quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Berlinale 2012


A edição de 2012 da Berlinale começou oficialmente há cerca de duas horas. Estamos a falar do maior festival de cinema do mundo (esperam-se 800.000 espectadores, este ano) e onde muitos dos grandes filmes do ano são apresentados pela primeira vez ao público europeu.
Como já devem ter reparado o editor e escriba deste blog vive em Berlim desde finais do ano passado e como tal, ao contrário de 2011, este ano vou conseguir ver bastantes sessões. A primeira é já amanhã e, tal como de costume quando frequento festivais, podem contar com SMR no próprio dia em que vi o(s) filme(s). Numa era em que a rapidez é tudo vou tentar dar-vos as primeiras críticas em português de variados filmes. 

Como sempre, o critério é só um: o meu gosto pessoal. Espero que concordem com o que achei interessante.

(Entretanto tenho dois filmes "fora de festival" cujas SMR terão de ficar para depois de dia 19)

The Artist



Há já muitos anos que me perguntava isto: porque é desde que há a possibilidade de fazer filmes a cores ainda se fazem alguns a preto e branco mas desde o The Jazz Singer (o primeiro grande filme com falas da história do cinema, datado de 1927) foram raros os filmes mudos? É que se repararem de tempos a tempos vão surgindo alguns filmes a preto e branco, mas - depois de o ter investigado por causa deste filme - devem ter sido feitos uns 10  filmes mudos desde os anos 30.

A vossa resposta à minha pergunta é aquela que também me surgia sempre, enquanto que o preto e branco por vezes serve como acrescento artístico a perda do som é uma limitação à qual os espectadores actuais não estão habituados. Seria uma distração em vez de uma escolha estilística.

The Artist, o mais recente filme do realizador francês Michel Hazanavicius (mais conhecido pelas suas comédias) surge em 2011 com a intenção de acabar com a minha lógica infalível. Aqui está um filme mudo (ou quase), a preto e branco e com grande sucesso comercial e artístico. Venceu vários Globos de Ouro, incluindo o de Melhor Filme de Comédia ou Musical (embora não seja nem uma comédia nem um musical!), foi um dos principais nomeados para os Óscares (10!) e é um dos grandes candidatos a ganhar uma data de estatuetas.

A questão que necessariamente tem de ser abordada é o quão merecido é esse sucesso. Eu diria que tem algum mérito mas não tanto que justifique as ondas que tem criado. Acho que o mérito é sobretudo pela coragem de fazer um filme destes em pleno século XXI, tudo o mais é bom mas não extraordinário.

A história é a de George Valentin (Jean Dujardin), estrela do cinema mudo que não se consegue adaptar à transição para o cinema falado e vê uma sua antiga protegida tornar-se uma estrela de nível mundial. Nos tempos do mudo George ajuda Peppy (Bérénice Bejo) a conseguir os seus primeiros trabalhos e, depois da desgraça de George é Peppy que o ajuda, não a conseguir filmes mas a manter-se vivo. É uma história que se repetiu muito nos anos 20, quando vários actores e actrizes não conseguiram vingar num mercado totalmente diferente.

Um dos frequentes elogios ao filme é a qualidade da actuação do actor principal, Jean Dujardin. Ao aceitar o papel foi corajoso, pois coube-lhe liderar um filme mudo apenas com a sua expressividade e - há que dizê-lo - acho que não vai desiludir ninguém. Há, porém, outra pessoa que me agradou bastante mais. Tal como se passa durante o filme, a actriz mais jovem supera o mais veterano actor e torna-se na verdadeira estrela. Bérénice Bejo é uma actriz que vai valer a pena seguir no futuro, a menos que esteja talhada apenas para filmes mudos. Creio que The Artist é uma obra solitária e não vamos ter uma série de filmes mudos num futuro próximo.

Uma última nota para algo que é realmente merecedor do hype, a banda sonora. Tal como no antigamente, em The Artist o diálogo é substituído por intertítulos e a emoção é transmitida através da música que acompanha as cenas. O trabalho de Ludovic Bource é, nesse aspecto, exemplar...não obstante as críticas de que tem sido alvo são as suas composições que nos ajudam a rir quando Uggie faz as suas cenas ou sentir o desespero de George quando a sua vida está quase no fim.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Moneyball



Era uma vez um livro sobre o segundo desporto mais aborrecido do mundo (a seguir ao curling), o baseball. Mas este livro não era sobre o desporto em si, era sim sobre análise estatística das qualidades dos seus jogadores e sobre como - analisando esses dados - se poderia construir equipas mais baratas mas igualmente ganhadoras. Esse livro deve ser chato como o raio, mas foi adaptado para o cinema.

Sim, Moneyball (que é também o título do livro) é um filme que fala de baseball e análise estatística. Felizmente aqui deram mais atenção ao treinador Billy Beane, o primeiro a pôr em prática o sistema explicado no livro e que teve algum sucesso com o mesmo. Felizmente também colocaram o baseball à frente da análise estatística, mas este é um filme em que vemos uma dose bastante considerável de folhas de Excel. O que é que eu, que não gosto nada de baseball e não acho análise estatística um tema interessante para um filme, fui fazer para esta sessão de cinema?

A resposta é simples. O filme já tinha estreado há uns tempos em Portugal mas consegui evadir-me a ele, achando já que ia ser uma valente seca. Entretanto vieram as nomeações para os Óscares e este novo trabalho do realizador Bennett Miller (que anteriormente só assinou o também consagrado Capote, já de 2005) recebeu 6, incluindo duas de representação, uma para melhor filme e outra para melhor argumento adaptado. Merecerá alguma delas? Sem dúvida que não, já que se trata de um filme desesperantemente mediano.

O apelo deste filme para o público americano é óbvio. Por um lado trata-se do desporto nacional dos EUA e aquele que se encontra mais orgulhosamente só (a NBA e a NFL são fenómenos muito mais internacionais e mesmo a NHL também deve ser), por outro é a típica história do underdog (neste caso a equipa dos Oakland A's) que tanto agrada aos votantes neste tipo de prémios e, finalmente, tinha como protagonista um Brad Pitt estranhamente interessado na história. A coisa estava feita e por muito pouco interessante que o filme fosse (e é; gostaria de ver como teria ficado se - como planeado inicialmente - fosse o Soderbergh a realizar) haveria de criar algum buzz para a temporada de prémios.

O que duvido (e secretamente torço para que aconteça) é que tal como o que se passou com os A's de Billy Beane (que, coitadinhos, só tinham 34 milhões de orçamento anual, o que me faz pensar que - mesmo apesar das diferenças astronómicas para as outras equipas - não são assim tão underdogs, é só ver o orçamento de uma equipa de futebol tipo Académica) o filme que conta a sua história venha a ter o mesmo tipo de sucesso.  Acho que é o mais justo para um filme que tem como ponto mais alto a revelação do Jonah Hill como algo mais que um idiota.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Bronson

Bronson:


Se os biopics são retratos então Bronson, filme que conta a história de Michael Gordon Peterson, é uma daquelas caricaturas que se podem fazer num qualquer calçadão de praia. A referência que este poster faz ao A Clockwork Orange não é desapropriada mas não seria desapropriado mencionar antes o Natural Born Killers do Oliver Stone...tudo aqui parece cartoon, embora a história por detrás do filme seja real.

Quem é Michael Gordon Peterson? É o auto-proclamado recluso mais violento da Inglaterra. Um homem de 59 anos que adoptou a alcunha de Charles Bronson, inspirando-se no actor para criar uma personalidade para a sua vida na prisão. Desde que foi preso pela primeira vez, em 1974, Charles Bronson passou toda a sua vida na cadeia à excepção de 69 dias em 1988. A primeira pena de prisão era de "apenas" 7 anos, mas como Charles se diverte em lutar com os restantes reclusos e com os guardas prisionais os anos foram-se acumulando e os muitos dias de solitária também.

Não vos consigo falar muito mais sobre a personalidade deste homem. Não o conhecia antes de ver este filme e mesmo depois de o ver não o conheço propriamente bem. A razão para ter visto o filme é ser do mesmo realizador que o Drive mas quem esperar um filme semelhante está bastante enganado...não me canso de repetir que se trata de uma obra mais próxima do Natural Born Killers que qualquer outro filme que me lembre: a história é violenta mas contada de uma forma quase cartoonesca e, por força da sua personalidade, o vilão torna-se no personagem mais simpático/cool de toda a história, o Charles Bronson deste filme acredita que é uma estrela, comporta-se como tal e faz-nos simpatizar com ele. Pena é que a simpatia não fique para sempre.

Isto porque o filme comete um pecado capital: começa em grande (passei os primeiros 15 minutos de boca aberta, completamente surpreendido com o que estava a ver) mas depois vai decrescendo de interesse. A qualidade mantém-se mas a história prolonga-se demais (não há assim tanto a dizer sobre uma pessoa como estas, certo?) e a dada altura torna-se um bocado aborrecida.

É por causa dessa falha que acho que Nicolas Winding Refn não fica no mesmo patamar que estava depois de Drive (nota importante: este filme é mais antigo, de 2008, eu é que só o vi agora). Se em relação a Drive é o realizador que merece a grande parte dos elogios, em Bronson a realização é também merecedora de elogios (o homem mostra que consegue filmar com estilo) mas os holofotes devem cair todos sobre Tom Hardy, um actor que antes não tinha muito que mostrar mas que por causa deste filme já ganhou uma série de papéis icónicos (vejam-no como Bane no próximo Batman!). A sua criação é decerto mais interessante que o Charles Bronson do Michael Gordon Peterson e - ainda mais importante - agradou à mãe do personagem que retrata.

O recluso verdadeiro não foi autorizado a ver o filme que o retrata, mas contou estar orgulhoso por ser retratado num filme que agradou à sua mãe. Consigo imaginar que, se visse o filme, ficaria ainda mais orgulhoso: um filme tão louco só poderia agradar a alguém com uma personalidade tão louca.