sexta-feira, 22 de junho de 2012

Rabbit Hole

Rabbit Hole:


Tens 30 e tal anos, uma casa de sonho nos suburbios de Nova Iorque, um carro de luxo, um filho e um cão. Estás na tua casa, como tantos outros pais em tantos outros sítios, o teu filho corre atrás do cão como tantos outros miúdos de 3 anos mas acaba morto, atropelado. De repente o vazio. Não há adeus, nem até já nem qualquer hipótese de preparação, apenas um grande vazio para jamais preencher.

Depois do fabuloso Shortbus, que lida com a sexualidade, a perda é o tema de Rabbit Hole, novo (mas já antigo) filme de John Cameron Mitchel, com a Nicole Kidman e o Aaron Eckhart a servir de pais perfeitos a braços com a maior das tragédias.

Becca e Howie lidam por meios diferentes com o que se passada: enquanto que ele procura à força toda manter viva a memória de Danny, ela torna-se fria com o marido e com o mundo procurando sofregamente o contacto com Jason (Miles Teller, a aguentar-se bem entre as estrelas), o jovem que conduzia o carro que matou o seu filho e que não consegue deixar de pensar "e se fosse mais devagar?" apesar de não ter culpa no acidente.

Como muitos casais reais que passam por este drama Becca e Howie entram em crise: têm em comum uma tragédia e o espaço que os cortou a meio, os paninhos quentes e a simpatia dos amigos só os relembram do porquê e mesmo a mensagem de que "Deus precisava de um novo anjo" que o seu grupo de apoio tenta transmitir só lhes dá nojo, não conforto. Tal como a morte de Danny é irreversível, também a dor que terão de transportar é permanente...de início é insuportável, um dia pesará menos mas - como partilha a mãe de Becca - haverá sempre um peso a carregar, onde quer que vão.

Rabbit Hole acaba por ser um excelente estudo sobre o processo de lidar com essa horrível missão. É um filme duro de se ver, cinzento, esbatido e, como é normal dado o tema, sem um final feliz. Como tal, é uma obra importante e poderosa mas, por favor, não o procurem como forma de  entretenimento ou consolo, não conseguirão deixar de pensar "e se fosse eu?"

terça-feira, 5 de junho de 2012

Tyranossaur + Dog Altogether

Tyranossaur:


Normalmente, assim que tenho oportunidade, depois de ver um filme vou à respectiva página de trivia do IMDB e leio alguma informação engraçada relativa ao mesmo. Depois de ter visto Tyrannosaur, primeiro filme realizado pelo actor inglês Paddy Considine, fiquei absolutamente chocado: aparentemente este filme teve bastantes queixas de gente que saiu a meio e tentou reaver o dinheiro. Porquê? Porque este filme não é uma espécie de Jurassic Park em terras de sua majestade.

Por esse motivo, fica desde já o aviso: Tyrannosaur é apenas a alcunha que o protagonista do filme deu à sua falecida mulher. Nada mais que isso.

O protagonista chama-se Joseph, um miserável inglês que não poderia ser mais miserável nem mais inglês. A sua vida está a cair aos bocados e apenas o alcool e uma agressividade ao nível do Clint Eastwood em Gran Torino mantêm a sua vontade de continuar. A sua mulher morreu, o seu melhor amigo está a morrer e a sua última companhia, o seu cão, acaba por sofrer às suas mãos.

Mesmo antes de bater no fundo Joseph conhece Hannah (Olivia Colman, que merece todos elogios que recebeu), uma mulher igualmente miserável mas com fé em algo mais que a cerveja. Hannah poderá inicialmente parecer o oposto de Joseph mas são ambos almas perdidas que precisam de ajuda.

Joseph ajuda Hannah a recuperar de uma relação conjugal violenta, Hannah faz com que Joseph volte a ter um pouco de fé na humanidade, mesmo que não continue a acreditar na sua própria humanidade.

Tal como o mundo de tantos Joseph e Hannah reais, a realidade de Tyrannosaur é pobre, violenta e tão chuvosa como só a Inglaterra pode ser e tal como no mundo real a história destes dois seres que ninguém imaginaria juntos não tem um final feliz. A consolação dos personagens é uma réstia de moralidade que encontram nas profundezas dos seus seres, a consolação dos espectadores só pode ser uma: enquanto retrato da realidade, Tyrannosaur não poderia ser mais pungente...no mundo de Tyrannosaur a tristeza e a raiva são as únicas emoções.



Na mesma sessão deu ainda para ver Dog Altogether, a curta que serviu de teste para Tyrannosaur. É basicamente uma versão mais agressiva da parte inicial da longa mas não deixa de ser engraçado para ver a evolução que a história teve nos 4 anos que separam os dois filmes.

sábado, 2 de junho de 2012

Moonrise Kingdom

Moonrise Kingdom:



No dia 8 de Abril de 2002 vi o The Royal Tenenbaums numa sala do cinema Monumental em Lisboa. Não gostei do filme mas pior do que isso, comecei uma relação muito complicada com os filmes do Wes Anderson. Devo ter visto esse filme por volta das 19h porque me lembro que era essa a hora a que as visitas do Hospital Particular de Lisboa acabavam e eu saí um pouco mais cedo para conseguir chegar à sessão a tempo. Foi a última vez que falei com o meu pai.

Ontem, mais de 10 anos depois, numa sala do cinema Cinestar Potsdamer Platz em Berlim, fiz finalmente as pazes com o Wes Anderson. Obviamente a culpa não é dele, mas desde 2002 que não conseguia desligar-me da relação que tinha entre este realizador e a sensação de "e se tivesse ficado mais uns minutos a conversar"? Entretanto o meu pai morreu, o Wes Anderson fez mais três longas (das quais vi uma - The Darjeeling Limited), eu cresci 10 anos e só ontem consegui desligar essa associação.

O segredo para que isso tivesse acontecido está no facto de Moonrise Kingdom contar uma história que eu gostaria de ter vivido quando tinha os mesmos 12 anos que Sam (Jared Gilman, que poderá ir longe se decidir continuar a ser actor). Sam é um membro altamente impopular dos Khaki Scouts liderados por Ward, um Edward Norton brilhante de tão perdido que torna o seu personagem. Um certo dia, no verão passado, Sam conhece Suzy (Kara Hayward), filha de um dos poucos casais residentes na fictícia ilha de New Penzance. Tornam-se pen pals (o filme é passado em 1965, na era pré-internet) e no ano seguinte resolvem tentar o reencontro e a fuga.

Tanto Suzy como Sam estão longe de ser o que a sociedade gostaria que eles fossem. Ele é um órfão incompreendido no meio de uma família adoptiva que acaba por o abandonar, ela tem tudo o que uma família (disfuncional, não fosse ela liderada pelo Bill Murray e pela Frances McDormand) lhe poderia dar mas confessa a Sam que gostaria de ser órfã como ele, pois nos seus livros os órfãos têm vidas muito mais interessantes.

A fuga de Sam e Suzy conjugada com uma tempestade anunciada pelo estranho narrador põe New Penzance em alvoroço. O polícia da ilha (Bruce Willis, uma grande escolha de casting) junta-se aos pais de Suzy, a Ward e aos seus escuteiros na busca dos fugitivos e essa é metade da história. A outra metade é a do desenvolver da relação entre o casal em fuga.

A fórmula de dividir a história em dois funciona muito bem pois permite-nos divertir-nos com a seriedade com que a fuga é tratada pelos perseguidores enquanto que sabemos o quão pouco desesperado é o estado de espirito dos perseguidos. Sam e Suzy só querem estar juntos e acabam por envolver-se de uma forma bem mais profunda do que se esperaria para duas crianças.

Como disse no início, este filme fez as pazes entre mim e o Wes Anderson por contar uma história de que eu gostaria de ter feito parte. Mas o segredo do sucesso é sobretudo a forma como é contada. O look e a banda sonora dos anos 60 só ajudam a que nos deixemos envolver numa narrativa que conta a história deste puto de 12 anos como se fosse ele mesmo a conta-la.

No final da sessão nem uma pessoa saiu até ao final dos créditos. Uns provavelmente sonhando ser Sam (ou Suzy) numa história de amor tão possível como irreal, outros querendo talvez ser tão cool como o casal Bishop, eu por ter desfeito o nó que me afastava deste grande realizador e por ter acabado de assistir ao meu filme favorito deste ano, todos com um grande sorriso na cara.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

The Dictator

The Dictator:


Acabou-se o estado de graça para Sacha Baron Cohen. Uso propositadamente este termo típico da democracia (e do futebol) para avaliar o seu último filme, sobre um ditador de um país fictício no Nordesde Africano (onde na realidade fica a Eritreia) que se desloca a Nova Iorque para, perante as Nações Unidas, tentar convencer a comunidade internacional de que o seu programa nuclear tem fins meramente pacíficos.

So far so good, não? Um tema bastante comum - tantas vezes já ouvimos esta conversa sobre o Irão ou a Coreia do Norte - analisado de uma forma cómica poderia ser uma boa base para o criador de Borat.

Pois a ideia de fundo pode ser boa mas depois é preciso substância para que as histórias se desenvolvam e neste caso a ideia parece ter sido meter todas as piadas politicamente incorrectas que os argumentistas se lembraram, na ordem pelas quais eles se lembraram delas. Assim, temos as constantes referências ao assassínios de todos os que não agradam ao Major General Aladeen, os pobretanas que vivem nas montanhas e têm sexo com cabras, a misoginia, os colectivos anarco-feministas vegan liderados por uma mulher com pelos no sovaco e por aí em diante.

E agora vêm os membros da brigada anti-PC dizer que eu sou da brigada-PC (politicamente correcto, não Partido Comunista), mas a verdade é que não me senti por uma única vez chocado com as piadas. Considero que tenho inteligência suficiente para entender o humor em situações que à partida poderiam não o ter, mas é preciso que o humor seja de qualidade e não esta mescla de piadas que - estando acima dos Malucos do Riso - não passam a fasquia de um filme do Adam Sandler.

Sacha Baron Coen é um homem inteligente e merece a fama que tem. Há mais de 10 anos que pega em estereótipos e desconstrói-os com piada, mas ao contrário das suas anteriores criações a ter espaço no cinema, o General Major General Aladeen parece ter sido criado à pressa para extrair mais uns milhões do pessoal que ainda vai ver os filmes dele. Eu era uma dessas pessoas mas, como disse, o estado de graça que lhe dei acabou.

Não quer isto dizer que esteja tudo perdido. Consegui rir-me umas 4 ou 5 vezes durante o filme (uma delas devido à constante torrente de insultos à personagem de Anna Faris, estranhamente parecida com o Patton Osswalt) e hei de continuar a prestar atenção aos seus futuros projectos, mas espero sinceramente que as piadas voltem a ser mais inteligentes. Na história cinemática dos ditadores cómicos, o que pouco fala e é a preto e branco ganha claramente a guerra àquele que precisa de barulho e cores berrantes para chamar a atenção.