sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A Separation

A Separation:


A cena inicial deste filme iraniano que este ano venceu o Urso de Ouro (maior prémio da Berlinale) é, em conjunto com a sua cena final, uma visualização perfeita do estado da relação entre Nader e Simin. Enquanto que no início este casal discute a possibilidade de divórcio sentados um ao lado do outro no final ambos estão calados, mais calmos mas afastados e separados por uma porta de vidro partida.

Numa tentativa de buscar metáforas para essa pujante imagem final poderia dizer que o vidro partido simboliza o que se passa durante as duas horas de filme. Algo se quebrou naquela relação e, tal como o vidro partido não pode ser reposto, também a decisão final será - de acordo com as leis iranianas - irredutível.

No início parece haver ainda uma ligação entre os dois. Simin (Leila Hatami) deseja sair do Irão e finalmente tem a hipótese de o fazer, só que no Irão uma mulher não pode sair sozinha e um filho menor não pode sair sem autorização do pai. O consentimento de Nader (Peyman Maadi) é fulcral e este mostra-se irredutível, não sairá do Irão mas também não vai obrigar a mulher a continuar a viver consigo.

A principal razão pela qual Nader não sai é o seu pai, doente de Alzheimer e completamente dependente. Tanto que, quando Simin sai de casa, Nader se vê forçado a contratar alguém que tome conta dele enquanto está trabalhar e aí é que vai começar todo o efeito bola de neve que só acabará, literalmente, quando os últimos créditos rolam e as luzes se acendem.

A pessoa escolhida para tomar conta do pai é Razieh (Sareh Bayat), uma mulher profundamente devota que está grávida e que esconde ao marido o facto de estar a trabalhar a dias por medo da sua reacção. Os pormenores da gravidez e das reacções do marido virão a ser extremamente importantes para a história, mas não vou por aí agora.

O grande mérito deste filme é ter uma das histórias mais interessantes que vi neste último ano. Conseguindo balancear perfeitamente o quase surreal da situação com a possibilidade dela poder mesmo acontecer (particularmente num país como o Irão), o realizador Ashgar Farhadi - mais um exemplar da vitalidade do cinema iraniano - consegue transmitir-nos realisticamente uma história que contrapõe a irredutibilidade de uns às dúvidas e temores de outros, num país cujas leis fazem com que cada acção ou palavra, por mínima que seja, pode ter consequências muito sérias.

Quando me ponho a pensar o que faria no lugar de Nader penso se não agiria precisamente da mesma forma. Se é verdade que não olhou a meios para atingir o seu fim, o facto de (muito provavelmente) ter razão faz-me pensar se não terá feito o que devia fazer. Por exemplo, se calhar estão a achar que esta SMR está especialmente críptica e que ficaram sem perceber sobre o que é o filme mas eu digo-vos que o meu intuito era precisamente esse: este é um filme cuja magia deriva do desenrolar da sua história e não vos quero privar da magia do cinema. É um grande filme que no final pode separar os seus protagonistas por um vidro partido, mas que a nós nos recebe sem um mínimo véu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário