com a ideia que aquilo era mais uma brincadeira que um compromisso real como pensava antes que era.

Razões pelas quais não gostei lá muito do documentário:

Mais uma vez é um daqueles documentários cuja destreza na realização é praticamente nula. Não digo que fizesse melhor, e de certeza que os realizadores fizeram o melhor que conseguiram com os meios que conseguiram, mas este filme sofre do mesmo problema que o Um lugar ao Sol.

Para além disso, nos últimos 15 minutos debruçam-se sobre um outro mundo alternativo, desta vez real, que é criado todos os anos nos Estados Unidos, o festival Burning Man. Mais uma vez, é um tema que me interessa bastante (tive colegas de San Francisco que foram e me disseram que aquilo é mesmo outra onda) mas neste contexto ficou estranhíssimo. Deu a ideia que os realizadores acharam que o documentário estava curto e meteram por lá mais umas imagens sobre aquilo, por ser apenas moderadamente próximo do tema que abordaram no resto do filme.


La mujer sin piano:

Estou em risco de me tornar mais um crítico "normal"...pela 2ª vez em 2 dias vejo-me obrigado a fazer referências a filmes do Luis Buñuel. Foi ontem com o Origin of the Species e hoje por causa deste La mujer sin piano.

A proximidade vai muito para além da origem geográfica do filme. Não sei se terei sido só eu, mas enquanto olhava para a Rosa de Carmen Machi recordava-me da Sevérine, interpretada pela Catherine Deneuve em Belle de Jour. Ambas as mulheres têm vidas marcadas pela monotonia, e ambas procuram escapar a esse tédio através de uma mudança radical.

Mas enquanto que Sevérine faz escapadelas diurnas, Rosa tem uma só escapadela durante a noite que vivemos neste filme. E é uma escapadela bem menos marota, digamos.

Rosa é uma dona de casa quarentona e desesperada que também é depiladora. Mas quando a conhecemos melhor percebemos que os seus sonhos são mais altos que a sua realidade. Rosa pode não ter piano mas é uma excelente pianista, está cansada da vida monótona que tem com o marido e decide fugir. Nunca sabemos como vai ficar a sua vida no futuro, mas vê-se que aquela noite foi importantíssima para ela...descobriu novas gentes, novos mundos e descobriu uma nova vertente da sua personalidade.

Já eu descobri um novo realizador espanhol a seguir atentamente. Este La mujer sin piano é uma excelente lição sobre como contar uma história aparentemente simples de uma forma profunda e surpreendentemente tocante.



Passemos agora às curtas do dia, vistas na sessão Cinema emergente curtas 1:

The Armoire:


Um filme que nos é "vendido" como sendo um thriller (uma criança desaparece! é encontrada morta!) mas que é comédia e musical em (quase) igual medida. Uma boa surpresa com uma fantástica palete de cores.


Licht:


Seguimos uma senhora idosa que aparenta ter alzheimer ou assim. A história não é nada de especial, mas gostei imenso da fotografia, que poderia descrever dizendo que provavelmente seria assim que uma câmara da Polaroid captaria imagens em movimento.


Os olhos do farol:

(não encontrei imagem, mas vejam o trailer aqui)

Foi a curta que mais me puxou para esta sessão. É uma produção portuguesa sem qualquer diálogo (boa estratégia de internacionalização!) e que conjuga perfeitamente uma animação fabulosa com uma banda sonora muito bem conseguida.

É essa música, aliada à muita expressividade dos bonecos animados que nos faz viver as aventuras daquela filha de um faroleiro taciturno. Sem ser preciso uma única palavra. Muito, muito boa.


Muzica in sange:


O título não está mal escrito. É a expressão romena para a frase que estavam a pensar: música no sangue.

Infelizmente confirmei o que já temia...tenho algum problema com cinema romeno. Tirando o 4 luni, 3 saptamâni si 2 zile - que é excelente - acho que nunca gostei de nenhum. Este é outro exemplo...não é que seja mau, mas não me conta nada de especial nem me faz sentir nada.


Watts and Volts:


Outra boa surpresa desta sessão. Em Watts and Volts temos a história de um casal do bairro de Watts, em Los Angeles. Ele tem pose de gangster, mas está mais interessado em poesia e em brahmacharya. Ela é quem realmente controla a relação...ele grita com ela, eles discutem, mas é ela quem acaba sempre por levar a sua avante.

É uma história divertida e até romântica. Tem uma fotografia muito boa, mas o que se destaca acima de tudo é a banda sonora, tão boa que nem parece de uma curta.


Carne:

(mais uma vez não encontro imagem adequada. Fica o trailer, que não faz justiça ao filme)

Todas as edições do Indie têm uma curta completamente alucinada. O ano passado foi o Visionary Iraq, este ano já está encontrada, é novamente portuguesa e chama-se Carne.

A melhor forma que encontro para o descrever é Carmelitas Descalças meets Reservoir Dogs. Isso mesmo, tem uma freira, tem Jesus à chapada à freira por ser uma maluca, tem um diálogo entre os dois composto apenas por citações da Bíblia (que deixaria o Tarantino orgulhoso), tem uma cena de engate hilariante, tem referências ao Magnolia e tem, sobretudo, uma boa disposição que muita falta faz ao cinema português.

Para mim a melhor curta até agora! Só espero é que o humor tenha sido intencional.