sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Doc Lisboa Dia 1


Chegou Outubro e voltou o Doc Lisboa, o meu segundo festival de cinema favorito. Devo dizer que em tempos já esteve empatado em primeiro lugar com o Indie, mas já apanhei tantas secas com documentários chineses que o meti em segundo lugar, mas muito muito próximo.

Ao longo destes dias de festival (que decorre até dia 24) tentarei actualizar o blog da mesma forma que fiz no Indie, SMR apresentadas no próprio dia em que vejo o filme, para que quem queira ver o filme ainda o possa fazer em eventuais reposições. Aviso já é que não terei o mesmo ritmo (40 filmes em 11 dias é imbatível!) porque agora tenho bastante menos tempo. Mesmo assim serei cliente assíduo.

Passemos, então ao primeiro filme que vi no Doc Lisboa 2010. Vamos a isso? Vamos!


Oil Rocks:


Existem três tipos de documentários que merecem ser vistos: os que têm um tema interessante e não estão lá muito bem feitos, os que são muito bem feitos e com isso compensam o tema menos interessante e, finalmente, os que têm um tema interessante e estão muito bem feitos. Neste caso diria que estamos perante um filme da primeira categoria.

Não que tenha alguma crítica em concreto em relação ao modo como o filme foi realizado (tirando o não ter respondido a uma questão que é mencionada e merecia ser explorada), mas a sua curta duração e o tom marcadamente neutro, consequência natural da profissão do realizador - jornalista, fazem-me pensar que este filme seria uma excelente reportagem num programa como o 60 minutes.

Mas o que realmente interessa aqui é o tema, e o tema de Oil Rocks, que tem ainda o sub-título de City above the Sea, é a plataforma petrolífera de Neft Daşları no Mar Cáspio, Azerbeijão, nada mais nada menos que a maior plataforma petrolífera do mundo, em área.

O título não é um exagero, Neft Daşları é literalmente uma cidade...ao contrário das plataformas petrolíferas habituais aqui encontramos centenas de estruturas ligadas por cerca de 300km de pontes, encontramos vários prédios de vários andares (onde os trabalhadores vivem), encontramos campos de futebol, encontramos comboios e muitas outras coisas que à partida associaríamos mais a cidades em terra.

Esta plataforma petrolífera foi inaugurada em 1949 (pela União Soviética, portanto) e desde então tem estado permanentemente habitada, a 6 horas de barco da costa, por uma série de pessoas que - mesmo tendo a oportunidade de ir a terra - vivem numa espécie de redoma de vidro e realmente pensam que aquilo é o melhor do mundo, a concretização do ideal da "cidade luminosa" comunista.

Claro que ao editar este filme o realizador (Marc Wolfensberger, que só obteve autorização para filmar durante 12 dias e depois teve de voltar para terra) escolheu mostrar-nos aqueles habitantes que têm histórias mais interessantes, mas não me parece que seja só Alexandra (tão feliz com os seus óculos de fundo de garrafa e a "fantástica" casa que lhe providenciaram - que, acabaremos por ver, é um único quarto sem o mínimo de condições) a viver naquela ilusão.

Talvez os trabalhadores mais jovens não se sintam assim, mas o que transparece deste filme é que os cerca de 25oo habitantes de Neft Daşları estão ainda muito imbuídos da ideologia comunista que promovia esta plataforma como a 8ª maravilha do mundo.

É essa a realidade que mais interessa, de facto. Como o realizador explicou na sessão pós-exibição, poderia ter feito um "Greenpeace movie" em relação aos - muitíssimos - problemas ambientais que esta plataforma tem vindo a ter, mas ao focar-se antes nas pessoas Marc Wolfensberger mostrou a(s) cara(s) de uma indústria e de um país em que o indivíduo é facilmente esmagado pelo lucro ou pela propaganda, respectivamente.



Vai voltar a passar, ambas as vezes no cinema Londres, dia 17 (23h) e 23 (16h30).

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Des hommes et des dieux

Des hommes et des dieux:


Parece-me que no mundo existirão dois tipos de ateus, aqueles que - como eu -sentirão uma uma certa admiração por aqueles que detêm a capacidade de crer e os outros, talvez mais mediáticos, que defendem um raciocínio mais combativo ao conceito de uma entidade divina.

Publico este parágrafo inicial, aparentemente tão pouco apropriado a um blog de cinema, porque este filme, que vi ontem na Festa do Cinema Francês, me fez admirar ainda mais a grande dignidade com que aqueles frades agiram mas ao mesmo tempo acreditar ainda mais convictamente que não acredito nem acreditarei. Sei que acreditar é bom, torna certos momentos da vida bem mais fáceis de tolerar, mas simplesmente sou demasiado racional para isso.

Des hommes et des dieux trata, como disse, acima de tudo da grande dignidade e coragem dos 8 frades trapistas franceses que em 1996 viviam no mosteiro de Thibirine (não leiam o link antes de ver o filme se não querem ter um grande SPOILER), na Argélia. Sim, estes homens existiram e esta é a sua história.

Pouco sei sobre a guerra civil da Argélia, que assolou este país entre 1992 e 2002, mas pelo que nos é dado a entender no filme as duas facções envolvidas foram o Governo (corrupto, mas que manteve apesar de tudo alguma estabilidade no período pós-independência) e grupos extremistas de marcada influência islâmica.

Os frades, que nos são apresentados como estando naquela região do Atlas argelino desde tempos imemoriais, vivem inicialmente numa comunidade pacífica com os habitantes da região que os acolheu, sendo eles, por exemplo, que dão apoio médico à população local. É este convívio pacífico (até amistoso) o que se retrata durante a maior parte do tempo, num filme que é mais profundo que isso.

É a partir do momento em que os frades começam a ser importunados pelos guerrilheiros que, a meu ver, o filme mostra a sua verdadeira intenção, a de nos pôr a reflectir tanto sobre a tolerância religiosa (numa época em que ela é bem precisa) como sobre a forma como aqueles que decidem dedicar a sua vida à contemplação e reflexão espiritual sobrevivem, pensam e se sentem.

É aqui que este filme se mostra superior. Os frades são apresentados como oito homens de grande integridade, que aceitam o seu destino de serem árvores para que os pássaros possam pousar (metáfora linda!) mesmo à custa de sacrificios maiores do que aqueles que julgariam ter de enfrentar. Ao contrário de uma perspectiva mais hollywoodesca que poderia ter sido dada a esta história, nenhum deles é um bastião da verdade ou da fé inabalável. Todos eles sofrem e têm dúvidas, aceitando o seu papel em sinal mais de fidelidade do que sacrifício.

E muito admirei eu estes homens ao longo do filme (e admiro ainda agora, sabendo que a história é real). É preciso muita coragem, muita integridade mesmo, para não desistir e morrer de pé, se for preciso. Diz-nos Luc, um deles (tão bem interpretado por Michael Lonsdale que nem parece estar a ser...interpretado), "um homem livre não tem medo de morrer". É aqui que acho que ter fé facilita, eu não sei se teria a mesma presença de espirito para continuar, não ceder às armas, mas gosto de pensar que em situação semelhante me comportaria da mesma forma. Dizem as letras de uma das minhas músicas favoritas "I'd rather die on my feet, than live on my knees".

Espero porém nunca ter de tomar essa decisão, é sinal de que vivi sempre em paz e segurança, o desejo da maioria da população mundial e uma das razões que me levam a estar convicto da minha condição de ateu. Se deus é amor ou bondade, se o deus cristão e muçulmano são conceptualmente os mesmos, então porquê tanto ódio e tanto sofrimento em nome da religião?

Com uma execução técnica exemplar (aquela "última ceia" é das cenas que mais me transmitiu uma grande emoção de uma forma tão contida) que torna um filme longo e meditativo numa experiência que nunca é aborrecida, o realizador Xavier Beauvois fez-me acreditar que faço mal em nunca ter visto nenhum outro dos seus filmes e mostra-nos aqui uma obra que passa rapidamente para a shortlist dos dois ou três melhores filmes que vi este ano.

Excelente!




P.S.: Nota para a organização, aqueles estalidos do sistema de som tornaram-se bastante irritantes. Percebo que não podiam fazer nada durante o filme, mas poderiam ter precavido isso antes da sessão, digo eu. Os espectadores que esgotaram a sala 1 do São Jorge mereciam isso.
P.P.S.: Nota para as duas pessoas que vieram falar comigo no final da sessão. Percebo que a luz do telemóvel vos incomode, mas sinceramente acho que demonstrei todo o cuidado em esconder ao máximo a fonte de luz enquanto escrevia as minhas notas para esta SMR. E já agora fica a pergunta: como é que tirariam notas às escuras? Eu já tentei com papel e caneta mas no final das sessões acabo sempre por não perceber o que escrevi e por isso tenho optado pelo telemóvel.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Embargo

Embargo:


"Todos nós sabemos que cada dia que nasce é o primeiro dia para uns, será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais"
(José Saramago)

É com esta frase de José Saramago que o filme Embargo começa, sendo que - curiosamente - nele se retrata um dia que não é o primeiro nem o último do seu protagonista, Nuno, mas que também não será - de todo - um dia mais; é, antes pelo contrário, o dia em que fica como que soldado ao seu carro e dele não se consegue separar.

Sim, leram bem: o protagonista e o seu carro tornam-se uma só entidade.

Apesar de tudo não se preocupem, não estamos perante a versão portuguesa dos Transformers (se bem que em teoria isso daria um filme genial) nem sequer do Herbie. Embargo é um filme baseado, ou mais precisamente livremente adaptado, de um conto da autoria do senhor da citação ali de cima.

Nesse conto, tal como aqui, o protagonista torna-se vítima da sua própria dependência automóvel já que - ao que sei, porque não li o conto original - o carro ganha vida e "absorve-o". No conto essa situação bizarra tem uma mensagem: é frequentemente interpretada como uma alegoria à crescente dependência do Homem em relação às máquinas e - já bem menos alegoricamente - um aviso à navegação quanto ao impacto que uma eventual escassez de petróleo, o alimento das máquinas, poderá ter no nosso quotidiano.

Fui ver o filme dado o autor da obra original mas, para muita surpresa minha, achei que o seu ponto mais fraco é precisamente esta premissa, já que nunca nos é dada qualquer informação sobre como é que Nuno ficou preso, como (SPOILER) se soltou (FIM DE SPOILER) ou o porquê de ter tanto medo de explicar o que se lhe passou e pedir ajuda (nas minhas notas tenho escrito, com vários pontos de exclamação, "rapaz, porque é que não vais aos bombeiros?").

Esta premissa não funciona mas quase tudo o resto está lá...o actor que faz de Nuno (Filipe Costa) interpreta-o da melhor forma possível, como um pintas que vende bifanas enquanto não vende a patente da sua grande invenção, um scanner de pés (!), e mesmo os restantes personagens, inexistentes na obra original, que só nos apresenta o carro e seu condutor, estão criados de forma a transparecer um humor absurdo mas muito acertado e (infelizmente) atípico no cinema português. (De referir o personagem do José Raposo, a fazer lembrar um misto de Luis Filipe Vieira e Manuel Damásio e que é hilariante)

O mérito vai para os argumentistas, que tiveram a feliz ideia de expandir o universo criado pelo Saramago, mas sobretudo deverá ser entregue ao realizador (António Ferreira) que depois do muito elogiado Esquece tudo o que te disse consegue provar que o sucesso da sua primeira longa não foi um golpe de sorte e, na minha modesta opinião, se mostra como uma excelente alternativa à típica divisão do cinema português entre o "intelectualóide" e o "Soraia Chaves nua".

Não o coloco na minha famosa lista de filmes portugueses de que gosto mesmo pelo que disse sobre o elemento central do argumento e por ser um bocado longo demais, mas acreditem que se tivesse uma lista de "filmes portugueses que vi, gostei, recomendo e não me importaria de ver de novo" seria lá que este interessante filme passaria o resto dos seus dias.

sábado, 2 de outubro de 2010

Four Lions

Four Lions:


Se vos perguntassem qual o tema mais difícil para se fazer uma comédia qual respondiam?

Eu responderia o Holocausto, e todos sabemos que o Roberto Benigni conseguiu, com A vida é bela, a dificílima tarefa de nos fazer rir (e chorar) com o dia a dia de um campo de concentração. A minha segunda opção seria provavelmente o terrorismo islâmico e aqui, infelizmente, este Four Lions não consegue ser tão bom como a obra-prima do Benigni, o que - digamos - também era muito complicado.

Mas é assim. Four Lions mostra-nos o que se passa com um grupo de ingleses (de origem paquistanesa, e não só) que por razões diversas decidem que o que devem fazer com a sua vida é seguir o caminho da jihad e (tentar) explodir-se algures em Inglaterra.

Como já vos disse, o filme é uma comédia e tem uma coisa boa,mostra-nos algo que não duvido que seja verdade: os terroristas não são - na maior parte das vezes - os gajos super intensos que vemos nos filmes que de tempos a tempos surgem na CNN. Os terroristas, meus amigos, são maioritariamente gajos com demasiado tempo livre.

E se os terroristas reais são assim mesmo, espero que também sejam tão estúpidos como Waj, Omar, Faisal e Barry, dos quais apenas um aparenta ter alguma ideia por detrás da vontade de se martirizar enquanto que os outros estão lá - acredito eu - nem sabem bem porquê. E aqui, ao contrário do que disse há uns posts atrás, a estupidez até é uma vantagem, ao dar ao filme um tom totalmente neutro no que toca a um tema que poderia dar azo a muitas polémicas.

Sim, porque não duvidem que se se fizesse um filme sério sobre grupos terroristas organizados no interior do Reino Unido, que abordasse precisamente as mesmas coisas mas abordando-o com outro prisma, o filme não passaria tão despercebido. É que durante o filme fala-se de coisas bastante importantes até, as razões que levam a que jovens ingleses como tantos outros pensem que o martírio é uma coisa interessante, mas quando temos diálogos como aquele em que Barry (esse nome tão perfeito, por ser a perfeita antítese de um nome de terrorista) tenta explicar a sua teoria que o melhor local para bombardear é uma mesquita a coisa nunca pode ser levada muito a sério e, ouso dizer, é isso o ponto forte do filme.

É que no fundo aqui conseguiu-se um feito difícil: por um lado o filme nunca assustará os ocidentais que o vejam (não criará jamais um clima de medo em relação a hipotéticos grupos como este que existam na realidade) e por outro parece-me que nunca haverá ameaças de morte contra o realizador (Christopher Morris) porque, pura e simplesmente, os hipotéticos grupos semelhantes acabarão por pensar "que bando de idiotas" e nunca se sentirão ofendidos.

Com o mérito de fazer a melhor piada de sempre sobre uma questão que sempre quis colocar a uma pessoa profundamente religiosa ("Era o plano de Deus? Porque é que Deus queria que ele se explodisse com uma ovelha?") Four Lions é, portanto, um filme que por vezes nos faz rir com o terrorismo mas que apesar de tudo em momento algum me convenceu que justifica o grande hype que teve no Reino Unido.