segunda-feira, 23 de abril de 2012

Submarine

Submarine:


"Once upon a time...". É assim que as histórias da carochinha começam em língua inglesa, uma versão do nosso "Era uma vez".

Submarine, filme oriundo do Reino Unido sobre um jovem galês não começa com "Once upon a time" nem tem um tema apropriado a histórias da carochinha, mas sem dúvida que tem o seu quê em comum com estas: talvez a sua mensagem mais profunda (Oliver não quer que nada mude na sua vida não perfeita, mas equilibrada) ou talvez pelo inventivo visual explorado pelo realizador Richard Ayoade. O que é certo é que há algo em Submarine que desce à nossa memória e fica guardado no mesmo baú que histórias bem mais antigas.

Oliver (Craig Roberts) é a personalização do narrador da canção Disco 2000, dos Pulp, e narra-nos mesmo a sua história. Vive com os pais numa pequena vila do País de Gales, onde frequente um liceu no qual ocupa um lugar intermédio da hierarquia social: é suficientemente esquisito para correr o risco de ser gozado pelos colegas mas, por outro lado, é alvo de um certo culto da sua personalidade. Tudo corre relativamente bem até que de uma assentada um novo vizinho chega e Lloyd conhece, corteja e se apaixona por Jordana (Yasmin Paige), uma rapariga do mesmo calibre a quem Oliver promete tornar-se no melhor namorado do mundo.

Só que o novo (e estranho) vizinho não deixará Oliver cumprir a sua promessa. trata-se de uma antiga paixão da sua mãe que - ao reatar-se - provoca um grande abalo no casamento dos pais. Oliver, precocemente adulto como é, vai tentar resolver a questão e acaba inevitavelmente por prestar menos atenção a Jordana, também ela a passar por graves problemas familiares.

Tudo aquilo é areia a mais para a sua camioneta. Como em todas as histórias da carochinha, o nosso protagonista acaba por aprender uma lição: a sua vida poderia não ser perfeita mas não era propriamente má e agora só deseja tê-la de volta. Só que - sabemos nós - a simplicidade da infância, uma vez perdida, não volta mais.

Submarine tornou-se um daqueles sucessos lo-fi, a par com alguns filmes independentes americanos dos últimos tempos (estou a pensar em Me and You and Everyone We Know, por exemplo) mas é ao mesmo tempo mas clássico e mais inovador que estes. Oliver é um fruto dos anos 70 que nasceu na década errada enquanto que o trabalho de realização torna Submarine suficientemente humano, inteligente e original para que algo que poderia ser uma pseudo-chachada acabe por tornar-se uma boa experiência de cinema.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Lola

Lola:



Datado de 2009, Lola foi o filme responsável por trazer Brillante Mendoza e o cinema filipino para as luzes da ribalta. Tal como os filmes posteriores deste realizador, a sua história baseia-se na realidade do seu país natal, usando o dia-a-dia dos seus cidadãos como inspiração para histórias que, depois de adaptadas, dão cinema de grande qualidade.

Ao contrário da protagonista de Lola Rennt, esta Lola - de apelido Sepa (interpretada por Anita Linda) - anda bem devagar. Trata-se da avó de uma triste vítima mortal durante um assalto mal sucedido, que assume as rédeas da sua família quando se torna necessário organizar o seu funeral e promover o julgamento do seu assassino, Mateo (Ketchup Eusébio, actor com o melhor nome de todo o sempre!). A sua antagonista é outra Lola - desta vez Puring de apelido (interpretada por Rustica Carpio) -, a avó de Mateo, que pretende convencer Lola Sepa a desistir do processo contra o seu neto.

A duplicação do nome Lola não é coincidência, já que este não se trata de um nome próprio mas sim da palavra "avó" em Tagalog. Estão assim frente a frente duas avós de Manila, que podem não andar à pancada (desenganem-se aqueles que queriam ver uma espécie de wrestling geriátrico) mas que não desistem de ajudar as suas respectivas famílias até esgotarem as suas forças. São a força motriz deste filme e parecem ser uma grande força motriz da sociedade filipina.

Digo isto porque apesar de nunca ter visitado este país fiquei com a impressão que Brillante Mendoza a retrata de forma bastante fidedigna. Usando uma estética de documentário que realça o realismo da sua história, Mendonza conseguiu Lola dos clichés da violência e da pobreza (que, no entanto, marcam a sua presença por serem reais) e criou uma história longa e lenta, mas real, humana e encantadora. Não será um filme de massas, mas recompensa e muito aqueles que se aventurem para lá da artrite.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Trolljegeren - Troll Hunter

Trolljegeren - Troll Hunter:


Desde que em 1999 saiu o Blair Witch Project que muitos filmes (de terror mas não só) seguem a sua fórmula: recebemos este filme nos nossos escritórios e não sabemos quem são as pessoas no filme, mas achámos por bem editá-lo e estreá-lo em sala.

Se a formula funcionou bem nessa altura, em que parte do marketing de Blair Witch era mesmo o não se saber se aquilo tinha sido mesmo filmado amadoramente ou era um filme, passados 13 anos o nível de sucesso já não é o mesmo. Especialmente quando o tema é tão pouco realista e - problema meramente técnico que advém da melhoria das câmaras actuais - a qualidade das imagens é tanta que se parece mais com um filme de Hollywood que com algo amador.

A premissa de Troll Hunter está explicada no seu título. Um grupo de estudantes da universidade de Volda decide filmar um documentário sobre uns ataques de ursos que ocorreram nas redondezas e durante as filmagens ouvem falar de um ainda mais estranho caçador. Resolvem segui-lo e este decide mostrar-lhes o que realmente faz.

A partir daí seguimos os três documentaristas a seguir Hans (Otto Jespersen, a única intepretação de jeito no filme), o caçador que por sua vez persegue os trolls pelo Norte da Noruega. Cada espécie troll tem a sua personalidade, os seus pontos fracos e, consequentemente, uma forma diferente de ser apanhado (tal como são descritos na mitologia nórdica, que eu confesso desconhecer totalmente). Pontos em comum são poucos, mas diz que nenhum gosta de cristãos e - mais importante ainda - todos se transformam em pedra quando expostos à luz solar a outra qualquer luz intensa.

Com esta premissa Troll Hunter até podia ser divertido. O conceito é engraçado, os troll estão muito bem desenhados (uma mistura de CGI com imagem real) e é sempre divertido ver pessoas a chorar enquanto admitem que são cristãos no armário, mas algo no trabalho de André Øvredal não funciona: como já disse, a opção por um filme de found footage não convence nem por um segundo, as interpretações dos documentaristas são bastante fracas e até mesmo a opção por colocar uma música de Kvelertak (uma das minhas bandas favoritas) nos créditos finais falha por ser tão deslocada do contexto.

Troll Hunter podia ter corrido bem, e houve decerto quem gostasse o suficiente para promover o inevitável remake americano, mas eu não fiquei nada convencido. Talvez se o tivesse visto no grande ecrã tivesse sido melhor.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

50/50



Cancro. A pior palavra que se pode ouvir da boca de um médico e um dos meus maiores medos. Não é algo que se queira jamais ouvir, e muito menos quando ainda nem se tem 30 anos de idade.

Foi isso que aconteceu, porém, ao argumentista de 50/50, Will Reiser. Ouviu a pior das palavras da boca de um médico ainda muito novo e - ainda pior - o cancro era daqueles com muitas sílabas, o que, segundo a lógica de um dos amigos do protagonista desta história, faz com que seja dos piores. Will Reiser sobreviveu para literalmente contar a história e ainda bem que o fez, pois 50/50 é um daqueles filmes que nos toca profundamente, mesmo sem nos apercebermos de tal.

O papel de Reiser é atribuído a Joseph Gordon-Levitt e o do seu amigo Seth Rogen a Seth Rogen. Sim, neste filme Seth Rogen interpreta em frente à câmara aquilo que fez em vida real...estar lá para um amigo com uma doença potencialmente letal e tentar lidar emocionalmente com isso. Para quem está habituado a vê-lo apenas a dizer disparates vai sair daqui desiludido...Rogen continua a dizer disparates mas em 50/50 apresenta uma maior profundidade emocional que na soma de todos os seus anteriores filmes.

O que é que fariam se soubessem que tinham cancro? O que é que fariam se o vosso melhor amigo tivesse cancro? A realidade é avessa a bucket lists, e, ao contrário de outros filmes, Adam (não foram usados nomes reais) apenas deseja que Kyle o ajude a viver o dia-a-dia o mais normalmente possível. As constantes tentativas de o animar só o desanimam e os esforços de Katherine (uma terapeuta interpretada por Anna Kendrick) só são úteis quando se transformam numa amizade. Adam só quer ser o mais normal possível e que o deixem sê-lo.

Dizem os especialistas que as tragédias pessoais são enfrentadas em cinco fases: Negação, Cólera, Depressão, Negociação e Aceitação. Adam passa por elas com a ajuda (mais ou menos escondida) daquele amigo que todos nós deveríamos ter e no final (SPOILER) acaba por sobreviver ao seu inferno pessoal.

Infelizmente grande parte daqueles que ouvem a terrível palavra da boca do médico não têm a sorte de Will Reisner teve. As sessões de quimioterapia que Adam frequenta vão tendo cada vez mais ausências e isso é, quase sempre, sinal de que alguém perdeu a luta. Este filme não nos vai ajudar a curar quaisquer doenças que tenhamos, mas faz-nos sentir-nos bem por saber que alguns de nós o venceram e, caso as malfadadas palavras alguma vez nos sejam dirigidas, a esperança numa cura é um importante tónico para que ela venha a ter lugar. Por isso, mas não só, recomendo este filme.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Soirrée Arrested Cinema

Ora bem, este vai ser um texto difícil de escrever. 
As soirrées Arrested Cinema são um espaço do festival Cinéma du Réel dedicado aqueles documentaristas que vivem em zonas do globo em que o seu trabalho não só não é respeitado, como não é aceite. A temática da sessão deste ano foi o conflito que ainda hoje decorre na Síria e - apesar do programa falar de quatro curtas-metragens - foram passadas duas curtas e uma longa. Os nomes dos realizadores não foram revelados, por medo de represálias, tal como não o foi o título da longa (ou pelo menos eu não o apanhei). Apesar de tudo, vou tentar falar do que vi.


Hama 82 e Taarik Al Kawafel:

-não há posters nem imagens disponíveis-

Estas duas curtas-metragens têm o mesmo estilo de filmagem e edição, aparentando ser do mesmo realizador. Ambas pegam em incidentes do passado (nomeadamente o Massacre de Hama, em 1982, que eu desconhecia totalmente) e estabelecem paralelos com o que se está a passar actualmente através de imagens de arquivo e entrevistas.

Num tipo de filmes como este a análise à sua forma é o menos importante. O que me impressionou nestas curtas foi a concretização do velho adágio que diz que quem esquece a história está condenado a repeti-la: o massacre de Hama foi ordenado pelo Hassad pai, o mundo esqueceu-o e agora o Hassad filho está a tratar de fazer algo semelhante em Homs. Os sírios começaram por manifestar-se pacificamente (vêem-se imensas crianças!) contra o regime que os oprime, como o fizeram muitos tunisinos ou egípcios. A diferença é que não contam com o apoio do resto do mundo (graças à Russia e à China) e continuam a sofrer os brutais ataques do exército que supostamente existe para os proteger.


Longa-metragem sem título, de Oussama Mouhammed:

O que era para ser um projecto a quatro mãos financiado pela academia dinamarquesa de cinema sobre o feminismo na Síria acabou por se tornar um documento de um só cineasta sobre a repressão iniciada em 2011 pelo regime de Bashar Al Hassad. Pena é que pouco ou nada seja dito sobre a mesma nesta longa que, infelizmente, tomou o lugar a duas outras curtas nesta sessão.

O realizador Oussam Mouhammed chegou a Paris há muitos poucos dias, fugido da violência da Síria e só esse facto garantiu-lhe muita simpatia da plateia antes do seu filme começar. Infelizmente, a obra que apresentou - que, confessamente, é ainda um work in progress - é muito fraca e quase um insulto aos restantes realizadores que se debruçaram, decerto melhor, sobre o tema em questão e se viram excluídos da sessão. Desta longa pude retirar que o realizador e os seus amigos gostam muito de si próprios, se acham muito importantes e artísticos, não sabendo quando parar de filmar ou - pelo menos - editar o filme.

O que poderia ter sido um testemunho interessante de como o tema de um filme pode mudar totalmente devido a factores externos acaba por ser um triste espetáculo ao qual daria o título de "Como olhar para o meu próprio umbigo enquanto o meu país está a ser desfeito pelo seu líder". Uma oportunidade tristemente perdida, que levou muita gente a abandonar a sala em vez de debater um tema tão importante como este.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Autrement, la Molussie

Autrement, la Molussie:


Apesar de ter ganho o mais importante prémio do festival, não considero esta obra do francês Nicolas Rey um verdadeiro documentário. Para mim esse género de filmes precisa de passar uma mensagem sobre algo do mundo real e este não é o caso neste filme.

Partindo do livro "Die molussische Katakombe", do escritor-filósofo alemão Günther Anders, em que dois prisioneiros partilham histórias sobre a Molussia, fictício país dominado por um ditador fascista - tal como a Alemanha natal do autor na altura em que o escreveu, os anos 30 -, Nicolas Rey filmou 9 capítulos em 9 bobines diferentes, as quais conjuga de forma aleatória em cada uma das sessões.

Tal ideia pode ser vista como um mero gimmick - até eu o acho um bocadinho, confesso - mas acredito que até acaba por trazer algumas diferenças interessantes a cada visualização. As 9 bobines - todas elas autónomas, analógicas e filmadas em câmaras sui generis - permitem uma observação avulsa que no final apresenta uma ligação narrativa desconexa mas com a proximidade de fazer parte da mesma obra completa.

As imagens de Autrement, la Molussie são quase sem excepção de uma beleza etérea profunda e o conteúdo das narrações que as acompanham é muito interessante (deu-me pena saber que o livro não está traduzido para nenhuma das línguas que entendo) mas realmente não posso as posso considerar um verdadeiro documentário e, como tal tenho de vos deixar o aviso de "conteúdo por vezes demasiado artístico".

Enquanto discussão filosófica do fascismo Autrement, la Molussie atinge o objectivo (tal como - presumo - o livro que lhe serviu de inspiração), enquanto conjunto de imagens bonitas de se observar também, e muito, mas Autrement, la Molussie pertence muito mais a um museu que a uma sala de cinema.


(talvez por isso a sessão a que assisti tenha sido na sala de cinema de um museu?)

Cinéma du Réel

Olá olá! Cá estou eu de novo depois de uns dias de férias.

No passado fim de semana estive em Paris e acabei por aproveitar para ver duas sessões do festival Cinéma du Réel, o festival de documentários mais importante da Europa. 


As respectivas SMR serão publicadas aqui e, novamente, no c7nema.net.
Até já!