A partir do momento em que deixa de ver exclusivamente cinema de animação todo e qualquer espectador de cinema frequentemente assiste a um tipo de história que ultrapassa as barreiras de género (cinemático), tempo ou nacionalidade. Falo, claro da história (normalmente baseada em eventos reais) da criança/jovem/adulto com um problema qualquer (que não interessa agora para esta análise) e que com muita perseverança (e depois de desistir pelo menos uma vez) consegue superar-se a si mesmo e suplantar até as mais optimistas expectativas. É este o caso do mais recente filme a abordar a família real britânica: The King’s Speech.
Vamos analisar isto por tópicos? Vamos!
A pessoa: Rei Jorge VI (pai da actual Rainha Isabel II), também conhecido por Príncipe Alberto, Duque de York.
O problema: O senhor é g-g-g-ga-gago desde criança, uma situação nada simpática para alguém que, como qualquer outro na posição dele, tem o falar em público como uma das suas funções profissionais. A coisa agrava-se ainda mais a partir do momento em que ele se torna a voz que a Inglaterra precisa de ouvir para se unir durante a 2ª Guerra Mundial.
A preserverança: depois de anos e anos de tentativas frustradas e de muita humilhação provocada pelas insistências do pai (o Rei Jorge V) e gozo de todos os irmãos, Jorge aproveita segue o ímpeto da mulher (a popular Rainha Mãe) e transforma um momento extremamente embaraçoso (o seu discurso falhado na cerimónia de encerramento da Exposição do Império Britânico) na base para uma busca de novos terapeutas da fala. Nada funciona até encontrar Lionel Logue, um australiano com métodos sui generis (sobretudo quando o paciente é o Rei) que praticamente resolve o seu problema, tornando-se no seu único verdadeiro amigo pelo caminho.
O resultado: o nosso Jorge VI lá consegue fazer um discurso de 9 minutos em que explica aos seus povos que estão em guerra com a Alemanha e que os tempos futuros serão difíceis. Isto tudo sem se engasgar.
Como é fácil perceber, este tipo de filmes precisa de uma de duas coisas: ou um problema grave (gaguejar deve ser terrível mas não é daquelas desgraças universais com que todos se identificam) ou uma suplantação realmente espetacular, tipo criança perneta que se torna jogador de futebol (não me lembro de nenhum filme com esta temática, mas já deve existir)...sendo também aqui este filme peca por defeito...ficamos contentes que ele faça o seu discurso sem gaguejar, sobretudo pela importância histórica que este teve, mas ficamos ainda mais contentes quando vemos o tal perneta a marcar o golo decisivo na final do Mundial. Ou seja, apesar do pano de fundo ser muito do agrado das bilheteiras – a malta gosta sempre de cuscar a família real – não é pela história que o filme lá vai.
O que realmente faz com que este filme sobressaia é o altíssimo nível das duas interpretações masculinas principais. Que o Colin Firth é simplesmente genial (ainda mais do que costuma ser?) ao evitar que a gaguez de Jorge VI seja dramática sem que seja exagerada ao ponto do ridículo já se sabia, tanto que não há dúvidas que finalmente vai ganhar o seu merecido Óscar; a maior surpresa – que também não é assim tão surpreendente – é a interpretação de Geoffrey Rush enquanto Lionel Logue, que trás níveis de empatia tão grandes que é difícil não acreditar que a pessoa real fosse assim mesmo, a única forma de ganhar a confiança de um Rei.
Para além destas duas interpretações, e da excelente relação que transparece entre ambos os actores, não há muito mais a realçar de um filme que aposta pouco na originalidade. Vale por eles e pelos curiosos ângulos escolhidos em algumas cenas pelo realizador Tom Hooper.