quinta-feira, 31 de março de 2011

Donkey Punch

Donkey Punch:



Numa lógica de ir dando algum avanço à minha lista de "filmes-que-queria-ver-mas-ainda-não-tinha-visto-mas-vejo-agora-porque-a-época-cinematográfica-pós-prémios-é-uma-porcaria" resolvi dar uma vista de olhos a um filme inglês chamado Donkey Punch. Não estava à espera de uma obra prima, confesso, mas o resumo que tinha lido na Empire tinha-me parecido minimamente interessante e talvez a coisa não fosse assim tão má.

Mas é! É muito, muito má! Meus amigos, Donkey Punch é um péssimo filme e a seguirem um conselho meu sigam este: não percam o vosso tempo com isto!

A história poderia ter algum potencial, sobretudo para aqueles que sabem como se comportam os ingleses nas suas férias no Algarve/Sul de Espanha: 3 amigas inglesas (do mais chunga que há! Tipo a protagonista de Fish Tank mas em mau e representadas por más actrizes que nem me vou dar ao trabalho de nomear) decidem ir passar uns dias a Mallorca para ajudar uma delas a esquecer o fim de um namoro. Por lá andam, a embebedar-se de bar em bar até que encontram 3 rapazes que - claro! - são tripulantes de um barco todo XPTO. Eles lá as convencem a ir para alto-mar beber mais uns copos, eles lá as convencem a enrolarem-se com eles e uma delas acaba morta (como? com o chamado Donkey Punch, que não serve propósito nenhum senão dar ao filme o seu título e uma certa "novidade").

Donkey Punch é um thriller, depois dessa primeira morte as coisas derrapam e, digamos assim, a primeira morta não será a única. O facto de estarem todos em alto mar (sim, tem questões de Direito Internacional Público e tudo!) e estarem basicamente todos contra todos num espaço tão reduzido poderiam dar-lhe alguns pontos de originalidade. Mas, como eu costumo dizer, há sempre um mas.

Neste caso o mas é que Donkey Punch é um thriller, mas um thriller que se esqueceu de provocar quaisquer emoções (thrills) a quem o vê...os actores são todos péssimos, sem excepção; as miúdas nem em bikini se safam; as mortes são disparatadas e toda aquela situação é muito, mas muito pouco verosímil, mesmo dentro de um género que normalmente abusa do facto de pôr pessoas a fazer coisas completamente irracionais. E nem sequer vou falar no facto de não conseguirmos ter qualquer empatia em relação a eles...quando num filme deste género queremos é que haja um acidente qualquer em que TODOS morram a coisa não está a correr pelo melhor.

Numa altura em que tanta gente se opõe à decisão do Governo britânico em acabar com o UK Film Council (responsável por filmes como o Happy-Go-Lucky, o Man on Wire ou o já referido Fish Tank) este filme, também ele financiado por este fundo, facilita os argumentos daqueles que defendem a sua extinção. É um puro desperdício de dinheiro em algo que não contribui em nada para a cultura mundial...





... tirando o facto de me ter ensinado o que é um Donkey Punch. (Para verem o nível da coisa, o gif animado nesse link é melhor que o filme)

terça-feira, 22 de março de 2011

Blue Valentine

Blue Valentine:

Quando começamos uma relação amorosa tudo o que o outro (ou outra) faz é “tão queriiiiiiiiiido” ou “amorooooooooso” ou seja lá o que for. Infelizmente, é frequente (se bem que não obrigatório) que essas mesmas coisas se tornem, com o passar do tempo, muito irritantes ou mesmo fontes para o conflito no seio da relação.

É isso que se passa entre Dean e Cindy, protagonistas de Blue Valentine, uma das sensações indie da última temporada de prémios e uma típica história de (des)amor indie que não é má mas também não é boa.

O problema do filme não é falta de qualidade de realização (embora o quase estreante Derek Cianfrance pudesse ter feito melhor) e muito menos das actuações, já que tanto o Ryan Gosling como a Michelle Williams vão bastante bem nos seus papéis, sobretudo durante o cortejar inicial. O que a meu ver mais afasta este filme da grandeza são as razões dadas para a autodestruição daquele casal.

Deixem-me explicar: a relação entre ambos é-nos contada por via de flashbacks e flashforwards que oram nos mostram Cindy a apaixonar-se pela despreocupação e atitude leviana de Dean ora nos mostram esse seu carácter a destruir uma relação que, se no início parecia duradoura, está prestes a descarrilar.

Um bom exemplo desta involução são os seguintes diálogos entre os dois:

Dean: In my experience, the prettier a girl is, the more nuts she is, which makes you insane. Cindy:I like how you can compliment and insult somebody at the same time, in equal measure.

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Dean: You know, it’s not just us, we got a little girl we gotta think about. Cindy: I know, I am thinking about her. I can’t do this anymore. Dean: Baby, you’re just thinking about yourself. What about Frankie? You want her to grow up in a broken home? Is that what you want? (…) Cindy: I don’t want her to grow up in a home where her parents treat each other like this.

Acho que ambos são exemplificativos de que algo correu mal. No primeiro Cindy fica contente com o estranho elogio de Dean, no segundo Dean esforça-se para manter a sua família unida mas Cindy já não aguenta mais.

E pronto...é aqui que começo a discordar do filme. Percebo que Cindy sinta o seu futuro limitado pela pouca ambição de Dean (Cindy queria ser médica e é enfermeira, Dean queria curtir e agora trabalha na construção civil). As diferenças de ambição de um casal podem ser um osso difícil de roer e um desafio grande à sua manutenção mas acima de tudo o que me parece é que Cindy está aborrecida com a vida que tem.

Não que isso não seja razão mais que suficiente. Costuma dizer-se que it takes two to tango e eu acredito piamente nessa premissa. Agora, aquilo em que o filme falha é no tentar dramatizar excessivamente algo que nasce sobretudo do tédio e da repetição. É claro que isso não daria um filme tão interessante, mas seria decerto mais realista e – sem dúvida – um excelente argumento para um mau filme português.

Se estão desiludidos com o vosso companheiro (ou companheira) é provável que venham a adorar a segunda parte do filme e usá-lo como fundamento para antecipar o fim da vossa relação; se estão agora a apaixonar-se vão adorar a primeira parte do filme e pensar que aquilo nunca vos vai acontecer. Finalmente, se estiverem – como eu estou – numa fase de amor sereno e consolidado vão ver o filme sem se ligarem a ele emocionalmente e – como tal – é provável que acabem a achar que podia ser melhor.



P.S.: Escusado será dizer que a Frankie de que falam no diálogo é a filha de ambos, uma miúda com uns 5 anos que consegue trazer as ultimas réstias de esperança àquele casal. A actriz que a interpreta, Faith Wladyka, é talvez a surpresa mais positiva do filme, sendo para este filme o que a Abigail Breslin foi para o Little Miss Sunshine mas com menos tempo para brilhar.

domingo, 20 de março de 2011

Panique au village

Panique au village:



Já tive oportunidade de o dizer aqui antes, mas desde há mais ou menos 10 anos que sigo um estilo de vida chamado straight edge, um estilo de vida que - resumindo muito as coisas - consiste em nos mantermos puros de corpo e mente, nomeadamente sem vícios. Isto, claro, leva a que não beba, não fume e não me drogue.

Pois hoje, meus amigos, não sei se ainda serei straight, não depois de ter visto Panique au village, o mais próximo que já estive de uma trip de LSD e sem dúvida a melhor experiência alucinogénea que conseguirão ter com apenas 4 €. Este é um filme em que a coisa mais normal é um cavalo com o um boné que toca música de Mozart a conduzir um carro tipo lowrider., um filme cuja história não consigo descrever por palavras próprias por isso faço uma tradução livre do que está no IMDB:

Brinquedos de plástico como o Cowboy, o Índio e o Cavalo também têm problemas. O plano do Cowboy e do Índio para surpreender o Cavalo no seu aniversário com um barbeque de tijolo corre mal e acabam por lhe destruir a casa. A partir daí começam as aventuras surreais que os levam ao centro da terra, a caminhar pela tundra gelada e a descobrir um mundo sub-aquático paralelo onde vivem criaturas desonestas e com cornos. Com o pânico a ser uma constante nesta aldeia de brincar será que Cavalo alguma vez conseguirá estar a sós com a sua namorada?

Parece-vos esquisito? É mesmo! É mais esquisito do que este resumo deixa antecipar...o resumo não fala do Agricultor, do Burro que toca bateria, do Pai Natal equino/sub-aquático nem das vacas que servem como projécteis e sim, todos eles têm o seu papel em Panique au Village.

Juro que há muito tempo que não saía de uma sessão de cinema com o cérebro tão feito em papa, tamanha é a loucura do filme. Panique au village é deliciosamente idiota e não nos dá 30 segundos de descanso: está sempre algo a explodir, alguém a gritar aos altos berros ou alguma arma a ser disparada (seja ela uma espingarda ou um pinguim mecânico, claro!).

No final de contas o que fica é um filme diferente de tudo o resto, talvez o filme mais original dos últimos anos (apesar de ter alguns pontos de contacto com uma série de televisão, o Robot Chicken) e uma animação que, ao contrário dos pais dos 15 putos de 9 anos que estavam comigo na sala devem ter achado, não é para crianças mas sim para adultos que curtiam voltar a brincar com os seus brinquedos de plástico.

Acho que o seguinte diálogo é ilustrativo do que acabei de dizer.

Miudo de 9 anos #1, no final do filme: "Percebeste?"
Miudo de 9 anos #2: "Não"

Está tudo dito.

P.S.: Esta pequena maravilha da cinematografia belga está a passar no cinema em Lisboa. Aos Domingos, às 16h no novo centro cultural de Lisboa (e um dos sítios mais cool da cidade, onde de certeza que vou voltar várias vezes), o Teatro do Bairro. Na próxima semana quero-vos lá!

domingo, 13 de março de 2011

Undercity

Undercity:



Undercity é um misto entre documentário e filme caseiro, em formato de curta metragem, que se propõe a mostrar-nos uma perspectiva nova de algo que todos nós conhecemos: a cidade de Nova Iorque.

A proposta de Andrew Wonder (o realizador) e Steve Duncan (o senhor da foto acima, e o nosso guia de viagem, por assim dizer) é mostrar-nos a Nova Iorque desconhecida mesmo daqueles que por lá vivem. Aqui não vão ver a Estátua da Liberdade, nem Times Square ou qualquer outro dos highlights turísticos daquela que muitos consideram a capital do mundo. Em Undercity exploramos os seus desertos.

Desertos? Perguntam os meus leitores. Desertos não no sentido geográfico da coisa mas sim no sentido em que visitamos locais em que muito poucos, quase nenhuns, já passaram: estações de metro abandonadas, esgotos bicentenários, um túnel que se em tempos serviu para o transporte ferroviário agora é um abrigo para aqueles que não o encontram em qualquer lado e, finalmente, as torres de uma ponte muito menos visitada que a vizinha.

Tenho a sorte de já ter visitado Nova Iorque várias vezes e nunca tinha ouvido falar destes locais, tenho amigos que lá vivem e aposto que também não os conhecem. O que esta dupla de exploradores urbanos conseguem fazer com este filme é dar-nos (ou pelo menos dar-me a mim) vontade de conhecer um pouco mais e uns quantos mais destes desertos urbanos. Talvez em Lisboa, a Lisboa que penso conhecer tão bem, também existam alguns, não?

Podem (e devem!) ver o filme completo aqui. Mesmo quem não conheça NY e não faça planos de o conhecer vai passar um bom bocado, sobretudo pelo sentido de aventura e perigo constantes ao longo dos 28 minutos de duração. Garantido!

Buried

Buried:



Qual será a pior forma de morrer? Uns dizem que queimado, outros que afogado, outros ainda dirão que será num acidente de avião. Já Ryan Reynolds (actor que normalmente detesto mas que aqui faz um grande papel com, literalmente, muito pouco espaço para evoluir) dirá, de certeza, que a pior forma de morrer é enterrado dentro de um caixão. Isto porque em Buried, o filme mais claustrofóbico que provavelmente já vi, é isso mesmo que lhe acontece.

Lembram-se daquela cena na segunda parte do Kill Bill em que a Noiva é enterrada viva e à custa de uma técnica ninja consegue libertar-se? Pois é, aqui a coisa é mais realista e por muito que Paul esmurre e pontapeie a madeira daquela que é a sua prisão o caixão não cede e o rapaz vai ter de se safar por outras formas. Disse outras formas mas deveria ter utilizado o singular, por acaso..a única salvação para Paul chama-se BlackBerry, o telemóvel que os seus raptores lhe deixaram.

Sim, porque Paul está naquela situação não por azar ou porque foi uma vítima falhada de tapocrifação (aposto que não conheciam esta palavra, mas significa "ser executado por enterro prematuro"). Paul é um civil americano que estava no sítio errado à hora errada, mais propriamente no Iraque, e logo no início do filme ficamos a saber que vai ficar lá enquanto não arranjar forma de pagar um dinheirão aqueles que o enterraram.

A partir do momento em que sabemos isso iniciam-se duas corridas contra o relógio, uma relativa ao oxigénio que falta no caixão e outra relativa à bateria restante no telemóvel.

A todos nós já nos aconteceu que logo naquele momento em que precisavamos MESMO de fazer uma chamada é que a bateria vai ao ar. Agora imaginem o que é isso acontecer-vos quando essa bateria é a vossa única ligação ao mundo exterior e a vossa única esperança de salvação. Ou imaginem o desespero que não deve ser ligarem para o 112 (ou 911, no caso) e não acreditarem numa história que por muito rocambolesca que pareça, é verdadeira. Paul só tem mesmo aquela hipótese, não consegue sair dali, não consegue ver ninguém nem ninguém o verá a ele (Ryan Reynolds é o único actor no filme, dos restantes personagens só se ouve a voz) e - se não conseguir pedir ajuda, e essa ajuda chegar a tempo, vai mesmo ficar ali, enterrado mas agora já morto.

Pegando nesta premissa e nunca saindo de dentro do caixão, o realizador (Rodrigo Cortés) consegue provocar em nós os níveis de desespero que passam pela mente de Paul, tornando Buried um dos melhores thrillers que vi nos últimos anos e, a par do Black Swan, o melhor filme que vi até agora em 2011.




P.S.: Para aqueles que estão a pensar: "Que estupidez, onde é que o gajo tinha rede debaixo de terra!!" fica a informação, também cedo no filme somos informados que Paul está enterrado a cerca de 90cm de profundidade, por isso até parece verosímil que ainda se consigam fazer umas quantas chamadas.

Sideways

Sideways:



Numa análise rápida depois de vermos este este filme, distante já de 2004, ficamos a pensar em qual terá sido a razão pela qual lhe deram este título. Muito pouco depois percebemos que por "sideways" não se quer necessariamente dizer que os seus personagens estão a andar de lado ou algo que se pareça...o sideways deste filme tem a ver, parece-me, com os desvios que todos fazemos àquilo que se consideraria o certo, o que deve ser feito.

A história base do filme acompanha de perto Miles e Jack (Paul Giamatti e Thomas Haden Church, respectivamente) numa viagem que ambos fazem pela California acima. A razão da viagem? Jack vai casar-se e Miles, seu amigo e enólogo amador, decide levá-lo a passear pelo Wine Country. Durante a viagem os dois amigos apercebem-se que não existe uma discordância entre ambos quanto ao que dela deve resultar: se para um descanso, para outro aventura.

E é aqui que começam os tais desvios..Como é que nos devemos comportar quando estamos prestes a casar-nos? Como aproveitar uma viagem como estas? Devemos lutar por um último momento de loucura? Devemos contemplar o que aí vem, aproveitando a viagem e a companhia que temos, ou pura e simplesmente apanhar tudo o que vem à rede? Não querendo avançar muitos pormenores, digo-vos apenas que me identifico muito mais com a perspectiva de Miles, sendo - no entanto - muito mais atraente, claro.

Sideways é um filme especialmente adulto numa indústria que se está a tornar especialmente infantil. Aqui os personagens são solitários, vêm as suas ilusões de grandeza e sucesso profissional irem pelo cano abaixo e não é o facto do Paul Giamatti fazer um papel que poderia ser bem entregue ao Woody Allen ou o facto de esperar nunca me tornar no que qualquer um deles é que me vai impedir de o recomendar àqueles que queiram ver um filme interessante e uma comédia mais profunda do que o que costuma vir de Hollywood.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Somewhere

Somewhere:



O pessoal português que seja da minha idade e veja a primeira cena de Somewhere, o último filme da Sofia Copolla vai lembrar-se do famoso anúncio ao Renault Clio em que se via um carro a passar e o som “Get’upaaaaaaaaaa” e vai necessariamente ter de se rir. Essa cena é o prelúdio para um filme que seria bom não fosse um problema de que vou falar daqui a pouco. Antes, o resumo que fica bem em qualquer crítica.

Somewhere segue a história de Johnny Marco, actor de Hollywood com imensas semelhanças com o Vincent Chase, do Entourage. Vive uma vida superficial em que o luxo é muito (e traduz-se em hotéis de luxo, um Ferrari 360 Modena e duas strippers gémeas) mas com pouca ligação afectiva ao que quer que seja: no terço inicial do filme Johnny anda solitário entre a gente, como diria o Camões, mas não está propriamente apaixonado. O Johnny que nos aparece nessa altura está nada mais nada menos que aborrecido.

Só que, claro, a vida dele vai ter de mudar. Depois de uma noite bem passada com uma amiga do sexo feminino Johnny acorda com alguém a assinar-lhe o gesso que tem no braço direito. Não é a sua amiga do sexo feminino, essa já saiu há muito (mais um reflexo da vida superficial que ambos levam?) mas sim Cleo, a sua filha de 11 anos, acabadinha de despachar pela mãe que – ficamos a pensar – terá alguns problemas a resolver.

De início a relação entre pai e filha é distante (ela mesmo lhe diz, a dada altura, que ele sempre foi um pai ausente) mas com o passar dos dias a intimidade entre os dois cresce e através dela Johnny acorda do marasmo e decide fazer algo da sua vida, transformar-se numa pessoa ...algo que até à altura achava não ser.

Stephen Dorff é o actor que competentemente faz de Johnny mas é a excelente interpretação de Elle Fanning que nos mostra que a Sofia Copolla tem um talento especial para transformar jovens actrizes em jovens estrelas (Kirsten Dunst em The Virgin Suicides! Scarlett Johansson em Lost in Translation!) e sem dúvida que a relação que se estabeleceu entre ambos os protagonistas é o principal segredo para um filme que se fosse visto e analisado independentemente de tudo o que está para trás seria bastante bom.

O PROBLEMA É QUE

Somewhere é tão mas tão parecido com o Lost in Translation que caso não fossem ambos da mesma realizadora a coisa poderia dar algum dinheiro a umas quantas equipas de advogados.

Não é só o ambos serem maioritariamente passados em hotéis, ambos terem personagens sem saber o que fazer até que alguém lhes troca as voltas ou ambos terem cenas em que se goza com programas de televisão estrangeiros. Tudo isto é quase de certeza, e como já referiu o Roger Ebert, fruto das experiências de Sofia quando era mais nova (não se esqueçam que é filha do Francis Ford Coppola e costumava seguir o pai pelo mundo fora) e tudo isto seria relativamente secundário não fosse o facto de – tirando o epílogo um pouco mais longo – todas as cenas de Somewhere me fazerem lembrar uma cena correspondente em Lost in Translation.

É pouco original e sobretudo distrai-nos demasiado num filme que fora deste contexto, repito, é bom.

Finalmente, àqueles que ainda não viram nenhum destes filmes só vos posso dar um conselho: vejam este antes do outro...são ambos bons mas, como diz outro anúncio, o original é sempre o melhor.

segunda-feira, 7 de março de 2011

127 Hours

127 Hours:



Os limites da capacidade humana são algo que nunca deixa de me surpreender. Todos nós já passámos por situações em que de inicio dizemos “Nem pensar nisso, não consigo, nem vale a pena!” mas que no final de contas, quando temos de enfrentar as dificuldades, conseguimos superar-nos a nós próprios e o que parecia impossível afinal de contas nem foi assim tão difícil. “A man’s gotta do what a man’s gotta do”, certo?

Pois na vida de Aron Ralston, “explorador” americano em cuja vida este filme se baseia, o que o homem teve de fazer é um bocadinho mais extremo do que o que a maioria dos homens tem de fazer.

Não vale a pena fazer esta SMR sem falar do momento chave deste filme, quase todos saberão o que se passou e o que se vê durante o filme: num belo fim de semana de 2003 Aron (aqui representado pelo James Franco que mereceu uma nomeação para os Óscares, e não pelo James Franco que os apresentou) decidiu ir passear sozinho para o Blue John Canyon, no Canyonlands National Park, Utah. Por lá andou, por lá encontrou umas moçoilas (tem sempre de haver moçoilas, não tem?) e pouco depois de se separarem dá por si a descer uma fenda no canyon e, ao tentar apoiar-se numa rocha, esta rola e basicamente esmaga o seu braço direito, impossibilitando-o de se libertar.

Gritar não adianta de nada, aquelas paisagens são mais inóspitas que sei lá o quê. Esperar por ajuda também não vale a pena porque o menino Aron (esperto!) não avisou ninguém sobre para onde ia. As opções de Aron limitavam-se a duas: ou fazia com que a pedra se mexesse ou libertava-se de outra forma. Como a pedra tinha mais de 350kg, Aron teve de fazer pela vida e libertar-se da única maneira possível...amputar o seu próprio braço com uma faca multi-usos manhosa que tinha consigo.

Muito se tem falado da cena da amputação, e verdade seja dita que se não fosse por isso provavelmente a história nunca teria tido a dimensão que teve, mas na minha opinião esse é o elemento menor do filme. É verdade que é violento (bastante menos do que o marketing quer passar cá para fora, com notícias de desmaios e vómitos) mas parece-me bem menos violento que a evolução psicológica do personagem, e naturalmente da pessoa real – que já disse em entrevistas que quase tudo no filme é “o mais próximo possível a fazer-se um documentário sobre a história”.

Não é de ânimo leve que uma pessoa amputa o seu próprio braço, tal como não foi de ânimo leve que os jovens argentinos perdidos nos Andes comeram a carne dos seus colegas mortos (se não sabem do que estou a falar vejam o Alive - Estamos vivos, um excelente filme e que em muitos aspectos é semelhante a este). Quando se apercebe da sua situação Aron nem grita, nem chora nem nada...pelo que nos é dado a conhecer no filme trata-se de um rapaz altamente prático e que ao contrário de mim – que provavelmente entraria em choque menos de 1,27s depois daquela queda – começa desde logo a trabalhar para a sua libertação, tentando lascar o pedregulho que o aprisiona. Desde esse momento inicial em que há uma esperança diria que irrealista até ao momento em que Aron se apercebe que não há outra saída, ou o braço ou ele por inteiro, vamos acompanhando as suas mudanças de humor, as suas alucinações e o seu crescente desespero.

Dizer-vos que no final ele se liberta não é um spoiler, já que se lá tivesse ficado provavelmente ainda hoje ninguém sabia o que lhe tinha acontecido. O que este filme nos mostra é que é o processo que importa, muito mais do que o resultado.

O que achei do filme propriamente dito? Bem, posso dizer-vos que a cena final me tocou bastante (os Sigur Rós também ajudam) mas que tudo o resto poderia estar melhor. Muitos outros críticos dizem que o filme nunca deveria sair da fenda em que Aron está metido mas eu discordo, acho importante que o vejamos fora dali para que melhor se perceba aquilo porque ele está a passar. Para mim o problema é mesmo o excesso de montagens e cultura pop que o Danny Boyle tenta adicionar ao filme. Se ficava bem no Slumdog Millionaire aqui já é uma distracção demasiado grande num filme que teria necessariamente de ser intimista, quanto mais não fosse pela claustrofobia do lugar.