sábado, 29 de outubro de 2011

There Once Was An Island

There Once Was An Island:
 

Antes de escrever outras coisas tenho de fazer um aviso: sou apaixonado por ilhas remotas e este filme é sobre uma. A minha opinião pode ter sido influenciada por isso, até porque - não duvidem - passei o filme todo a pensar que um dia queria ir ali. Dito isto, venha a SMR propriamente dita:

Houve em tempos uma ilha, diz-nos o título deste filme. Mas na verdade essa ilha ainda existe, pelo que têm de perceber o verdadeiro sentido do título... Era uma vez uma ilha, chamada Nukutoa, situada no atol de Takuu, território da Papua Nova Guiné mas tão isolada que os seus habitantes têm a sua própria língua e praticam uma religião descrita como a última religão polinésia dos tempos pré-contacto com os exploradores ocidentais ainda intacta.


Essa ilha tem cerca de 400 habitantes e todos eles se debatem com uma questão que pode, a médio prazo, ser de vida ou de morte: a ilha tem uma altitude média baixíssima e por isso tem vindo a sofrer e muito com o aquecimento global. Muitos temem que em breve deixe de existir, por força das cada vez mais frequentes cheias provocadas pelo aumento do nível médio do mar. A tal questão de vida ou de morte é saber se devem ficar ou partir para outra ilha, para uma reserva designada para eles pelo Governo da Papua Nova Guiné.


Para os ajudar a resolver este dilema, uma ilhoa (SMR, a ensinar-vos novas palavras desde 2009)  que vive "na civilização" decide pedir ajuda a dois cientistas neozelandeses. Estes acabam por passar uma temporada na ilha a investigar as causas do problema e as possibilidades de o resolver. As conclusões a que chegam não são conclusivas (passe o pleonasmo): são dois e cada um tem uma ideia diferente, pelo que a comunidade continuou tão dividida como estava.


O realizador (Briar March) não caem no erro de nos apontar numa direcção. Mostram-nos o problema (e há imagens das cheias que são verdadeiramente angustiantes), apresentam-nos as soluções e apresentam-nos o ponto de vista de muitos daqueles para os quais a decisão é inevitável. O espectador logo decide se quer ou não ter uma opinião.


Aquelas 400 pessoas têm de escolher em breve. As cheias são cada vez maiores e mais frequentes, mas por outro lado o mudarem-se para outro lado implica acabar com o modo de vida que sempre conheceram e que os seus antepassados lhes ensinaram. Entretanto vão ficando, com o coração nas mãos, numa ilha de uma beleza incrível e que - como disse ali acima - me deu imensa vontade de visitar. É nestas alturas que penso que deveria ter seguido uma profissão ligada à natureza.



Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e no dia 26, o que quer dizer que já não o vêem nesta edição do festival. Com sorte apanham-no noutra altura.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Golden Dawn

Golden Dawn:


Que grande filme! A sério, que grande grande filme! Dura só 16 minutos mas esses 16 minutos foram suficientes para me encher de vontade de fazer o meu próprio documentário. Haverá melhor elogio que se possa dar?

Golden Dawn apresenta-nos o quotidiano de um grupo de pescadores holandeses algures no Mar do Norte, enquanto tentam ganhar a sua vida naquela que é uma das mais antigas profissões do mundo. O tema em si não difere muito de alguns programas que passam no Discovery Channel, agora que a pesca de alto mar virou moda, mas aqui - ao contrário do que costumo fazer - vou dar mais valor à forma que ao conteúdo.

É que este filme é de uma beleza imensa. Ao mesmo que é frio e maquinal (a pesca e os pescadores não são os temas mais charmosos de sempre) consegue ser, palavras do resumo do Doc, poético na forma como retrata esta actividade. Vê-se que não foi uma obra de realização complexa (diria que foi filmado com uma câmara daquelas que se podem comprar nas lojas) mas a atenção dada à composição de todas as cenas/todos os frames é tanta e a banda sonora, de Filipe Felizardo, é tão boa que conseguem transformar o despejar de duas redes de arrasto numa dança. Repito, o filme acabou e eu só pensava em que temas poderia mostrar num documentário de estilo semelhante.

Maaaaaaaaaaaaaaaas, apesar de todos os elogios que já lhe dei tenho de dar um valente puxão de orelhas à realizadora (Salomé Lamas) por ter deixado que os quadros explicativos finais (não sei que outro nome lhes dar) viessem público com tantos erros de inglês: "Mi" em vez de "My" ou "To" em vez de "Too" e, ainda pior, "No mi son" em vez de sei lá o quê são falhas imperdoáveis para alguém que submete um filme a uma competição.


Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e volta a passar no dia 29, às 18h30, no Pequeno Auditório da Culturgest.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Guañape Sur

Guañape Sur:


O dicionário Priberam da língua portuguesa define guano como sendo "adubo de substâncias orgânicas e, particularmente, do excremento das aves". Trata-se de uma substância tão importante para a economia do Perú que o próprio termo deriva da língua dos seus povos indígenas, o quechua. Hoje já não tão importante como outrora foi mas ainda é explorado comercialmente pelo governo local.

Neste documentário seguimos uma expedição comercial organizada pelo Ministério da Agricultura peruano. A cada onze anos são contratadas várias dezenas de trabalhadores que terão como missão separar o precioso guano da restante porcaria deixada por centenas de milhares de pássaros durante os dez anos anteriores. Como diz o capataz no pep talk inicial, guano não deixa de ser caca e como tal pode trazer doenças àqueles que o aspirem; usem máscaras, é o conselho, mas nem uma única se vê a ser usada durante o filme. Os trabalhadores simplesmente não as usam.

O realizador (alemão, János Richter de seu nome) decide não se focar nesse problema. Aliás, a questão das máscaras e das eventuais consequências para a saúde daqueles homens nem sequer é abordada (eu é que tenho a tendência para pensar nesses assuntos). O foco do filme é a actividade em si, não aqueles que a exercem.

"É uma escolha acertada?" perguntam-se vocês (ou pelo menos perguntei eu). Acho que sim, dados os constrangimentos de tempo a opção por abordar o passado, o presente e o futuro daqueles homens seria demasiado. Assim, deixou-se a prospeção de guano falar por si mesma, acompanhada do constante piar das aves que habitam aquele rochedo e de uma composição visual muito interessante e prometedora para alguém que tem aqui a sua primeira obra.




Filme no âmbito do DocLisboa 2011. Passou dias 21 e 24 mas só hoje é que tive oportunidade de escrever a SMR.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

The Redemption of General Butt Naked

The Redemption of General Butt Naked:


The Redemption of General Butt Naked é um documentário que tem nome de filme porno mas que, em dados momentos, podia transformar-se em filme de terror. Fala-nos da história de Joshua Milton Blahyi, guerrilheiro liberiano que ganhou a alcunha de General Butt Naked por liderar um grupo de combatentes que enfrentavam os seus inimigos completamente nus, crentes numa protecção divina que os tornaria invencíveis.

Quando ouvi esta última parte tive de me lembrar de um outro documentário, Invisible Children: Rough Cut. Nesse filme é-nos explicado que também no Uganda o exército de Joseph Kony por vezes combate nu, crente na mesma protecção divina. Isso é, claro, o menos relevante nestes dois importantes filmes, mas não deixa de ser curiosa a ligação, por nos permitir prescrutar a mente de dois monstros que espalham o caos e a dor e mesmo assim se sentem protegidos pelas suas divindades, o diabo na Libéria, deus no Uganda.

Mas neste filme sobre o General Butt Naked o título apresenta uma outra palavra, ainda mais importante para a história que se quer contar: redenção.

Ao contrário do que se passa no Invisible Children aqui o "monstro" é filmado pelos realizadores...Joseph Kony aparece só em alguns frames mas o General Butt Naked é o protagonista do filme, estando em cena na grande maioria do tempo enquanto conta a sua história, espalha a sua nova mensagem e pede desculpa aos que magoou ou aos seus familiar. Os tempos são de redenção para Joshua Milton Blahyi.

Isto porque ao fim de uma série de anos a cometer as maiores barbaridades da guerra civil liberiana Joshua teve uma visão: Jesus apareceu-lhe, fê-lo ver o quão errado estava ao comportar-se assim e mudou-lhe a vida para sempre.

Por vezes a conversão de Joshua parece ser honesta, vê-se que ele acredita nas palavras que diz, faz o que pode para ajudar aqueles que prejudicou (embora mantenha uma série de gadgets e roupas caras num país paupérrimo) e, segundo o filme, foi um dos poucos (senão o único) dos guerrilheiros dessa altura que se apresentou publicamente perante a Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR) criada em 2005 e confessou as atrocidades cometidas. Mas, apesar disso, devo confessar que não consigo acreditar totalmente nele: quando vemos os seus sermões na igreja (Joshua é agora um "ministro" religioso) ou quando o vemos a apresentar as suas desculpas àqueles que magoou podemos testemunhar que sua agressividade continua lá por inteiro...Joshua parece ser um barril de pólvora que por agora está controlado, mas que a dada altura poderá voltar a explodir.

Se assim é ou não não sou eu que posso confirmar, deixo-o para quem convive com ele mais de perto, mas não deixa de ser interessante ver que a grande maioria daqueles a quem Joshua pede desculpa ("Sorry", diz ele, uma palavra demasiado fraca para os horrores que motivou) deseja que ele ainda venha a ser punido pelo que fez. O ter-se apresentado na CVR fez com que fosse indultado pelo que pode andar livremente na Libéria, sem vir a ser perseguido judicialmente mas ainda há muitos que querem que pague pelos males que fez. No final do filme também vocês terão o vosso veredicto.


Este é mais um documentário no âmbito do DocLisboa 2011. Passou hoje e volta a passar dia 28, às 21h45 no cinema Londres.